O governo federal lançou uma Medida Provisória (MP) que promete isenção na conta de luz para cerca de 60 milhões de brasileiros, especialmente aqueles que consomem até 80 kWh por mês. A proposta também beneficia famílias que recebem entre meio e um salário mínimo e consomem até 120 kWh, oferecendo um desconto de até 15% na fatura.
Mas, como alertam especialistas, “não existe almoço grátis”. A promessa de tarifa zero esconde um efeito colateral preocupante: alguém vai precisar bancar essa conta — e quem deve arcar, mais uma vez, é a classe média e parte do setor produtivo.
Como funciona a MP da energia?
A MP tem três pilares principais:
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Tarifa zero para baixa renda: Benefício para quem consome até 80 kWh/mês, além de desconto para quem está entre meio e um salário mínimo com consumo até 120 kWh.
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Justiça tarifária: Redistribuição dos custos, tentando aliviar a conta dos consumidores de baixa renda.
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Abertura do mercado: Liberação para que qualquer consumidor, inclusive residencial, escolha de quem comprar sua energia, como já acontece no setor de telecomunicações.
Quem vai pagar a conta?
Embora soe como uma medida de justiça social, na prática o impacto recai sobre outros consumidores. Isso porque os custos não somem — eles são redistribuídos. E o caminho natural é que a conta seja bancada por quem consome mais, como a classe média, comércio e indústria.
O problema não é novo. Hoje, uma parcela da população já paga mais caro por conta de subsídios embutidos na tarifa, principalmente para beneficiar setores como energia solar, eólica e até indústrias que recebem incentivos. O resultado é que a conta de luz já carrega, além dos impostos explícitos, uma série de custos ocultos.
O peso dos subsídios no setor elétrico
Atualmente, a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) — que reúne os subsídios do setor — já custa aos brasileiros cerca de R$ 48 bilhões por ano. Com a nova MP, esse valor deve subir em mais R$ 3,6 bilhões, totalizando aproximadamente R$ 51,6 bilhões.
Na prática, quando o governo oferece energia gratuita para um grupo, está criando mais um subsídio. E esse subsídio, inevitavelmente, reaparece na tarifa dos demais consumidores.
“Se você soma impostos explícitos, como ICMS e PIS/Cofins, que já representam cerca de 40% da conta, com os subsídios escondidos, que podem superar 17%, o brasileiro paga mais de 60% da fatura só em encargos e tributos”, afirma um especialista do setor.
Abertura do mercado: Solução ou ilusão?
A proposta de abertura do mercado de energia, permitindo que consumidores escolham seus fornecedores, não é exatamente uma novidade revolucionária. Experiências internacionais mostram que, mesmo onde essa liberalização ocorreu, apenas 15% dos consumidores realmente trocam de fornecedor.
O motivo? Energia elétrica, diferente de telefonia, é um serviço essencial. A insegurança de mudar para uma empresa desconhecida, aliada ao medo de problemas na prestação do serviço, freia a migração.
Além disso, o benefício tende a se concentrar nos consumidores que já possuem mais poder de negociação, enquanto os demais continuam nas mãos das distribuidoras tradicionais.
O verdadeiro problema do setor elétrico
A raiz dos problemas do setor não está apenas no custo da tarifa social, mas em um modelo energético que se tornou caro, ineficiente e dependente do clima.
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Crescimento desordenado das energias renováveis, incentivadas por subsídios, sem o devido planejamento de infraestrutura.
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Falta de linhas de transmissão suficientes para escoar energia de regiões como o Nordeste para os grandes centros consumidores, como São Paulo e Rio de Janeiro.
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Instabilidade no sistema, que já provocou apagões recentes devido à intermitência de fontes como eólica e solar.
E os investimentos no setor?
A MP não ataca um dos maiores gargalos do setor: a necessidade urgente de investimentos em infraestrutura, especialmente em transmissão e armazenamento de energia. Sem isso, o risco de apagões e aumento dos custos operacionais permanece elevado.
Além disso, há uma preocupação de que, assim como ocorreu com a MP 579 durante o governo Dilma — que tentou reduzir artificialmente o custo da energia e acabou gerando rombos bilionários —, a atual medida acabe trazendo mais distorções do que soluções.
O risco de não virar lei
Por ser uma Medida Provisória, a regra tem validade de 120 dias, podendo caducar caso não seja convertida em lei pelo Congresso. Isso gera incertezas tanto para consumidores quanto para investidores do setor elétrico.
Imagine um consumidor que, hoje, recebe energia gratuita e, daqui a quatro meses, volta a ser cobrado integralmente se a MP não for aprovada. Isso gera insegurança jurídica e econômica.
Benefício social ou populismo energético?
A proposta de tarifa zero na conta de luz parte de uma intenção social legítima, mas carrega um risco estrutural. Sem uma fonte de custeio clara e sem atacar os verdadeiros problemas do setor — como os altos custos dos subsídios e a deficiência na infraestrutura —, o que parece benefício para uns pode significar aumento de tarifas para milhões de outros brasileiros.
Se o governo quer, de fato, fazer política social com energia, especialistas defendem que isso deveria ser financiado via orçamento público, de forma transparente, e não mascarado dentro da conta de luz dos brasileiros.
O post Tarifa zero na conta de luz: Quem vai pagar essa conta? Entenda a nova MP apareceu primeiro em O Petróleo.