CNH sem autoescola é avanço ou retrocesso?

Desde que o ministro dos Transportes, Renan Filho, anunciou que o governo pode acabar com a exigência de aulas em autoescolas para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), um grande debate se instalou no país. De um lado, os defensores da medida, começando pelo próprio governo, que quer reduzir custos e democratizar o acesso. Do outro, autoescolas e órgãos que gerem o setor, com preocupações com a formação dos alunos, segurança no trânsito e emprego de milhares de pessoas. O projeto, divulgado no dia 29 passado, está em análise na Casa Civil, e ainda precisa passar por alguns processos até chegar à sanção presidencial. Um deles é uma consulta pública, que será aberta nos próximos dias. Portanto, quem vai tirar a primeira CNH e se animou com a possibilidade de economizar um dinheirinho, é bom ter em mente que ainda não há uma data definida para a medida entrar em vigor – caso siga adiante. Peça fundamental do processo, o Detran, que realiza os exames e emite as carteiras, trata o assunto com cautela. Na última quinta-feira, representantes da Associação Nacional de Detrans (AND) foram à Brasília participar de uma reunião na sede da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran). O objetivo, conforme nota divulgada depois do encontro, foi conhecer, na íntegra, as propostas divulgadas através da imprensa. “Durante o encontro, os Detrans apresentaram questionamentos técnicos e operacionais, além de solicitar esclarecimentos sobre os impactos das alterações previstas”, afirma o texto. Segundo a associação, o Senatran também se comprometeu a enviar o texto da proposta no prazo de 15 dias, antes da realização da consulta pública. “Após o recebimento do inteiro teor, os Detrans irão avaliar tecnicamente o conteúdo, a fim de se posicionarem”.Frente parlamentar – Representantes de autoescolas e centro de formação de condutores também marcaram presença em Brasília na semana passada. Na quarta, eles foram em carreata até a Câmara dos Deputados para o lançamento da Frente Parlamentar em Defesa da Educação para o Trânsito e da Formação de Condutores. Presidida pelo deputado federal baiano Zé Neto (PT), a comissão contou com assinaturas de 240 de deputados.Um dos articuladores da iniciativa é o presidente do Sindicato de Autoescolas da Bahia (Sindauto), Wellington Oliveira. Ele explica que o objetivo é ampliar o diálogo com as instituições, buscando propostas para modernizar o processo de habilitação e ampliar o acesso à população, mas sem comprometer a qualidade da formação. O próximo passo será a criação de comissão geral, marcada para 3 de setembro, para aprofundar os debates.Para o Sindauto, o fim da obrigatoriedade das 45 aulas teóricas e 20 práticas nas autoescolas, e a liberação para os alunos escolherem instrutores autônomos, vão implicar na formação e, consequentemente, nos altos números de sinistros de trânsito no Brasil. “Há uma comparação com os Estados Unidos e países da Europa, onde não há uma exigência mínima de número de aulas, mas são locais onde há uma educação continuada para o trânsito”, aponta. Wellington, que também é vice-presidente da Federação Nacional de Autoescolas e dono da Aliança, diz que o setor está apreensivo com o possível fechamento de muitas autoescolas e o desemprego de milhares de pessoas. Atualmente, segundo ele, cerca de 300 mil profissionais trabalham nestas empresas. “Essa proposta significa a uberização do setor”, lamenta, acrescentando que no custo para adquirir uma CNH, a partir de R$ 3 mil, está embutido uma série de exigências feita pelo setor. Entre elas, cita, está a própria definição da carga horária, exigência de sede com recepção, sala de aula e secretária, e no mínimo dois carros, duas motos e dois instrutores habilitados. Além disso, os veículos precisam ser plotados e adaptados com pedais de segurança. Wellington defende medidas que possam desonerar os custos do setor e iniciativas como a CNH Social, política pública do governo federal voltada para pessoas de baixa renda e estudantes. Mais oportunidade – O professor Marcelo Araújo Freitas, de 40 anos, foi contemplado com a CNH da Gente, como o programa foi batizado na Bahia. Já fez exames médicos e amanhã começa as aulas na autoescola Aliança, no Politeama. “Estou desempregado, então este programa veio em ótima hora”, diz Marcelo, que não pagará nada pela formação. Ele considera o valor cobrado no mercado alto e impossível para pessoas que ganham um salário mínimo. “Eu já indiquei a vários outros amigos”, conta.Marcelo ficou com uma das 12 mil vagas dos primeiros editais do projeto na Bahia, a cargo do Detran e de outras secretarias estaduais. Nesta primeira edição, além do CNH da Gente, para pessoas cadastradas no CadÚnico e outros programas sociais, as oportunidades contemplaram estudantes do Ensino Médio, através do CNH nas Escolas.Para o tenente-coronel Luide Souza, que é especialista em trânsito e professor da Escola Pública de Trânsito do Detran- BA, essas iniciativas podem ajudar a resolver uma grave questão no país: o número de pessoas que dirigem sem carteira de motorista. De acordo com o Ministério dos Transportes, 45% dos proprietários de motocicletas e outros veículos de duas rodas pilotam sem CNH. Já na categoria B, 39% dos condutores de veículos de passeio dirigem sem habilitação. E o custo alto é apontado como principal motivo da irregularidade. “Tirar carteira hoje em dia não é mais um status, como no passado. Hoje ela é um instrumento importante de inserção no mercado de trabalho. Então, acho que estas políticas devem ser mantidas e criadas outras, como uma bolsa autoescola, para pessoas que precisam e não podem pagar”, afirma o tenente Luide. Ele explica que essa preocupação com o valor já era uma realidade dentro das autoescolas, mas que no governo passado não houve nenhuma providência oficial.“A lei muda frequentemente, mas acho que essa proposta vai na contramão da segurança no trânsito, e a segurança não tem preço”, pontua. Seu temor é que, se a desobrigação das aulas for adiante, a maioria das pessoas não vai procurar as autoescolas, podendo cair nas mãos de “instrutores não qualificados e de veículos não apropriados”.Responsável pelos cursos de formação no Detran, o coronel faz questão de destacar que não está ligado a nenhuma empresa do setor. Mas avalia que elas poderiam, por exemplo, ter isenção fiscal do governo para comprar veículos, o que já impactaria nos custos. Quanto à segurança, ele lembra que, quando o Código Nacional de Trânsito instituiu, em 1997, normas mais rígidas para o setor, cerca de 50 mil pessoas morriam por ano. E atualmente, mesmo com a expansão da frota, estima-se algo em torno de 30 mil mortes, número que, apesar de menor, ainda assusta muito.Principais pontos da propostaComo obter a CNH? – O processo deve ser aberto diretamente no site da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) ou por meio da Carteira Digital de Trânsito (CDT).Aulas teóricas – O conteúdo teórico pode ser estudado de forma presencial nos CFCs, por formato a distância, EAD, em empresas credenciadas, ou por meio digital, oferecido pela própria Setran.Aulas práticas – O novo modelo vai retirar a carga horária mínima de 20 horas-aula práticas. O candidato que vai escolher como fará sua preparação, contratando um centro de formação de condutores, um instrutor autônomo credenciado pelos Detrans. Vale ressaltar que o candidato ainda é obrigado a ser aprovado nos exames teóricos e práticos para obter a CNH.CNH mais barata – Os custos devem cair em 80% por conta do aumento da oferta de formas para as aulas teóricas, somando com aulas remotas e a dispensa da carga horária mínima das aulas práticas.Instrutores autônomos – Vão ser credenciados pelos Detrans. A Senatran permitirá a formação desses profissionais por cursos digitais. O instrutor será identificado pela Carteira Digital de Trânsito e constará no sistema como profissional habilitado.
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