
Governo Trump acelerou entrada de 59 sul-africanos brancos nos EUA sob justificativa de perseguição racial — alegação contestada pelo governo da África do Sul e por especialistas Welber Barral: ‘Houve muita pressão interna’ para Trump recuar na política tarifária
Um grupo de 59 sul-africanos brancos chegou aos Estados Unidos nesta segunda-feira (12), onde deve receber status de refugiado.
O presidente Donald Trump afirmou que os pedidos de refúgio feitos por integrantes da minoria africâner (descendente de colonos holandeses e outros europeus na África do Sul) haviam sido acelerados por se tratarem de vítimas de “discriminação racial”.
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O governo sul-africano, por sua vez, declarou que o grupo não sofre nenhum tipo de perseguição que justifique a concessão da condição de refugiado.
A administração Trump suspendeu todas as outras admissões de refugiados, inclusive de pessoas vindas de zonas de guerra.
A ONG Human Rights Watch classificou a medida como uma distorção racial cruel, afirmando que milhares de pessoas — entre elas, muitos refugiados negros e afegãos — tiveram o pedido de asilo negado pelos EUA.
O grupo de sul-africanos brancos desembarcou no Aeroporto Dulles, próximo a Washington DC, e foi calorosamente recebido pelas autoridades americanas.
Alguns seguravam crianças pequenas e agitavam bandeirinhas dos EUA na área de desembarque, decorada com balões nas cores vermelha, branca e azul.
O grupo de sul-africanos brancos desembarcou no Aeroporto Dulles, próximo a Washington DC
AFP
O processamento de pedidos de refúgio nos EUA costuma levar meses — em alguns casos, anos —, mas esse grupo teve o processo acelerado. A ACNUR, a agência de refugiados da ONU, confirmou à BBC que não participou da triagem, como geralmente ocorre.
Questionado na segunda-feira sobre por que os pedidos de refúgio dos africâneres foram processados mais rapidamente do que os de outros grupos, Trump respondeu que estaria ocorrendo um “genocídio” e que os “agricultores brancos” estariam sendo especificamente visados.
“Estão matando agricultores. Eles são brancos, mas, para mim, não faz diferença se são brancos ou negros”, declarou.
O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, disse ter afirmado a Trump, por telefone, que essa avaliação dos EUA “não era verdadeira”.
“Um refugiado é alguém que precisa deixar seu país por medo de perseguição política, religiosa ou econômica”, afirmou Ramaphosa. “E esse grupo não se enquadra nesses critérios.”
Ao ser questionado pela BBC no aeroporto de Dulles, o subsecretário de Estado Christopher Landau comentou: “Não é surpreendente, infelizmente, que um país de onde saem refugiados não reconheça que eles são, de fato, refugiados.”
Os EUA também vêm criticando políticas internas da África do Sul, acusando o governo de confiscar terras de agricultores brancos sem qualquer compensação.
Em janeiro, o presidente Ramaphosa sancionou uma polêmica lei que permite ao governo confiscar propriedades privadas sem indenização, em determinadas circunstâncias, quando isso for considerado “justo e de interesse público”.
No entanto, o governo afirma que nenhuma terra foi confiscada até agora com base nessa legislação.
Grupo segurava crianças pequenas e agitava bandeirinhas dos EUA na área de desembarque
REUTERS/Kevin Lamarque
Há frustração na África do Sul quanto ao ritmo lento da reforma agrária desde o fim do sistema racista do apartheid, há três décadas.
Embora mais de 90% da população do país seja negra, apenas 4% das terras privadas estavam nas mãos de negros, segundo um relatório de 2017.
Um dos conselheiros mais próximos de Trump, o sul-africano Elon Musk, já declarou que havia um “genocídio de brancos” na África do Sul e acusou o governo de aprovar “leis racistas de propriedade”.
As alegações de genocídio contra brancos no país já foram amplamente desacreditadas.
Em nota enviada à BBC, Gregory Meeks, democrata de destaque na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, afirmou que a política de reassentamento de refugiados da gestão Trump “não é apenas um apelo racista velado, mas uma reescrita politicamente motivada da história”.
A Igreja Episcopal declarou que deixaria de colaborar com o governo federal no reassentamento de refugiados, em protesto contra o “tratamento preferencial” concedido aos africâneres.
Melissa Keaney, advogada do Projeto Internacional de Assistência a Refugiados, disse à BBC que a decisão da Casa Branca de acelerar a chegada dos africâneres representa “muita hipocrisia e tratamento desigual”.
Sua organização está processando a administração Trump após a suspensão indefinida do Programa de Admissão de Refugiados dos EUA (USRAP) em janeiro. Segundo Keaney, a medida deixou mais de 120 mil refugiados com aprovação condicional em situação indefinida.
O autor africâner Max du Preez afirmou ao programa Newsday, da rádio BBC, que as alegações de perseguição contra sul-africanos brancos são “um absurdo completo” e “sem qualquer fundamento”.
Dados da polícia sul-africana mostram que, em 2024, foram registrados 44 assassinatos em fazendas e pequenas propriedades agrícolas, sendo que oito das vítimas eram fazendeiros.
A África do Sul não divulga estatísticas criminais com recorte racial, mas a maioria dos proprietários de fazendas no país é branca, enquanto a maioria dos trabalhadores rurais e outros moradores dessas áreas é negra.
As relações bilaterais entre EUA e África do Sul vêm se deteriorando desde que Trump incumbiu seu governo de reassentar africâneres — grupo composto majoritariamente por descendentes de holandeses — nos Estados Unidos.
Em março, o embaixador sul-africano nos EUA, Ebrahim Rasool, foi expulso após acusar Trump de usar a “vitimização branca como apelo velado”, o que levou os EUA a acusarem Rasool de “incitação racial”.
Os EUA também criticaram a África do Sul por sua postura “agressiva” contra Israel na Corte Internacional de Justiça (CIJ), onde o governo sul-africano acusou a gestão de Benjamin Netanyahu de genocídio contra os palestinos — alegação fortemente rejeitada por Israel.
A disposição do presidente Trump em aceitar refugiados africâneres ocorre num contexto de repressão mais ampla à entrada de migrantes e solicitantes de asilo vindos de outros países.
Reportagem adicional de Khanyisile Ngcobo, em Joanesburgo, e Cai Pigliucci, em Washington DC.
Primeiro grupo de refugiados sul-africanos brancos desembarca no Aeroporto Internacional de Dulles, na Virgínia
Reuters
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