Perícia no recinto do elefante Sandro aponta presença de cerca elétrica e falta de exames atualizados


Na época da vistoria, uma parte do recinto estava interditada para a construção de um brete de contenção, instalação usada para conter animais de grande porte, facilitando procedimentos como vacinação, aplicação de medicamentos e realização de exames
Alex Fonseca/Arquivo Pessoal
Há mais de três anos, o futuro do elefante Sandro, morador mais antigo do Parque Zoológico Municipal “Quinzinho de Barros”, em Sorocaba (SP), é discutido na Justiça. Entre decisões e recursos, ainda não há definição sobre o destino do animal, que tem 53 anos e vive no zoológico há 43.
A transferência de Sandro, do Zoológico de Sorocaba para o Santuário de Elefantes do Brasil (SEB), na Chapada dos Guimarães (MT), divide opiniões de especialistas, biólogos, veterinários, ativistas e moradores da cidade. Em 2022, a Justiça negou um pedido de liminar para a mudança. Na ocasião, o Ministério Público entendeu que, embora idoso, o animal vivia em condições consideradas adequadas no zoológico municipal.
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A pedido da Justiça, o médico-veterinário Alex Fonseca elaborou um laudo pericial após visitar o recinto do elefante e apontou a necessidade urgente de melhorias estruturais e aprimoramento das práticas de manejo do animal.
No documento, a qual o g1 teve acesso em março deste ano e que consta no processo judicial, o perito cita que recinto é integralmente cercado por barreira elétrica, incluindo o interior do segundo galpão, onde o animal se encontrava no momento da vistoria.
“A utilização de cercas elétricas como método de contenção de elefantes tem sido amplamente debatida na comunidade científica e conservacionista. Embora ainda sejam adotadas em zoológicos e reservas, há consenso entre especialistas de que esse tipo de barreira pode gerar estresse e comprometer o comportamento natural do animal”, aponta o perito no laudo.
No laudo, o veterinário também cita problemas estruturais em áreas do recinto, como rachaduras, infiltrações, vidros quebrados e desorganização na sala de trituração de alimentos.
“Este último ponto é particularmente preocupante, pois se trata de um ambiente destinado à manipulação da alimentação do animal, que deve seguir rigorosos padrões sanitários, conforme preceitos normativos de biossegurança”, observa no documento.
Ao g1, o médico-veterinário citou ausência de exames laboratoriais recentes e o tamanho do recinto como aspectos considerados críticos para manter o animal no zoológico de Sorocaba. O último exame realizado em Sandro, um antibiograma, foi feito em 2013. O veterinário também não teve acesso a exames de sangue
“Ou seja, o Sandro nunca realizou um hemograma ou outros exames de sangue básicos. Caso tenha feito, não há qualquer registro ou informação disponível a esse respeito. É um ponto negativo, pois impede a detecção precoce de doenças crônicas ou infecciosas. A literatura científica e os guias de bem-estar indicam avaliação clínica anual. Em animais idosos ou com histórico clínico relevante, a frequência deve ser aumentada”, explica.
Sobre o tamanho do recinto, o perito pontua no laudo que a restrição de espaço é considerado um fator crítico.
“Há evidências de que o animal encosta o dorso no teto da estrutura e, possivelmente, na parte superior da passagem de acesso à área externa do recinto. Embora o tratador realize caminhadas diárias, Sandro permanece confinado por aproximadamente 14 horas em um espaço incompatível com seu porte, o que pode resultar em consequências adversas”, cita no documento.
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O perito destacou que o tamanho do recinto atende ao que prevê a Instrução Normativa Ibama nº 07. Apesar disso, ele aponta que o espaço poderia passar por melhorias para oferecer mais bem-estar ao animal.
“O recinto do Sandro aparenta não ter passado por reformas ou ampliações significativas. Há condições estruturais precárias do recinto, como rachaduras, infiltrações, rede elétrica exposta, ausência de iluminação em alguns pontos, entre outros problemas. O ideal seria expandir o espaço, incluir substratos variados, como lama, areia, gramados, ampliar áreas de sombra, adicionar pontos de água e criar barreiras naturais que estimulem comportamentos exploratórios”, disse em entrevista ao g1.
O animal quase encosta o dorso no teto do recinto interno. Fios que aparecem na imagem são de cerca elétrica, segundo perito.
Alex Fonseca/Arquivo Pessoal
Durante a vistoria, o especialista também avaliou a rotina de Sandro. Na parte alimentar, ele afirma que a dieta é adequada à condição clínica do elefante, pois traz os nutrientes necessários e ajuda a prevenir complicações já existentes.
“No entanto, poderia ser aprimorada com acompanhamento nutricional mais detalhado. O Santuário também pontuou, de forma técnica e científica, que a composição alimentar poderia ser ajustada para oferecer maior variedade e estímulo ao comportamento natural de forrageio”, observa.
Rotina de exercícios
Sandro faz caminhadas diárias pelo recinto, acompanhado do tratador. Segundo a equipe do zoológico, são dez voltas por dia. No laudo, o veterinário aponta a importância de oferecer um espaço maior para exercícios ou ampliar a rotina de caminhadas no recinto atual.
“Pelo relatório de acompanhamento diário, a média registrada foi de apenas seis voltas por dia, e em alguns dias não houve caminhada. Elefantes-asiáticos percorrem, em vida livre, de 10 a 20 km por dia. Em cativeiro, recomenda-se oferecer o máximo possível de espaço ou exercícios para se aproximar dessa necessidade, seja por meio de caminhadas conduzidas ou recintos amplos. Para um macho adulto, o ideal é permitir deslocamentos de pelo menos 1 a 3 km diários, com rotas variadas e estímulos diversificados”.
Sobre a presença de cerca elétrica, instalada tanto na parte externa quanto na interna do recinto, segundo o perito, Alex reforça que o equipamento pode causar estresse e lesões nos animais e que o método de contenção poderia ser substituído por outro.
“Normas mais modernas recomendam a substituição por barreiras naturais ou o uso de condicionamento cooperativo. Não há registro, nos documentos analisados, de justificativa técnica detalhada para a instalação da cerca interna”, acrescenta.
O g1 questionou a prefeitura sobre as observações do veterinário, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Riscos do transporte
A distância entre Sorocaba e a Chapada dos Guimarães é de é de mais de 1,4 mil quilômetros. O processo discute os riscos que o transporte poderia trazer ao elefante. O perito responsável aponta, porém, que há técnicas capazes de reduzir esses riscos, como o condicionamento prévio de Sandro ao contêiner, o acompanhamento veterinário durante todo o trajeto, paradas estratégicas, controle rigoroso da temperatura e a manutenção da dieta alimentar habitual.
Segundo o veterinário, a equipe de manejo poderia já estar se antecipando a uma eventual decisão judicial favorável à transferência, iniciando treinamentos com o animal e com os profissionais envolvidos: “Esse tempo poderia ser aproveitado para a adaptação gradual ao contêiner, estímulos sensoriais, enriquecimento ambiental e a realização de exames complementares — agora viáveis com a construção recente de um brete no recinto. Prolongar a permanência em condições inadequadas aumenta o risco de agravamento das alterações já identificadas”.
Elefante Sandro mora no Zoológico de Sorocaba (SP) desde 1982
Thiago Ariosi/TVTEM
Embora avalie que Sandro teria mais qualidade de vida no SEB, o médico-veterinário reconhece a dedicação e a capacitação dos profissionais do zoológico de Sorocaba.
“Como profissionais da área, sabemos que, por vezes, enfrentamos limitações de recursos, o que pode comprometer diretamente nosso trabalho em prol do bem-estar animal. O Sandro sempre recebeu cuidados de qualidade, mas agora existe um local mais adequado, e todos precisam reconhecer isso e unir esforços para que a transição ocorra da melhor forma possível. Assim, ele poderá aproveitar seus últimos anos com bem-estar, alegria, em um ambiente amplo, repleto de estímulos sensoriais e na companhia de outros elefantes”, opina.
Alex Fonseca é formado pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), com complementação acadêmica na Universidade Federal Rural de Pernambuco. Ele atua nas áreas de clínica e cirurgia de animais domésticos, exóticos e silvestres. Realiza resgate e atendimento de fauna silvestre também faz parte da equipe técnica do Centro de Triagem e Recuperação de Animais Silvestres (Cetras).
Médico-veterinário, Alex Fonseca elaborou laudo que aponta condições de saúde e do recinto onde vive o elefante Sandro, no zoológico de Sorocaba (SP)
Arquivo Pessoal
Justiça analisa recurso
Em abril deste ano, a Justiça determinou que o elefante fosse transferido para o Santuário de Elefantes do Brasil em até 45 dias. A prefeitura apresentou recurso contra a decisão, alegando que trabalha em adequações no recinto que visam promover mais bem-estar ao animal.
“Além disso, a transferência apresenta elevado risco para o animal, já que a distância entre Sorocaba e o santuário no MT é de mais de 1.400 km, sendo necessários, pelo menos, dois dias de viagem”, argumenta a prefeitura.
Conforme a decisão da Justiça, a qual a prefeitura decidiu recorrer, Sandro deverá ser levado ao santuário com um planejamento técnico detalhado, com base em diretrizes de um plano logístico entre outras providências de ordem veterinária.
Após a apresentação do recurso, o desembargador Paulo Ayrosa suspendeu a determinação que exigia a transferência do elefante Sandro enquanto o processo seguisse na Justiça. Com isso, o animal pode permanecer no zoológico enquanto o recurso é analisado.
O desembargador considerou curto o prazo de 45 dias estabelecido para o cumprimento da ordem judicial que determinava a transferência, além do elevado custo da operação de transporte, analisando que isso poderia comprometer as finanças do município.
Atualmente, o caso é analisado na 2ª instância.
Justiça suspende prazo de 45 dias para transferência de elefante Sandro
Carinhoso, comilão e brincalhão
O elefante Sandro chegou em Sorocaba em 1982. Se tornou símbolo do zoológico municipal, atraindo visitantes que vão até o espaço para admirar seu tamanho.
Descrito pelos tratadores como carinhoso, comilão e brincalhão, o elefante-asiático tem vários apelidos. O primeiro deles foi Trombadinha, logo que chegou no zoo. Atualmente, é carinhosamente chamado de “Gordão”, “Amigão” e “Sandrão”.
Um dos pontos analisados no processo judicial é a ausência de companhia para Sandro. Há cinco anos, o elefante vive sozinho no recinto. Antes disso, passou 25 anos na companhia da elefanta Haisa, que nasceu na Ásia e foi trazida para Sorocaba com o objetivo de gerar filhotes com Sandro, o que nunca ocorreu. Haisa morreu em novembro de 2020.
De acordo com Jorge Marum, Promotor de Justiça do Meio Ambiente, a idoneidade do zoológico de Sorocaba nunca foi questionada, no entanto, um elefante precisaria de um espaço maior para ter mais qualidade de vida.
“É uma instituição idônea [Zoológico de Sorocaba], que cuida muito bem do animal. O problema é o espaço que, para um animal daquele porte, é pequeno. O estilo de vida do animal precisa de um espaço grande para caminhar e formar grupos, e não viver solitário como está hoje”, destaca o promotor.
Elefante Sandro, no Parque Zoológico Municipal Quinzinho de Barros, em Sorocaba, em setembro de 2021
Eduardo Ribeiro Jr./g1
Haisa e Sandro viveram 25 anos juntos no zoo de Sorocaba (SP), antes da elefanta morrer em 2020
Reprodução/TV TEM
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