Aquela que chega sem avisar, que causa euforia, bem-estar, um certo aceleramento… aquela vontade sincera de pular da cama de manhã e viver o dia sem expectativa nenhuma. Tenho saudade daquele sorriso inexplicável que a gente carrega no rosto feito bobo alegre. E me pergunto: onde foi parar essa tal felicidade?
Depois de muito matutar, cheguei à conclusão de que a felicidade, hoje, anda supervalorizada. Não é que eu tenha deixado de sentir felicidade. É que a versão atual dela — essa vendida por aí, com manual de instrução e requisitos inalcançáveis — eu, sinceramente, não reconheço.
A nossa felicidade, aquela de verdade, não nos abandona. Mas, aparentemente, ela foi trocada por outra — aquela que exige performance, perfeição e filtros. E os predicados que vêm sendo exigidos dela ultimamente… ah, esses são praticamente impossíveis de “ticar”. Só um super-herói consegue ser feliz nos dias de hoje.
Aristóteles dizia que a felicidade está na realização daquilo que somos por natureza — viver com virtude, com propósito. Mas olha, nem ele teve que lidar com algoritmo, deadline e foto de café da manhã que parece editorial da Vogue. Hoje, parece que felicidade virou uma maratona de méritos com curadoria.
Somos bombardeados todos os dias com superatletas, supermodelos, superempresários, superpais, superfilhos, superalunos, superlíderes, superamigos, super-humanistas, superanimais, super tudo! Mas nem isso basta. Supermodelo que não é supermãe não serve; supermãe que não é superexecutiva também não; e superatleta que não é superrico? Esquece.

Assim não dá.
Das felicidades que carrego comigo, estão coisas simples: passar de ano, ser escolhida pro time de queimada do bairro, estar mais ou menos no peso certo, receber um elogio do chefe, casar, ter filhos, trabalhar, tomar um suco na praia. Coisa meio normal, sabe?
Epicuro, que entendia das alegrias miúdas da vida, diria que isso aí é felicidade. Para ele, prazer verdadeiro está em evitar a dor, cultivar amizades e viver com simplicidade. Nem coach, nem planilha, nem reconhecimento público. Só um copo de vinho (ou de suco de caju), uma boa conversa e a ausência de ansiedade.
Mas, do jeito que tá… não dá.
E, por favor, não venham com esse papo de que “a felicidade vem de dentro”. Eu sou gente — não sou super-heroína da autoajuda, nem mística iluminada, nem santa do bem-estar espiritual. Tô tentando, mas não sei se é por aí.
Talvez seja melhor lembrar que aquilo que me faz feliz está a um palmo de distância. E parar com essa busca incessante pela felicidade que o mundo inventou. Essa felicidade fabricada só tem deixado todo mundo mais infeliz.
David Hume já avisava que não há fórmula mágica: nossas emoções, nossos humores — tudo muda como o tempo. Esperar uma felicidade constante é como esperar que não chova nunca mais. E ainda por cima culpar a si mesmo quando chove? Um pouco injusto, né?
Pascal dizia que “todos os homens buscam ser felizes, isso é sem exceção… e os meios variam tanto que, mesmo quem vai se enforcar, o faz porque acredita que ali está algum alívio.” Talvez a felicidade esteja menos em encontrá-la e mais em parar de persegui-la feito prêmio de reality show.
Camus, que enxergava sentido no próprio absurdo da existência, talvez sorrisse se lesse isso. Para ele, o segredo estava em aceitar a falta de sentido — e, ainda assim, encontrar beleza em empurrar a pedra montanha acima. Se a gente vai ter que empurrar mesmo, que seja com um batom bonito e um pedaço de torta.
A minha felicidade é mais legal — e bem menos cruel.
E tô curtindo ela ao máximo, sem gloss nem glamour.
Vou, sim, ficar eufórica porque consegui ver um filme do começo ao fim.
Vou, sim, ficar abobalhada porque a calça fechou.
E vou, sim, ficar absolutamente extasiada porque joguei uma partida de tranca com meus filhos.
E quem acha que não é por aí… não faz ideia do que está perdendo.
Está perdendo tempo.
E tempo, meu bem, não tem volta.
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