
‘Congresso transformou PL do licenciamento em mãe das boiadas’, analisa André Trigueiro
O projeto da nova lei do licenciamento ambiental, aprovado pelo Congresso e que aguarda sanção ou veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), representa um “retrocesso de décadas” na proteção à natureza no Brasil, segundo Astrid Puentes Riaño, relatora especial das Nações Unidas (ONU).
O texto pode causar “danos ambientais significativos e violações dos direitos humanos”, afirmou Riaño em entrevista à BBC News.
A especialista diz temer que uma lei mais branda se aplique a “alguns projetos de mineração” e que impacte a Amazônia.
Citando uma estimativa da organização Instituto Socioambiental (ISA), Riaño afirma que o projeto revogaria a proteção de 18 milhões de hectares no Brasil, o equivalente ao tamanho do Uruguai.
Críticos do texto o chamam de “PL [projeto de lei] da devastação” — acusando-o de enfraquecer mecanismos de proteção ambiental e colocar em risco a saúde da população, afetada pelas mudanças climáticas e pela devastação da natureza.
Já defensores dizem que o novo licenciamento simplificaria o longo e complexo processo que as empresas enfrentam para provar às autoridades que seus projetos não vão causar danos ambientais inaceitáveis.
Empreendimento agropecuários menores poderão, por exemplo, autodeclarar seu impacto ambiental por meio de um formulário online.
Astrid Puentes Riaño diz estar “muito preocupada” com os planos de renovação automática das licenças de alguns projetos que não passaram por grandes mudanças.
“Isso impedirá que avaliações de impacto ambiental sejam feitas nesses projetos. Alguns dos empreendimentos incluirão projetos de mineração ou de infraestrutura, onde uma avaliação completa é necessária”, aponta a relatora da ONU.
“Também vai causar desmatamento. Sem uma análise adequada, mudanças ou a continuidade de projetos podem representar desmatamento na Amazônia.”
Grande parte do desmatamento na Amazônia tem sido impulsionado pela agricultura e mineração, às vezes ilegais — e Riaño diz que a nova lei é um “retrocesso” nos esforços para evitar isso.
Há cerca de dois meses, uma pesquisa mostrou que grandes áreas da Amazônia foram destruídas em 2024, com incêndios florestais alimentados pela seca piorando o quadro causado pelo desmatamento provocado pela atividade humana.
De acordo com a nova lei de licenciamento, os órgãos ambientais teriam 12 meses — prorrogáveis até 24 — para decidir se concedem ou não uma licença para projetos estratégicos. Se esse prazo for perdido, a licença poderá ser concedida automaticamente.
Riaño diz compreender a necessidade de sistemas mais eficientes, mas defende que as análises de impacto ambiental sejam “abrangentes” e “baseadas na ciência”.
A lei também flexibilizaria a exigência de consulta a comunidades indígenas ou quilombolas em algumas situações, a menos que sejam diretamente impactadas.
Especialistas da ONU levantaram preocupações de que análises aceleradas podem tirar a participação da comunidade local e afetar direitos humanos.
O presidente Lula tem até 8 de agosto para decidir se aprova ou veta, parcialmente ou totalmente, a nova lei — a poucos meses de o Brasil receber a COP30 (30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) em Belém, em novembro.
Se houver veto, o Congresso ainda poderá derrubá-lo.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, já afirmou que, se mantida, a lei pode eventualmente ser questionada no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na terça-feira (29/07), durante evento em Brasília, a ministra sinalizou que Lula pode vetar alguns trechos do projeto e propor uma alternativa.
“Não basta vetar. É preciso vetar e ter algo para colocar no lugar. Não está sendo vista apenas a questão do veto, mas como reparar adequadamente aquilo que porventura venha a ser mudado”, declarou Marina Silva.