
A ilha de Mackinac parece ter parado no tempo.
Getty Images via BBC
Berço da “Motor City” de Detroit, onde se originaram empresas como Ford, General Motors e Chrysler, o Estado de Michigan, no Estados Unidos, é frequentemente chamado de “a capital mundial do automóvel”.
No entanto, ao largo da costa norte do Estado, no Lago Huron, há uma ilha tranquila e pitoresca que atrai viajantes há centenas de anos — e que proíbe carros desde que praticamente eles foram inventados.
Bem-vindo a Mackinac, uma ilha de 3,8 quilômetros quadrados, onde vivem 600 pessoas durante todo o ano, sem veículos motorizados, e que conta com a única rodovia dos EUA em que não é permitido dirigir. Até mesmo carrinhos de golfe são proibidos nas ruas — então, se você ouvir algo como uma buzina ou um grito, é provável que seja de um dos gansos ou corujas da ilha.
Como diz Urvana Tracey Morse, dona de uma loja de artesanato na rua principal da ilha: “Aqui, o cavalo é rei”.
Reza a tradição local que quando o barulho do escapamento de um carro assustou cavalos que estavam próximos, em 1898, as autoridades do vilarejo proibiram os motores de combustão interna, uma medida que foi estendida ao resto da ilha dois anos depois. Desde então, os moradores locais adotaram esse estilo de vida tranquilo de antigamente.
Mais de um século depois, cerca de 600 cavalos mantêm tudo funcionando, do inverno ao verão, quando cerca de 1,2 milhão de pessoas embarcam em uma balsa de 20 minutos de Mackinaw City ou St Ignace, na Península Superior de Michigan, e chegam ao pequeno vilarejo (também chamado de Ilha Mackinac) no extremo sul da ilha.
Lá, os visitantes compram o famoso fudge (doce amanteigado) do vilarejo, exploram seus 110 quilômetros de trilhas e desfrutam os sons de uma época mais simples.
“Os cavalos são usados em tudo, desde a remoção de lixo até as entregas da FedEx”, diz Morse, que começou a vender arte, joias e outras mercadorias depois de visitar a ilha pela primeira vez como estudante universitária em 1990.
“Nosso estilo de vida é assim; esse é o nosso ritmo.”
“Parte de nós gosta da tradição de se locomover de bicicleta, a pé ou pegar o táxi a cavalo”, acrescenta.
O ‘lugar da grande tartaruga’
Por centenas de anos, as comunidades indígenas usaram a localização estratégica da ilha, na confluência do Lago Huron e do Lago Michigan, como local de pesca e caça. Eles achavam que seus penhascos de calcário e florestas verdes se assemelhavam a uma tartaruga gigante saindo da água, por isso a chamaram de Michilimackinac, ou “lugar da grande tartaruga” na língua indígena local.
As forças britânicas encurtaram o nome, e estabeleceram um forte defensivo na ilha em 1780. Hoje, os visitantes ainda podem acompanhar intérpretes fantasiados, presenciar disparos de canhão e ver os aposentos de um oficial dentro do prédio mais antigo de Michigan. Porém, mais de 200 anos depois que os EUA assumiram o controle de Mackinac após a Guerra de 1812, suas raízes indígenas permanecem.
“A Ilha Mackinac é um dos lugares mais importantes [e] proeminentes da história e da cultura anishnaabe”, diz Eric Hemenway, membro anishnaabe que tem desempenhado um papel importante no resgate da história indígena na ilha.
“O povo anishnaabeek está no estreito [os canais que conectam o Lago Huron e o Lago Michigan], segundo alguns, desde tempos imemoriais. E ainda estamos no lugar de nossos ancestrais aqui no estreito. As águas eram, e continuam sendo, as rodovias do Meio-Oeste.”
Como Hemenway ressalta, um grande número de cemitérios indígenas foi encontrado na ilha, alguns dos quais remontam a cerca de 3 mil anos. “[Mackinac] é um dos nossos locais mais sagrados nos Grandes Lagos”, diz ele.
Hemenway também trabalhou no desenvolvimento da Biddle House, que abriga o Museu Nativo Americano da Ilha Mackinac, inaugurado em 2021.
“Minha maior [métrica] de sucesso é quando vejo outros nativos passando por aqui… essa é a nossa história”, diz ele.
Atrações variadas
No final do século 19, a Ilha Mackinac havia se tornado um parque de diversões para famílias industriais ricas de Chicago, Detroit e outras partes do outrora próspero Meio-Oeste, que se reuniam na ilha no verão para relaxar em suas águas cristalinas.
O Grand Hotel de Mackinac, com 138 anos, tem quartos decorados individualmente, e afirma ter a varanda mais longa do mundo. Também é um dos últimos hotéis em pleno funcionamento da Era de Ouro da América industrial.
O apelo do Grand Hotel é tão grande que a governadora de Michigan, Gretchen Whitmer, recentemente foi à rede social X para sugerir a ilha como cenário da quarta temporada da série The White Lotus, da HBO.
Embora a proposta tenha sido lúdica, Morse não quer que Mackinac se torne um lugar excessivamente turístico. “Você tem orgulho do lugar onde vive, mas ao mesmo tempo, não quer dizer às pessoas como é legal aqui”, diz ela.
De fato, essa pequena ilha tem muito a oferecer. Oitenta por cento da área terrestre de Mackinac é composta pelo Parque Estadual da Ilha Mackinac, onde os visitantes podem passear por uma floresta centenária, admirar os imponentes pilares de calcário e fazer trilhas, andar de bicicleta ou alugar uma charrete para fotografar uma das atrações mais famosas da ilha — a Arch Rock, com 15 metros de largura.
Os moradores locais sugerem se dirigir para o norte para percorrer a rodovia de 13 quilômetros transformada em trilha para ciclistas e andarilhos que circunda a ilha, e oferece vistas da ponte suspensa Mackinac, de oito quilômetros de extensão, além de acesso a praias tranquilas e bosques.
Cavalos à parte, as 1,5 mil bicicletas disponíveis para aluguel na ilha são a principal forma de locomoção dos residentes e visitantes — um meio de transporte autônomo que sugere que os moradores de Mackinac estão felizes em se locomover em um ritmo diferente do resto do país.
Viver em um lugar sem carros é um dos principais motivos pelos quais Morse, que anda de bicicleta nove meses por ano, decidiu viver o ano todo na ilha, apesar dos invernos rigorosos.
“Adoro a ideia de pegar minha bicicleta e descer [até a vila] por entre as árvores. Isso me prepara para o dia”, diz ela. “Você está sempre cumprimentando e conversando com as pessoas.”
Viagem no tempo
Mas, embora o ciclismo seja o meio de transporte mais fácil e popular, as bicicletas claramente desempenham um papel secundário na ilha.
“Sem os cavalos, este lugar não seria o que é. É o que faz você sentir como se tivesse voltado no tempo quando sai do barco, e ouve esse pocotó”, afirma Hunter Hoaglund, que trabalha na Arnold Freight, empresa que opera um serviço de balsa para a ilha há 140 anos, e transporta uma manada de cavalos que passam o inverno na Península Superior de Michigan todo mês de abril.
Estima-se que de 20 a 30 cavalos permaneçam na ilha durante o inverno para coletar lixo, entregar pacotes e manter a ilha em funcionamento.
Cercada por águas cristalinas, Mackinac pode ficar isolada do continente periodicamente no inverno, quando blocos de gelo podem interromper os serviços de balsa da ilha.
Mas na primavera e no verão, Mackinac ganha vida.
As dezenas de lilás espalhadas pelas ruas do vilarejo começam a florescer antes do popular Festival de Lilás da ilha, que dura 10 dias em junho.
Os observadores de estrelas se dirigem ao Forte Holmes de Mackinac, o ponto mais alto da ilha, e ao bar Cupola do Grand Hotel para contemplar o céu noturno do norte de Michigan.
Mas para a maioria dos visitantes, após passear de bicicleta pela ilha, a pedida é desfrutar de um sorvete ou pedaço de fudge com vista para a marina.
E tudo isso sem o barulho do motor dos carros para estragar a experiência.
Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.