
“Eu não tenho medo”: croqui do painel criado por Alice Hermosa que celebra o legado de Tuíre Kayapó
Casa Ikeuara
A primeira sala de memória indígena do Pará abre as portas com uma mostra permanente dedicada à Tuíre Kayapó, liderança da região do Xingu, no Pará, que se tornou símbolo global da luta dos povos originários em defesa da floresta. A exposição permanente abre no domingo (20), em Belém, na Casa Ikeuara da Amazônia — espaço idealizado e gerido por indígenas.
Tuíre morreu ano passado, aos 57 anos, vítima de câncer, mas deixou um legado indelével fruto de sua coragem. No final da década de 1980, aos 19 anos, Tuíre tocou a lâmina do facão no rosto de um engenheiro da Eletronorte, em uma audiência realizada em Altamira, no sul do Pará, para discutir a construção de um complexo de hidrelétricas no rio Xingu, então batizado de Kararaô. A imagem correu o planeta, mostrando que os indígenas não aceitariam a destruição da floresta. Também foi decisiva para paralisar as obras por 20 anos. O projeto inicial acabou remodelado e seu nome, Kararaô, um grito de guerra Kayapó, substituído por Belo Monte.
Imagem de Tuíre com seu facão percorreu o mundo e se tornou símbolo da luta indígena na Amazônia
Protássio Nêne/Estadão Conteúdo
Agora, às vésperas da COP30 no Pará, sua memória ressurge como urgência e farol. A exposição reúne registros históricos, vídeos, fotografias e artefatos pessoais, incluindo o cocar e o último facão usado por Tuíre — que ficarão sob a guarda da Casa Ikeuara até os 18 anos de sua neta e sucessora, também chamada Tuíre, quando estará pronta para assumir o legado.
Um dos grandes destaques da mostra é o painel central com mais de cinco metros de extensão, criado pela artista afro-indígena Alice Hermosa. A obra ocupa o coração da sala e retrata Tuíre em três tempos de sua trajetória: ao centro, com um sorriso sereno e pinturas tradicionais Kayapó; à esquerda, o gesto histórico em que ergue o facão; à direita, a mão levantada, símbolo de sua liderança firme e afetiva.
“Essa sala não é apenas um espaço de arte, mas um território político, espiritual e ancestral. Receber os objetos de Tuíre é assumir o compromisso com a continuidade da luta das mulheres indígenas pela vida, pela floresta e pelo futuro”, afirma Nice Tupinambá, curadora da exposição, ativista indígena e fundadora da Casa Ikeuara.
Nice Tupinambá e Aline Hermosa seguram o facão de Tuíre Kayapó: artefato é símbolo da força indígena
Casa Ikeuara
Ritual com parentes e força ancestral
A inauguração será marcada por um ritual de abertura com a presença de parentes da líder Tuíre, incluindo sua neta-sucessora hoje com seis anos, que carrega o mesmo nome da avó e já compreende sua missão como guardiã do futuro.
O ritual será um momento sagrado de conexão entre gerações, de fortalecimento da continuidade da luta e de reafirmação do lugar das mulheres indígenas como memória viva e força transformadora do presente.
Para Nice Tupínambá, mais do que um evento cultural, “Tuíre Kayapó” é uma convocação à memória, à ação e ao reconhecimento.
“Num momento em que o mundo volta os olhos para a Amazônia, preservar a memória de Tuíre é manter viva uma filosofia de vida que, como ela própria dizia, adiou o fim do mundo”, destaca.
A visitação será gratuita no dia da inauguração. Após essa data, o acesso terá contribuição simbólica, revertida à família de Tuíre e às iniciativas que ela deixou como legado, como a Casa da Costura, espaço de autonomia para mulheres Kayapó.
Serviço:
Exposição Tuíre Kaiapó
Inauguração: 20 de julho (domingo), de 12h às 19h, com entrada gratuita
Local: Casa Ikeuara da Amazônia, na Tv. Piedade, 638 – Bairro do Reduto, Belém
Visitação após a inauguração: contribuição simbólica revertida à família de Tuíre
VÍDEOS: veja todas as notícias do Pará