Para celebrar seus 50 anos vivendo na Bahia, o galerista e cronista francês Dimitri Ganzelevitch, 89, lança, neste sábado, 26, o livro Minha Vida de Jasmim (Azeviche, 190 páginas, R$ 70), uma coletânea com cerca de 40 crônicas publicadas em jornais como A TARDE, além de textos inéditos. O lançamento acontece às 16h no Solar Santo Antônio, no bairro do Santo Antônio Além do Carmo, com entrada gratuita e uma apresentação teatral.O evento é também uma despedida simbólica. Após mais de 40 anos vivendo na mesma casa, o Solar Santo Antônio, reconhecido pelo Ministério da Cultura como Casa-Museu, Dimitri vendeu o imóvel, que é considerado um dos epicentros da cena artística baiana desde os anos 1980.Ali, ele realizou encontros, exposições, saraus e acolheu artistas consagrados e iniciantes. “Vai ser um momento bonito, com amigos queridos, no lugar onde vivi tanto e que agora deixo com gratidão”, disse Dimitri.Segundo o galerista, o título do livro é uma referência poética a um episódio da infância, um toque lírico que atravessa suas lembranças. Ele destaca que, neste exemplar, há textos sobre suas infâncias (no plural mesmo), sobre sua casa, sobre os países por onde ele passou e sobre encontros improváveis com personagens notáveis.Em uma de suas crônicas mais potentes, Um Domingo de Tarde em Casablanca, ele narra o impacto de assistir, ainda adolescente, à companhia da coreógrafa, ativista e antropóloga Katherine Dunham: “O choque seria determinante para muitas das minhas opções culturais e até políticas. Fiquei deslumbrado, atônito, mareado pela beleza do espetáculo, suas músicas e ritmos, a estética, a força dos corpos suados, pois era inevitável o impacto sensual do espetáculo sobre um rapaz em pleno desenvolvimento intelectual e físico”.Sem pretensões literárias, como ele mesmo gosta de repetir, Dimitri reuniu em Minha Vida de Jasmim cerca de 40 crônicas escritas ao longo dos anos. O livro contém cerca de 190 páginas e foi revisado pela escritora e revisora Clarissa Macedo, com prefácio de Nildão, amigo de Dimitri.“Essas crônicas têm um pouquinho de tudo, porque o ecletismo é uma característica minha. Sou eclético na culinária, na leitura, nos amigos… moro no Santo Antônio Além do Carmo, que é um bairro eclético, e vivi em diferentes países. Isso se reflete no que escrevo”, conta, com modéstia. “Mas não sou nenhum Fernando Sabino, que admiro muito”, brinca.Um estilo próprioMesmo escrevendo em uma língua que não é a sua de origem, Dimitri impressiona pela fluência e musicalidade do texto. “Sempre li muito em várias línguas, inclusive em português. Eça de Queiroz, Machado de Assis… Gosto muito deles. E curto o desafio de escrever em uma língua que não domino completamente. Português é uma língua belíssima! Às vezes, descubro uma palavra e digo: tenho que usar isso”, brinca.“Não escrevo como escritor, escrevo como contador de histórias”, disse Dimitri. A estrutura das crônicas, segundo ele, segue o fluxo das lembranças e, por isso, muitas vezes se deixa levar por associações livres. “Às vezes começo escrevendo sobre um episódio do teatro e, de repente, estou falando de minha avó. Não me preocupo com o fim, porque o fim é sempre provisório. A memória continua trabalhando mesmo depois que o texto termina”, enfatiza.O galerista conta que bancou a edição por conta própria, e o retorno dos amigos tem sido caloroso. “As pessoas se encantam. O livro está bonito, a leitura é leve, as crônicas são curtas. Se você não gosta de uma, passa para a próxima. E provavelmente vai gostar”.Para ele, viver na Bahia é como reencontrar uma atmosfera familiar. “Talvez tenha algo a ver com o clima, com a luz, com o modo como as pessoas se relacionam. A Bahia me acolheu com uma generosidade que não esqueci. E também me provocou. Salvador é uma cidade que exige posicionamento, especialmente para quem vem de fora”.Na entrevista, Dimitri também falou sobre o papel que a arte desempenhou em sua trajetória. “Arte, para mim, nunca foi algo separado da vida. É no cotidiano que a beleza acontece. Pode ser numa palavra bem dita, numa dança improvisada ou num prato de comida bem feito”. Ele conta que, mesmo antes de ser galerista, já tinha o costume de acompanhar artistas e apoiar seus trabalhos. “A arte me salvou da banalidade. Sempre”, disse.Com bom humor, Dimitri brinca que nunca entendeu muito bem o que significa “pertencer a um lugar”. “Sou russo, nascido no Marrocos, com formação francesa, espírito espanhol, sotaque português e coração baiano. Já desisti de saber quem sou nesse sentido. Mas hoje, se alguém me pergunta de onde sou, respondo: sou de onde me tratam bem. E a Bahia me tratou muito bem”, enfatiza.Teatro na sala de casaO lançamento do livro será acompanhado de uma peça criada a partir das crônicas de Dimitri. A peça será dirigida pelo cineasta Bernard Attal, que há 25 anos é amigo do galerista. “Ele me deu total liberdade para escolher nove crônicas e realizar o espetáculo do jeito que eu quisesse. Nem ele sabia exatamente como seria”, conta Bernard. O resultado será uma mescla de leitura encenada, música e vídeos, com cerca de uma hora de duração.“A montagem também marca esse momento de transição. O espetáculo acontece na casa que ele está deixando, num pequeno teatro que ele mesmo construiu. Vai ser sobre o lançamento do livro e também sobre a despedida desse lugar que foi central na vida dele”, destaca o cineasta.Segundo ele, a escolha dos textos passou por um crivo cuidadoso: “Procurei as crônicas que mais revelavam a alma dele, o humor, a inteligência, a delicadeza”. A peça será interpretada pelos atores Rita Rocha, Igor Epifânio e Marcelo Flores. Os atores foram escolhidos com base na sensibilidade da peça. “Marcelo Flores, Igor Epifânio e Rita Rocha foram selecionados por afinidade estética e afetiva. Eu já trabalhei com alguns deles, e todos têm relação próxima com Dimitri. Foi uma seleção que partiu dos nossos amigos”, disse Bernard.Para ele, dirigir o espetáculo teatral foi também um exercício de escuta e sensibilidade diante da trajetória de Dimitri. “Não queríamos fazer uma biografia tradicional. A ideia foi traduzir em cena a atmosfera poética das crônicas, com liberdade criativa, respeitando o espírito irreverente e afetivo do autor”, explica.O processo de criação, segundo o cineasta, envolveu uma imersão no universo de Dimitri e nos espaços por onde ele transitou nas últimas décadas. “O Solar Santo Antônio não é apenas uma casa, é um personagem importante na história dele. O espetáculo tenta captar essa vibração: o encontro entre o íntimo e o coletivo, entre memória e invenção. Tudo isso sem solenidade excessiva. Afinal, Dimitri é um homem que vive a cultura como celebração”.Lançamento do livro “Minha Vida de Jasmim” / Hoje, 16h / Solar Santo Antônio (Rua Direita de Santo Antônio, 177, Santo Antônio Além do Carmo)*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
Letras de gratidão: Dimitri Ganzelevitch lança livro de memórias
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