Em 1894, nas instruções de trabalho da Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC) – criada pelo governo de Minas Gerais para a fundação de Belo Horizonte – determinou-se o seguinte:
Art. 16. De cada um dos desenhos de projetos organizados […] pela 3ª seção [de arquitetura], deverá ser tirada, antes da aquarela definitiva, uma cópia em papel-tela bem transparente […]. (grifo nosso).
Decorridos 121 anos dessa normativa, esses desenhos de projeto passaram a integrar, em 2015, a “Memória do Mundo”, conforme declaração da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). Recordemos essa história!
No final do século XIX, homens e mulheres de várias regiões do Brasil e do mundo – após longas viagens por embarcações, em lombo de burro ou de trem – cruzaram oceanos, rios e terras agrestes para, enfim, adentrar as tortuosas ruas do bucólico arraial de Belo Horizonte, o antigo Curral de Rei. Incrustado no coração de Minas, entre colinas verdejantes e aparentemente congelado no tempo, o charmoso povoado mantinha a sua feição histórica dos tempos coloniais.
Mas essa paisagem logo seria radicalmente transformada por um novo projeto de cidade, com grande participação desses bravos forasteiros, que vieram empenhar-se numa colossal empreitada: erguer a nova capital do estado sobre o velho arraial em exíguos quatro anos – entre 1894 e 1897. Nesse contexto, sob a liderança do engenheiro Aarão Reis, formou-se o grupo dos nossos talentosos arquitetos pioneiros, oriundos do próprio Brasil, bem como de Portugal, França, Bélgica e Itália. Eles integraram oficialmente a CCNC, corpo técnico que viria a criar a primeira cidade planejada da jovem República brasileira.
Os fundadores da arquitetura de Belo Horizonte trouxeram em suas bagagens a formação acadêmica no ecletismo, o mais moderno estilo arquitetônico da época e difundido mundialmente pela afamada Escola de Belas Artes de Paris, onde estudou o pernambucano José de Magalhães, que veio a ser nomeado chefe da seção de arquitetura da CCNC.

E por que essa menção às Belas Artes? Lembremos que, por muito tempo, a arquitetura sustentou o status de arte que precedia as demais, sendo todas elas, inclusive, muitas vezes ensinadas numa mesma instituição – como a própria Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, que abrigou, no início do século XIX, o primeiro curso de arquitetura do Brasil e onde estudou Edgard Nascentes Coelho, autor de exuberantes edifícios dos primórdios de Belo Horizonte.
Recordemos também o célebre Manifesto das Sete Artes (1923), de Ricciotto Canudo. Nele, o pensador italiano afirmava que a arquitetura seria a primeira “arte do belo”, base para o desenvolvimento da escultura, da pintura e das demais, sendo o cinema – a mais recente delas – classificado como a sétima arte.
Por outro lado, naquela época, as construções eram precedidas por requintados desenhos arquitetônicos que, digamos, alcançavam o patamar de verdadeiras obras de arte. Nesse sentido, basta lançar um rápido olhar sobre as pranchas dos projetos elaborados pelos arquitetos da CCNC para confirmar isso. Verifica-se que, a despeito da urgência dos trabalhos, eram desenhos aquarelados feitos com o mesmo primor técnico e artístico das pinturas da época e, não por acaso, foram preservados e chegaram até nós como valiosos testemunhos dos processos de criação dos arquitetos pioneiros da capital mineira.

Esses belíssimos desenhos arquitetônicos – juntamente com outros registros iconográficos, cartográficos e textuais produzidos no âmbito das atividades da CCNC – constituíram um extraordinário acervo documental, atualmente sob a guarda do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, do Museu Histórico Abílio Barreto e do Arquivo Público Mineiro. Sua relevância foi reconhecida em âmbito municipal em 2014 e, no ano seguinte, em escala mundial.

O reconhecimento local ocorreu em sessão solene do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte, quando o acervo foi tombado como patrimônio da cidade – processo em que tive a honra de atuar como relator, com base no Dossiê elaborado pela Diretoria de Patrimônio Cultural. Em 2015, coroando essa história, os desenhos arquitetônicos da CCNC – bem como os demais documentos do acervo – foram inscritos pela UNESCO no programa Memory of the World (Memória do Mundo), integrando o conjunto dos mais importantes registros da história mundial – uma conquista que é motivo de muito orgulho para a nossa cidade!

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