Othon Bastos é do tipo de artista que dispensa comentários e apresentações. Com uma carreia longeva – são mais de 70 anos entre teatro, cinema e televisão –, o ator baiano já trabalhou com grandes nomes da cinematografia brasileira, como o conterrâneo Glauber Rocha (Deus e o Diabo na Terra do Sol) e o premiado Walter Salles (Central do Brasil).Participou também do elenco de O Pagador de Promessas (1962), de Anselmo Duarte, único filme brasileiro a levar a Palma de Ouro, em Cannes, até hoje.Casado com a atriz baiana Martha Overbeck há mais de seis décadas, Othon tem um filho e diz que nem pensa em aposentadoria. Nesta segunda-feira, 19, foi condecorado pela Academia de Letras da Bahia (ALB) com a medalha Arlindo Fragoso por sua trajetória artística. Quando não está trabalhando, o ator gosta de ler, e garante que a coisa mais bonita que existe é viver com alegria.Nascido em Tucano, Othon faz 92 anos em cena, nesta sexta-feira, 23, e traz a Salvador seu mais novo espetáculo, o aclamado ‘Não Me Entrego, Não!’, em cartaz de amanhã a 25 de maio, no Teatro SESC Casa do Comércio. Quarta-feira a sábado às 19h30, domingo às 18h.Com texto e direção de Flávio Marinho, o monólogo – primeiro de sua carreira –, é um testemunho biográfico de mais de sete décadas de história de um dos mais emblemáticos atores do teatro e do cinema nacional.Manifesto de quem viveu intensamente todas as benesses e agruras da cultura brasileira, a montagem recorda episódios da trajetória do ator com lucidez, humor e uma serenidade característica da maturidade. São blocos temáticos que alternam episódios da infância com reflexões sobre amor, política, trabalho e a necessidade de reinvenção.Conhecido também das telas da TV, Othon participou das novelas Pecado Capital, Paraíso Tropical, Éramos Seis, Mulheres de Areia e a icônica Beto Rockfeller, só para citar algumas produções. No teatro, encenou, dentre muito outros, autores do porte de Shakespeare, Strindberg, Tchekhov, Tennessee Williams, Ariano Suassuna, Brecht, Guarnieri e Oswald de Andrade.Por WhatsApp, Othon Bastos conversou com o Caderno 2+, e contou sobre o espetáculo, a carreira, o prazer de estar em cena e a importância do teatro para a vida do artista. Confira.Qual o objetivo de Não Me Entrego, Não!?O propósito é mostrar que o artista tem que estar sempre em ação. Mostrar que pode trabalhar, viver, sonhar, dizer para a vida: eu estou vivo, eu quero continuar trabalhando.Fale um pouco sobre o espetáculo.Quero transmitir para as pessoas aquilo que eu passei na vida, aquilo que sofri, mas mesmo assim não desisti, continuei em frente. Esse é o propósito do espetáculo. É doar às pessoas aquilo que você tem dentro de si, de bom, de alegre, de útil, de felicidade, de carinho, de afeto. É dizer: estou vivo, estou trabalhando.O que o público vai ver em cena?É a vida que você vai atravessando. Os momentos, o que vai acontecendo com você. E o que você vai tirando e vivendo nesse momento. O público vai ver isso, não uma biografia. Ele vai ver o que eu sou, o que passei na vida, como vivi, como reagi a isso. E como eu continuei sem desistir. Isso são os blocos da minha vida. O tempo é uma coisa importante. É preciso saber como viver com o tempo, como construir o seu tempo. Há uma grande mestra do teatro que diz que o tempo se vinga quando você faz as coisas sem ele.
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Gosta da experiência de estar fazendo um solo?É claro que eu gosto da experiência, tanto que eu estou fazendo um monólogo pela primeira vez aos 91 anos. Poderia ter feito antes, mas não. Eu gosto de fazer o monólogo, mas evidente que eu não estou sozinho nesse monólogo. Por isso, é considerado um monólogo híbrido. Eu apresento a pessoa que está comigo, que é a atriz Juliana Medella. Ela faz a minha memória, me auxilia, me ajuda e completa comigo esse monólogo.Sente falta da contracena?Agora, evidente que um palco com vários atores é uma outra coisa. Ali você está tendo ideias para discutir com os próprios colegas.Qual a importância de Glauber Rocha em sua carreira?A importância do Glauber na minha trajetória foi o acaso. Esse sim, é um grande amigo. Muitas coisas eu fiz por acaso. Essa foi uma delas. Glauber ia fazer Deus e o Diabo na Terra do Sol. O ator que ia fazer Corisco não pôde ficar, porque tinha um outro trabalho, não podia esperar. E Glauber então foi me procurar e nós conversamos sobre o filme. Não só eu, como toda a equipe que trabalhava com ele, os atores, os diretores, o elenco, a produção do filme, a música, tudo isso concorreu para que esse filme se tornasse um símbolo, um marco no cinema brasileiro. Mas isso tudo aconteceu por acaso. E a minha amizade com a Globo também foi um acaso.Que marca você quer deixar como legado?A marca que eu quero deixar como legado é a paixão que eu tenho pela minha profissão. Eu tenho certeza que isso se reflete em todo o meu trabalho.Gosta da trajetória que construiu? Que trabalho te dá mais orgulho?Eu acho que tenho sido feliz na minha trajetória e tenho orgulho de todos os trabalhos que fiz.O que, de fato, forma o ator? Que dicas você dá para quem está iniciando a carreira artística?Façam teatro. Teatro é a base de tudo. No teatro, você faz cinema, televisão, publicidade. Na peça, uso as palavras de um grande ator americano, Denzel Washington, que diz: o cinema é do diretor, a televisão é do editor, o teatro não. Quando as cortinas se abrem, o palco é do ator.Veja o discurso de Othon Bastos ao receber a Medalha Arlindo Fragoso
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