Walter Viterbo: “Dor deve ser tratada por todas as especialidades médicas”

Para o médico Walter Viterbo, é essencial que todos os profissionais de saúde dominem os fundamentos do tratamento da dor. Especialista em acupuntura, anestesiologia e medicina da dor, o baiano presidiu a 7ª Jornada Norte-Nordeste de Acupuntura e Dor, realizada na semana passada em Salvador e reuniu especialistas de áreas como ortopedia, reumatologia e cuidados paliativos para debater avanços e a importância da abordagem multidisciplinar. “É preciso ampliar a divulgação da especialidade, tanto dentro da classe médica quanto entre os pacientes”, afirma Walter. Além de tratar das dores físicas, a programação do evento também enfatizou a influência do estresse, da ansiedade, da depressão e o papel da acupuntura como recurso complementar. Para o especialista, fomentar práticas integradas é fundamental para garantir tratamentos mais eficazes e seguros. Nesta entrevista, ele ainda destaca o perigo da automedicação e os caminhos mais indicados para se chegar a um diagnóstico adequado. “O paciente não pode sair de uma consulta pior do que entrou”.Como surgiu a ideia da jornada?Essa jornada acontece há sete anos e tem o objetivo de reunir os principais profissionais na área de acupuntura e dor. Participam reumatologistas, ortopedistas, fisiatras e também profissionais de áreas como ginecologia e urologia. Antigamente, ginecologistas e oncologistas, por exemplo, não tinham tanta atuação nesse campo. Hoje já se reconhece a necessidade e a importância de todas as especialidades saberem tratar a dor. O grande avanço nesse período foi compreender que a dor não é apenas da ortopedia, mas de quase todas as áreas da medicina. Nesta edição, tivemos 23 especialistas de diferentes frentes, como oncologia e cuidados paliativos, que são médicos que dão suporte a pacientes em fase final de vida. Foi um evento muito enriquecedor, com profissionais qualificados e médicos satisfeitos com os resultados. Sem dúvida, a melhor e mais madura edição. Participaram quase 300 profissionais, entre presencial e online. Um dos destaques do evento foi a discussão sobre o uso do canabidiol no tratamento da fibromialgia. Também foram apresentados novos medicamentos em desenvolvimento para essa condição. Ainda em relação à fibromialgia, foi abordada uma mudança na lei que deve trazer benefícios aos pacientes, garantindo direitos semelhantes aos de pessoas com outras patologias. Na área tecnológica, surgiram inovações com os ortobiológicos, procedimentos que substituem medicamentos ao utilizar o próprio sangue do paciente na articulação para tratar a artrose. Além disso, tivemos avanços nas técnicas cirúrgicas: hoje, já não é necessário abrir a coluna em determinados casos, sendo possível realizar procedimentos por endoscopia. Foram muitos avanços, e o compartilhamento de conhecimento foi bastante amplo.Você costuma falar que a dor é multidisciplinar. Como isso se dá na prática?A dor pertence a todas as especialidades médicas. Antigamente, por exemplo, o urologista não entendia que também deve tratar o paciente como o médico da dor trata. Antes, esses casos eram apenas encaminhados com receitas e medicações. Hoje, percebe-se que o próprio especialista pode intervir, porque dor não significa apenas cirurgia. O grande avanço é destacar o controle da dor dentro de cada especialidade. Exemplos incluem ortopedia, urologia e ginecologia pélvica, mostrando a interação entre áreas. O mais importante é que o próprio especialista ganhe conhecimento para iniciar o tratamento, sem esperar que a situação se agrave. O médico da dor não pode funcionar como uma “UTI da dor”, para onde só vão os casos extremos. Muitas situações já poderiam ser tratadas na origem, pelo próprio especialista.

Acumputurista Walter Viterbo em entrevista para o Abre-Aspas

|  Foto: José Simões/Ag A TARDE.

Este é um dos grandes desafios da medicina da dor hoje no Brasil?Sim. Acredito, também, que o primeiro ponto de tudo é a qualificação. Ainda há muito espaço para capacitação nessa área. Atualmente, o número de médicos especialistas em dor é pequeno quando comparado a outras especialidades, como ortopedia, cardiologia ou ginecologia. Mesmo sendo uma condição tão relevante quanto as demais, a proporção de especialistas ainda é baixa. O caminho é aumentar o número de profissionais qualificados por meio das provas de título de especialista, formando médicos preparados para atender uma população maior. Além disso, é preciso ampliar a divulgação da especialidade, tanto dentro da classe médica quanto entre os pacientes, que podem compartilhar seus resultados positivos com a terapia da dor.Como fatores como estresse ou ansiedade podem influenciar o surgimento ou a intensificação do quadro doloroso?Hoje percebemos que a emoção está muito ligada à dor. Há uma relação próxima entre causa e efeito: a dor pode gerar depressão, estresse e ansiedade, e, ao mesmo tempo, problemas psicológicos podem intensificar o quadro doloroso. Quem já sofre com dor tende a ampliá-la quando está sob estresse ou ansiedade. Essas condições não criam um novo problema, mas agravam o existente. Por outro lado, um paciente sem dor prévia que passa por estresse prolongado, raiva ou mágoa pode começar a contrair a musculatura. Esse processo pode provocar o chamado ponto gatilho, que são nódulos dolorosos na coluna ou no pescoço que não têm uma causa física direta, mas surgem porque a tensão emocional levou à dor muscular. A gente percebe isso em consultório.A vida moderna contribui para o surgimento das dores?As três dores mais comuns que levam pacientes a procurar um médico da dor são: lombalgia e enxaqueca, que disputam a primeira posição na literatura, além da dor reumatológica, relacionada a doenças como reumatismo, problemas no joelho e fibromialgia. Com o tempo, houve também um acréscimo ligado às questões emocionais, algo que ficou muito evidente após a pandemia de Covid. O home office, por exemplo, levou muitas pessoas a trabalharem em casa sem as mesmas condições ergonômicas do ambiente corporativo. Além disso, fatores como obesidade, tabagismo e falta de atividade física contribuem para o aumento do peso e, consequentemente, das dores.Como a acupuntura tem evoluído ao longo do tempo e quais condições, tanto físicas quanto emocionais, podem se beneficiar desse tratamento?A acupuntura segue o caminho oposto da tecnologia: quanto mais o tempo passa, mais antiga ela se mostra. Baseia-se na medicina tradicional chinesa, cujos preceitos filosóficos permanecem praticamente inalterados. O que há de mais moderno são os acréscimos de equipamentos, como a eletroestimulação e o laser, que são os dois avanços mais comuns. Mas o essencial é a preservação da tradição. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 30 doenças são reconhecidas como tratáveis pela acupuntura. Na China, esse número passa de 200. Na prática clínica, os resultados se assemelham ao que aponta a literatura: dores de coluna, dores de cabeça e dores reumatológicas apresentam grande melhora. Nos últimos anos, passou-se a incluir também a dimensão emocional. Ansiedade, estresse, insônia e depressão se beneficiam muito da acupuntura, seja de forma isolada ou associada a outros tratamentos. Um paciente pode, por exemplo, fazer psicoterapia, tomar antidepressivos e associar a acupuntura, alcançando um efeito mais amplo.Quais são os riscos da automedicação e como um diagnóstico adequado pode garantir que o tratamento da dor seja seguro e eficaz?Desde sempre, as pessoas acreditam estar tomando a atitude correta ao se medicar por conta própria. No entanto, historicamente, as estatísticas mostram que os erros superam os acertos. Não é porque um remédio funcionou para minha avó que funcionará para minha mãe. Não é porque uma técnica deu certo em um joelho que dará certo no outro, até do mesmo paciente. Às vezes, até dentro da mesma pessoa, as condições são diferentes. Por isso, é indispensável uma boa história clínica, a anamnese, acompanhada de exame físico detalhado, exames complementares e, a partir disso, a elaboração de um diagnóstico. Só então podem ser traçadas estratégias terapêuticas. Sem uma história bem feita, sem exames de qualidade, não há como chegar a um bom diagnóstico. E sem diagnóstico adequado, a escolha terapêutica pode ser ineficaz ou, pior, prejudicial. Há um princípio na medicina chamado “Primum non nocere”, que é uma frase em latim que significa “primeiro, não prejudicar”. O paciente não pode sair de uma consulta pior do que entrou. Seguir esses passos reduz riscos e aumenta muito a chance de acerto no tratamento.

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