Festa do Peão de Barretos: como reunião de amigos em bar deu origem ao maior rodeio da América Latina


Como começou a história da Festa do Peão de Barretos
Aos 97 anos, José Brandão Tupynambá, o seu Tupy, se emociona ao ver a foto dos amigos da juventude pendurada em um quadro na sala da casa dele em Barretos (SP). Nela, estão alguns membros do clube que ele ajudou a fundar há 70 anos: Os Independentes.
Sete décadas depois, o único remanescente não esconde o orgulho de ter ajudado a construir o maior rodeio da América Latina, a Festa do Peão de Barretos. De três mil pessoas na segunda metade dos anos 1950, o Barretão recebe hoje um milhão de visitantes, virou palco cobiçado entre sertanejos, terra sagrada de peões e inspira rodeios em todo canto do Brasil.
“E ficou aquela, desculpe a falsa modéstia, ficou aquela loucura que está lá hoje”, diz seu Tupy.
Este conteúdo integra a série especial do g1 ‘Barretão na Raiz’, sobre os 70 anos da Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, considerada o primeiro evento do gênero no Brasil e o maior da América Latina. As reportagens voltam no tempo para contar fatos curiosos da primeiras edições.
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José Brandão Tupynambá, fundador da Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos
Érico Andrade/g1
Uma reunião na mesa do bar
A história começa em 1955, durante um encontro em um bar bem frequentando na época, em Barretos. À mesa, um grupo formado por 20 jovens de famílias tradicionais e que já não dependiam mais financeiramente dos pais — daí o nome Os Independentes — decidiu que poderia manter os laços de amizade trabalhando pela cidade.
A intenção era organizar festas, preservar a cultura local e ainda conseguir dinheiro para melhorar a vida da população mais carente e auxiliar entidades assistenciais. O primeiro beneficiado foi a Vila dos Pobres, uma casa para idosos.
“A primeira foi uma gincana [1955] no Recinto Paulo de Lima Correa e foi um sucesso. Os Independentes já tinham um nomezinho, porque a gente fazia muita doação. Gincana é um lugar que você vai com os amigos, com a turma, e tem uma prova [automobilística] que tem vários obstáculos”, explica seu Tupy.

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A cultura do peão como inspiração
Barretos já havia se consolidado como um importante polo pecuário por causa do frigorífico Anglo. Boiadas de estados como Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás eram conduzidas centenas de quilômetros por estradas de chão batido pelos peões de boiadeiro nas chamadas comitivas.
“O frigorífico Anglo tinha uma exportação que era uma das maiores do Brasil. Foi por isso, porque o ambiente que cria as coisas, é o ambiente”, afirma seu Tupy.
Com o trabalho concluído no interior de SP e o salário pago, os peões podiam ter o momento de diversão merecido após a longa jornada. Os cavalos considerados indomáveis e que faziam parte da comitiva acabavam sendo desafiados pelos boiadeiros que os montavam e tentavam parar em cima deles.
De olho naquela movimentação, o prefeito Mário Vieira Marcondes chegou a organizar as primeiras disputas amadoras em 1947.
Arena da Festa do Peão de Barretos montada no Recinto Paulo de Lima Correa
Acervo Museu Municipal Ruy Menezes
Nasce o Barretão
A atmosfera envolvendo a vida do peão acabou incorporada ao ambiente da cidade e chamou a atenção do grupo do seu Tupy. Em agosto de 1956, o clube Os Independentes realizou a primeira edição da Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos no Recinto Paulo de Lima Correa.
A estrutura com arquibancadas montadas para acomodar o público foi alugada de um circo. O barretense Aníbal de Araújo se tornou o primeiro campeão da montaria em cavalos, batizada de cutiano.
As ruas do centro ficavam tomadas da praça da matriz até o recinto. Mussa Calil Neto começou a frequentar a festa com o tio Nenê Daher, fundador junto com o seu Tupy, e se apaixonou pela montaria em cavalos.
“O recinto foi a mãe da nossa festa. Aqui começou o rodeio do cutiano. O cutiano é um arreio que o peão usava na fazenda e ele foi transferido para fazer o rodeio aqui. Então o rodeio de cutiano me marca muito, porque é um rodeio que é nosso, brasileiro, nasceu com Os Independentes.”

A moda de viola, que já tocava nas rádios desde os anos 1930, animava a peonada e os visitantes. Grupos folclóricos viajavam de diferentes partes do Brasil para se apresentar na praça central, enquanto o rodeio acontecia no recinto.
“Torres e Florêncio era mais famoso. Tinha várias duplas. Agora o show mesmo era, você conhece catira? Nós tínhamos um concurso de catira, então vinha de Uberaba, Frutal, Campina Verde, todo lugar vinha com o conjunto de catira”, lembra seu Tupy.
🔎 A catira é uma dança folclórica. Ela se caracteriza pelas palmas coordenadas e batidas das botas com espora ao som da moda de viola. Geralmente, as apresentações dos grupos são feitas em um tablado.
Mussa Calil Neto foi o responsável pela mudança da Festa do Peão de Barretos do Centro para o Parque do Peão, em 1985
Érico Andrade/g1
A chegada de novos tempos
A festa ganhou fama. Em 1984, o recinto a abrigou pela última vez, chegando a receber 30 mil pessoas. Já não cabia mais tanta gente, as arquibancadas cresciam para o alto, e era preciso expandir.
Foi aí que o entusiasta Mussa Calil Neto, que àquela altura já havia se tornado membro do clube e virou presidente, foi dado como louco ao levar adiante a mudança da festa para uma área comprada às margens da Rodovia Brigadeiro Faria Lima onde só havia mato.
Em 1985, o Parque do Peão, ainda diferente daquele conhecido hoje, foi inaugurado.
Mussa havia entendido como missão de vida preservar a memória do peão de boiadeiro. Para isso, precisava que mais pessoas a conhecessem.
“A festa do peão mexe com o coração de quem é apaixonado pelo rodeio e também pela vida do peão de boiadeiro. Então eu acho que a memória do peão de boiadeiro é isso que nós temos que preservar, porque a pessoa principal da festa é o peão.”
A Festa do Peão de Barretos em 1985, na inauguração do Parque do Peão, e nos dias de hoje
Acervo Os Independentes e Rafael Smaira
Da arena de rodeios montada em estrutura tubular até a conclusão do estádio de rodeios com projeto do arquiteto Oscar Niemeyer, se passaram mais quatro anos. A arena para 35 mil pessoas nas arquibancadas foi inaugurada em 1989.
Peões de outros países passaram a vir competir em Barretos em busca de bons prêmios pagos por patrocinadores de prestígio. A montaria em touros entrou oficialmente para o calendário da festa nos anos 1990, com o estilo da prova americana.
Já a música sertaneja que ganhou o coração e os ouvidos de fãs em todo Brasil encontrou seu reduto em Barretos ainda nos anos 1980. E na década de 1990 explodiu, ajudando a consolidar o Barretão como uma das maiores festas populares do país.
“A festa do peão é um marco nacional, então já passou fronteiras. Os Independentes e a Festa do Peão de Barretos se misturam numa trajetória de uma riqueza cultural”, diz Mussa.
As raízes deram à cidade o título de capital nacional do rodeio no início dos anos 2010 por meio de lei federal. Neste ano, são esperados visitantes de 2,7 mil cidades brasileiras de todos os estados e do Distrito Federal, praticamente metade dos municípios do país.
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