Em 1893, o então Arraial de ‘Bello Horizonte’ – antigo Curral del Rei, bucólico povoado de arquitetura e urbanização dos tempos coloniais, de ruas tortuosas e casas brancas com telhados e quintais verdejantes – foi escolhido pelo Congresso Mineiro e sancionado pelo governador Afonso Pena como o local da nova capital do estado, que seria oficialmente transferida de Ouro Preto.
Vislumbrar a civilização de pedra, barro e madeira que nos antecedeu é fundamental para compreendermos de forma integral a história do território que hoje chamamos de Belo Horizonte – sobretudo porque algumas de suas antigas edificações abrigaram as primeiras instituições da nascente cidade. Nesse sentido, apresentamos aqui uma rica iconografia produzida pela própria Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC), no âmbito do processo de desapropriação dos imóveis que foram demolidos para dar lugar à nova cidade.
Conheça o antigo Arraial de ‘Bello Horizonte’ em dez imagens
1. Rua General Deodoro

A principal rua do extinto Arraial de ‘Bello Horizonte’ foi a General Deodoro, que abrigou o escritório da Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC); a Subdelegacia de Polícia; a Farmácia Abreu (única na localidade); o jornal Belo Horizonte (primeiro da cidade); e as casas de Adalberto Ferraz (primeiro prefeito), major Francisco Antônio Vaz de Melo e Dr. Cícero Ferreira (fundador da Faculdade de Medicina). Se ainda existisse, essa via seria paralela à Av. Afonso Pena, no trecho em frente ao Parque Municipal. Na foto, ao fundo, destacam‑se a torre da antiga Matriz da Boa Viagem e a Serra do Curral.
2. Matriz Nossa Senhora da Boa Viagem

O principal templo do Arraial de ‘Bello Horizonte’ foi a Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem, concluída por volta de 1765. Essa construção colonial apresenta afinidade formal com a Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Sabará, cujo arraial era então freguesia. Essa fachada assemelha‑se a muitas matrizes mineiras da época, que apresentavam uma portada central, duas janelas para o coro, frontão triangular, duas torres laterais de base quadrada cobertas com telhas e grimpas no topo, além de cunhais e entablamento bem marcados em madeira ou pedra.
Segundo o padre Francisco Martins Dias, que escreveu, em 1897, um livreto sobre a história do Arraial do Curral del Rei, a matriz media 36 metros de comprimento, 43 metros de largura e 18 metros de altura, tendo sido construída majoritariamente em pedra. O tamanho, o desenho e os materiais dessa matriz denotam um razoável nível de prosperidade do povoado em seu auge econômico e a presença de irmandades na comunidade religiosa.
3. Casa de Adalberto Ferraz

Esta charmosa moradia térrea, que ficava na antiga Rua General Deodoro, apresenta a tipologia conhecida na arquitetura colonial brasileira como Casa de Morada, cujas fachadas exibiam uma porta central com duas janelas de cada lado. Neste imóvel, residiu o ilustre mineiro Adalberto Dias Ferraz da Luz (1863–1912). Nascido em Pouso Alegre, Ferraz estudou humanidades em Ouro Preto e graduou‑se em Direito no Rio de Janeiro. Em Belo Horizonte, entre 1895 e 1897, foi chefe da Divisão dos Serviços Municipais da Comissão Construtora da Nova Capital. Em dezembro de 1897, foi nomeado primeiro prefeito de BH pelo governador Bias Fortes, permanecendo no cargo até setembro de 1898. Vale lembrar que, entre 1897 e 1930, os prefeitos da capital eram indicados pelos governadores do estado.
4. Casarão de Eduardo Edwards

Este majestoso casarão colonial abrigou a loja de Eduardo Edwards. Descendente de ingleses, Edwards nasceu no Curral del Rei e atuou nessa localidade como fabricante de cerâmicas, construtor e comerciante até os primórdios da nova capital. Conforme o Dicionário Biográfico de Construtores e Artistas de Belo Horizonte, Eduardo Edwards (1858–1921) foi proprietário de um estabelecimento comercial denominado Bazar, localizado no antigo Largo da Matriz, esquina com a Rua do Capão (foto).
Associando-se ao artista Francisco Soucasaux e ao arquiteto Alfredo Camarate, esse destacado curralense fundou uma empresa de fornecimento de materiais e construção civil, que firmou diversos contratos com a Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC), entre os quais se destaca a belíssima estação ferroviária de General Carneiro – onde, em novembro de 1894, foi lançado o primeiro alicerce da nascente capital mineira.
5. Biblioteca de Minas

Em agosto de 1894, foi criada, por funcionários da Comissão Construtora da Nova Capital, a Sociedade Literária de Belo Horizonte, responsável pela fundação da Biblioteca de Minas – a primeira da cidade –, instalada em um antigo casarão junto ao Largo da Matriz do antigo Arraial de ‘Bello Horizonte’. O presidente honorário da instituição foi o engenheiro-chefe da CCNC, Aarão Reis, que contou com a participação do arquiteto José de Magalhães em seu quadro de fundadores. Segundo a professora Heliana Angotti-Salgueiro, “[…] os membros da Comissão tinham em mãos periódicos franceses, americanos, ingleses, alemães, espanhóis, do ano em curso, além de serem leitores dos grandes nomes do higienismo e do planejamento urbano internacional”.
6. Loja ‘A Constructora’

O estabelecimento comercial denominado ‘A Constructora’, de propriedade do Sr. Arthur Haas, foi um dos primeiros fornecedores de ferragens e materiais de construção do Arraial de ‘Bello Horizonte’. Fundada em 1894 – ano de início das atividades da Comissão Construtora da Nova Capital –, a loja situava-se na antiga Rua do Rosário, num ponto onde hoje seria, aproximadamente, na Rua dos Timbiras, entre as ruas Espírito Santo e Sergipe.
Arthur Haas (1865–1937), natural da Alsácia-Lorena, era comerciante e veio para o Brasil ainda jovem, fixando-se na então Cidade de Minas (Arraial de ‘Bello Horizonte’) em 1894. A prosperidade auferida com os negócios da loja de materiais encorajou Haas a investir em outros empreendimentos na nova capital. Na foto, em frente à entrada da loja, vê-se Arthur Haas ao lado de sua esposa.
7. Sede da Chácara Guilherme Vaz de Melo

A sede da antiga Chácara Guilherme Vaz de Melo, também conhecida como Chácara do Sapo, no Arraial de Bello Horizonte, localizava-se onde hoje está o Parque Municipal. Essa sede é uma variante da arquitetura rural mineira padrão, com apenas um pavimento, planta retangular e telhado de duas águas. No entanto, a típica varanda frontal e o sistema construtivo em pau-a-pique, com forte marcação da estrutura de madeira, seguem as constantes da morada rural em Minas. O imóvel abrigou o engenheiro-chefe da Comissão Construtora da Nova Capital, Aarão Reis, e, posteriormente, o arquiteto francês Paul Villon, responsável pelos projetos paisagísticos, em estilo inglês, do Parque Municipal, dos jardins do Palácio da Liberdade e da primeira versão da Praça da Liberdade.
8. Sobrado de Francisco de Sousa Machado

Em 1894, para realizar os seus trabalhos, a Comissão Construtora instalou seu escritório técnico nesse sobrado imponente colonial que pertenceu ao Padre Francisco Sousa Machado e ficava na rua General Deodoro, esquina com Rua do Rosário, no antigo Arraial de ‘Bello Horizonte’. Foi nesse casarão que os arquitetos pioneiros de BH projetaram os palácios de governo, as secretarias de estado, as residências oficiais, e outros tipos de edifícios públicos para a fundação da cidade em 1897. Nesse sentido, esse foi o primeiro escritório estatal de arquitetura de BH. Ele ficava, aproximadamente, onde hoje é a esquina das ruas Timbiras e Sergipe.
9. Rua de Sabará

A Rua de Sabará, uma das principais vias do antigo arraial – que se estendia do Largo da Matriz até a cidade de Sabará –, foi onde se instalou o primeiro escritório de arquitetura de Belo Horizonte. A imagem mostra um trecho dessa rua em 1895, onde, em 1897, o italiano Luiz Olivieri inaugurou o primeiro escritório particular de arquitetura da cidade. Tendo iniciado seu percurso profissional na Comissão Construtora da Nova Capital, Olivieri exerceu a profissão por mais de 30 anos em Belo Horizonte e foi autor de mais de 400 projetos arquitetônicos em estilo eclético.
10. Planta cadastral do Arraial de ‘Bello Horizonte’

Em 1894, no âmbito do processo de desapropriação dos imóveis do Arraial de “Bello Horizonte”, a Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC) elaborou a planta cadastral do povoado. O seu traçado apresentava uma conformação tortuosa, originada da convergência de caminhos usados nas atividades de mineração na região. Conforme o historiador Abílio Barreto, em 1895, o arraial possuia 428 imóveis, sendo a maioria casas térreas, algumas casas‑grandes e sobrados, além de lotes, fazendas, sítios, moinhos, ranchos de tropa, engenhos de mandioca, uma olaria e uma fábrica de ferro. Além desses imóveis, existiam três templos: a Matriz da Boa Viagem e as capelas do Rosário e de Santana. No auge de sua economia, de base agropecuária, o povoado chegou a ter cerca de 8 000 habitantes; 23 fazendas de produção agrícola e 4 de criação de gado; 42 comerciantes; e 66 pessoas dedicadas aos chamados ofícios úteis (sapateiros, ferreiros, alfaiates etc.).
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