‘Programa de educação científica da Bahia será modelo para o país’

Salvador será, nesta semana, o epicentro de uma série de iniciativas voltadas à promoção da ciência. O lançamento do programa Mais Ciência na Escola na Bahia e a sanção da lei que cria o PopCiência, dentre outros projetos, colocam o estado como referência na popularização do conhecimento científico.Em entrevista exclusiva ao A TARDE, o secretário de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social do governo federal, Inácio Arruda, destacou a importância de integrar ciência e educação como estratégia para democratizar o acesso ao saber. “Popularizar a ciência é levar o conhecimento para o meio do povo”, afirmou, ao elogiar o papel do governo baiano no fortalecimento de políticas públicas voltadas à ciência e tecnologia.Segundo o secretário, iniciativas como o apoio a clubes de ciência e o Pacto pela Educação Científica são exemplos da “sensibilidade” que a Bahia vem demonstrando. Para ele, a construção de uma cultura científica passa necessariamente pela valorização de educadores, estudantes e comunidades. Saiba mais na entrevista a seguir.O senhor defende a importância de popularizar a ciência. Como a Secretaria de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social tem atuado para tornar a linguagem científica mais acessível?Nós trabalhamos intensamente com esse objetivo através dessa secretaria criada dentro do Ministério da Ciência e Tecnologia por uma iniciativa do presidente Lula, em seu primeiro mandato. Com a sensibilidade que lhe é peculiar, ele percebeu que é preciso investir nos laboratórios e no desenvolvimento de cientistas, de pesquisadores, dos grandes produtores de ciência do Brasil. Mas é preciso levar também essa produção científica, esse conhecimento, esse debate para toda a sociedade. Ele não pode ficar restrito aos muros das universidades e das grandes instituições de pesquisa, como a Fiocruz, o Butantan, o centro de pesquisa da Petrobras e outras instituições. Senão, você fica muito restrito, muito limitado. É preciso popularizar a ciência com os educadores, os estudantes do ensino básico, com os pais e mães dos alunos. Existe um potencial muito grande, mas que precisa de incentivo. E popularizar a ciência é levar esse conhecimento para o meio do povo. Popularizar a ciência é compreender a capacidade do povo, no seu dia-a-dia, de responder aos desafios que enfrentam para sobreviver. É preciso esse contato direto com a comunidade, com a sociedade e evidentemente com os principais centros de pesquisa, que é a base central dos nossos programas e projetos.Como o senhor afirmou, a recriação da Secretaria de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social marca uma mudança de visão. Quais são os principais projetos que essa secretaria está liderando hoje para popularizar a ciência?A trajetória da secretaria vem do primeiro governo do presidente Lula e tivemos essa retomada agora com a ministra Luciana Santos. Nós buscamos reforçar, por exemplo, o programa de feiras de ciência. As feiras são um espaço excepcional para a apresentação de trabalhos científicos produzidos dentro da universidade, das escolas de ensino médio e de ensino básico. Elas podem ser também a representação do que é produzido pelas comunidades, pela sociedade. Falo de pequenos inventores, pequenos produtores de ciência, que estão no meio do povo. A economia solidária é outro programa de popularização da ciência. Nós buscamos incentivar, colocando recursos suficientes para incentivar a atividade científica dentro das escolas, das universidades, e também no meio da população. Investimos também nas olimpíadas científicas, que são competições saudáveis sobre conhecimento. São olimpíadas de matemática, de português, de astronomia. É um movimento muito forte. Olimpíadas sobre a questão do oceano, como esse debate que nós realizamos hoje aqui em Fortaleza. Hoje aconteceu o Fórum Nordeste de Cultura Oceânica. Esse é um debate que nós estamos promovendo no Brasil inteiro, apoiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, e que vai resultar numa Conferência das Nações Unidas na cidade de Nice, na França, onde estará presente o presidente da República. Popularizar, defender e proteger o oceano significa também proteger a produção de riquezas do mar. Dar sustentabilidade a atividade oceânica é proteger os recursos naturais, mas também a produção econômica sustentável vinda do mar. O mar tem muita riqueza. É através do mar, por exemplo, que eu transporto as informações para o mundo inteiro. Cerca de 98% de todas as comunicações, falo de produções científicas são importadas pelo Brasil são feitas através dos cabos oceânicos. Só o Brasil tem de 18 a 20 cabos oceânicos funcionando ativamente para garantir essa comunicação.Está previsto nesta semana o anúncio, em Salvador, das instituições baianas selecionadas no âmbito do Programa Mais Ciência na Escola. Qual é a importância desse evento e, de forma mais ampla, do programa para popularização da ciência entre estudantes e professores?Esse é talvez o maior programa que nós vamos desenvolver no Nordeste. Através do Mais Ciência na Escola, você garante por exemplo estruturas de laboratórios dentro das unidades de ensino. Será aí que os nossos estudantes de ensino fundamental e médio vão colocar a mão na massa para desenvolver projetos e produtos dentro da escola. Vamos estruturar essa capacidade de produção dentro das escolas de ensino básico. E a Bahia vai entrar com 180 escolas. É um investimento de mais de R$ 20 milhões do governo federal. Mas o governador Jerônimo Rodrigues decidiu ampliar. Ele quer ser parceiro, não quer apenas o investimento do governo federal. Ele quer investir também no programa. Nós vamos ter um programa robusto na Bahia, uma integração muito importante e forte entre o Ministério da Ciência e Tecnologia e a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado, com o governo baiano fazendo um aporte de contrapartida que muitos estados não tiveram condição de fazer. A Bahia vai fazer e isso tem um valor enorme porque consolida muito o programa. Como disse, são 180 escolas. Na próxima segunda-feira (hoje), a ministra Luciana vai estar anunciando esse programa juntamente com o governador, entre outros. Vai ter formação, vai ter debate, vai ter oficinas. Esse programa é de contraturno. O governo lançou a escola de tempo integral. Mas a escola de tempo integral não pode ser apenas deixar os alunos na escola o dia inteiro. Eles precisam ter essa formação, ter laboratórios, arte, cultura e, sobretudo, a capacidade de ter experiências científicas. Isso é importante. O Mais Ciência na Escola significa permitir que, na educação básica, existam experiências científicas com laboratórios. Inicialmente, o projeto é do Ministério da Ciência e Tecnologia. Mas nós vamos, aos poucos, integrando também o Ministério da Educação. E, no caso da Bahia, o governador Jerônimo decidiu que o Estado precisa estar dentro do programa.Também está prevista a sanção da lei que institui, na Bahia, o Programa de Promoção, Popularização e Difusão da Ciência, Tecnologia e Inovação – o PopCiência, inspirado em uma iniciativa já existente em nível federal. Qual a importância desse programa para aproximar a ciência da sociedade?O PopCiência funciona como uma espécie de guarda-chuva de um conjunto de programas. Dentro do PopCiência, o que faço hoje? Invisto nas olimpíadas, nas feiras, e posso compartilhar esse investimento do governo federal, através do MCTI, com os estados. Ao criar o seu próprio programa, o que a Bahia está fazendo? Ele está abrindo o guarda-chuva do Estado para recepcionar os programas que existem no governo federal e juntar com os programas que existem no Estado. Destaco essa sensibilidade que o governo da Bahia teve de já fazer a sua própria legislação para consolidar o programa. Ao ter uma lei, a Bahia está dizendo o seguinte: nós temos uma lei estadual que garante a popularização da ciência. E garantir a popularização da ciência é garantir que o programa Mais Ciência na Escola vai continuar, que as olimpíadas vão continuar, que as feiras científicas vão continuar e que eu posso ter programas especiais para a comunidade, não apenas para as escolas e as universidades. As comunidades, as associações comunitárias, as associações de pescadores, as associações de artesão, a economia solidária, todos esses podem participar do programa de popularização da ciência. A lei estadual dá essa garantia e proteção a um programa mais vasto de educação científica e de popularização da ciência.Bahia está lançando também um edital no valor de R$ 8 milhões para apoiar professores que coordenam clubes de ciência nas escolas. Como o senhor avalia essa iniciativa e seu potencial para fortalecer o ensino de ciência e incentivar a participação dos estudantes em atividades científicas?Estive com o secretário de Ciência e Tecnologia da Bahia, André Joazeiro, e disse a ele que considero essa iniciativa importantíssima. Ela abre as portas para o Brasil compreender que os educadores que trabalham com a educação científica têm que ser remunerados pelas atividades que desenvolvem. Isso tudo é também sensibilidade de governo. Você ter uma secretaria capaz de compreender a importância de ter um programa especial para reforçar a educação científica e popularizar a pesquisa científica dentro das escolas. Estou vendo o programa da Bahia como uma espécie de um grande piloto para o Brasil. Nós vamos pegar essa proposta baiana para levar para outros estados. E dizer: olha, se inspirem nesse programa. Isso aqui é um reforço muito importante para a educação científica e popularização da ciência em nosso país.No ano passado, o senhor participou de uma série de conferências de Ciência, Tecnologia e Inovação em diversos estados, incluindo a Bahia. Na ocasião, chegou a destacar a conferência baiana como a maior do país. Poderia comentar sobre a importância desses eventos e, em especial, sobre a conferência realizada na Bahia?Nós realizamos a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação depois de ficar muito tempo sem ter diálogo entre a comunidade científica e a sociedade. Foram mais de 14 anos até a 5ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia. É preciso que a gente perceba que esse hiato não foi por acaso. Foi uma coisa pensada. Você deixar o país sem diálogo da sociedade com a comunidade científica e sem a capacidade de opinar sobre os rumos do país, que não é possível ser desenhado adequadamente sem um grande programa de ciência, tecnologia e inovação. A 5ª conferência teve esse sentido: levar ciência, tecnologia e inovação para um país mais justo. E ter um programa de desenvolvimento do país que tenha a ciência como base. Explicar bem para o povo como é que a gente conseguiu encontrar o petróleo, produzir combustíveis, produzir a nafta. Como é que a gente fez tudo isso? Nós, brasileiros, tivemos de usar a nossa capacidade para poder garantir que tudo isso pudesse sair do papel e se transformar em produtos que estão na mão do povo. Como a gente chegou a produzir aviões? Tendo uma empresa que é uma das mais importantes do mundo em aviação, a Embraer, com ciência, com pesquisa científica, com muito investimento na formação de pesquisadores. Vamos para o Butantan, vamos para a Fiocruz. São grandes instituições científicas que produzem vacinas, medicamentos. Isso só é possível com pesquisadores, com cientistas, com produção científica de qualidade. É isso que a nossa conferência teve que examinar, avaliar e discutir com a sociedade. Porque a sociedade precisa compreender. Você veja que, durante o governo anterior ao do presidente Lula, se anunciou que a universidade era local de balbúrdia, num ataque direto à produção científica, à ciência. O mesmo se fez com a arte, com a educação. É o contrário. Não tem soberania, não tem país, não tem projeto de desenvolvimento nacional, sem ciência. A 5ª conferência teve esse papel, mas uma pegada ainda maior, que foi reunir os cientistas, os pesquisadores e a comunidade acadêmica para desenvolver tecnologias sociais. O que o povo desenvolve? Como é que o povo sobrevive? Como é que desenvolve sua tecnologia para sobreviver nas grandes periferias, no interior do país, nos sertões nordestinos. Como é que o povo faz? O povo produz os seus equipamentos, desenvolve a sua tecnologia. Entrou aqui também o grande programa de tecnologias sociais. Como o povo absorve a ciência produzida? Com os instrumentos da transformação digital. Como ele usa a inteligência artificial. O povo tem muita sabedoria. A gente precisava compreender tudo isso e trazer para dentro da conferência.E o exemplo especial de 2024 foi a Bahia. Tenho que fazer esse destaque, sem demérito a participação de outros estados. A Bahia dividiu a conferência nos seus territórios. Fez a conferência em todos os territórios e teve grandes participações. Foi na Bahia que aconteceu a maior conferência estadual, com uma ampla participação da comunidade científica. Todas as universidades estavam presentes. Todas as instituições científicas do Estado estiveram presentes. E nós levamos as aldeias, os quilombolas, as comunidades periféricas. A Bahia foi um grande e importante exemplo para o país de como mobilizar a sociedade para que ela possa compreender a ciência. Às vezes, o pessoal fala para a gente que o governo está sem comunicação. Não é sem comunicação. É sem compreender o que deve mobilizar a sociedade. Nós devemos colocar tudo o que fazemos, especialmente na área da produção científica e tecnológica, para o conhecimento da população. Porque, quando a conhece, ela compreende, se mobiliza e defende. Acho que isso a Bahia fez com muita competência e sabedoria. Cumprimento esse trabalho feito pelo secretário Joazeiro, envolvendo outras secretarias. E o governador Jerônimo por ter realizado, proporcionalmente, a maior a conferência— e talvez até, não apenas proporcional, porque a conferência da Bahia foi maior do que as realizadas em grandes áreas do país como São Paulo e Rio de Janeiro. A Bahia fez isso e eu os cumprimento por ter feito esse grande trabalho de popularização da ciência e, sobretudo, de ter um projeto importante que é o que saiu da 5ª conferência. Não é pouca coisa que saiu da 5ª conferência: o Programa Brasileiro de Inteligência Artificial foi entregue ao presidente no primeiro dia da conferência. Todos nós participamos da construção dele.Em diversas partes do mundo, tem-se observado o enfraquecimento do apoio público à pesquisa, a perda de protagonismo das instituições científicas e o avanço de discursos que deslegitimam o conhecimento baseado em evidências. Diante desse cenário, o governo baiano assina o Pacto pela Educação Científica na Bahia. Qual a importância de fortalecer a educação científica neste momento?Esse programa já é modelo. O que está sendo feito de pacto na Bahia, nós vamos ter que fazer nos outros estados. É muito significativo. O que está sendo feito na Bahia é por conta do que nós vivemos. Você imagina o que foi o ataque à ciência durante uma pandemia. O nosso povo estava morrendo e iam atacando a ciência e desmoralizando os pesquisadores e os cientistas. E foi exatamente a ciência, o Butantan, com recursos do Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que garantiram a produção de vacinas no nosso país, compartilhada com outros países. Nós podíamos até ter saído mais na frente nesses programas, mas nos atrasamos pela atitude dos governantes da época. A Covid foi em 2020. Esse registro tem que ser feito por nós e tem que marcar isso. E mostrando o grande potencial da ciência e como ela respondeu com a velocidade necessária à situação de uma pandemia no Brasil. Diminuindo talvez centenas de milhares de mortes que poderiam ter ocorrido — até milhões de mortes no Brasil — porque nós fomos um dos países que tivemos talvez o terceiro ou o quarto maior número de vítimas da Covid. É claro que a ciência nos ajudou a resolver esse dilema. E a ciência tem nos ajudado cotidianamente. Veja o advento da inteligência artificial. Eu sou daqueles que não me assombro com a inteligência artificial, pelo contrário. Eu vejo que tem aí um grau de oportunidade inigualável. Nós vamos usar a inteligência artificial para melhorar nossa vida e a vida do nosso povo. Isso é possível. Tem gente ganhando fortunas em cima da inteligência artificial, mas nós podemos melhorar — e muito — com a capacidade de um governo democrático e popular. Claro que tem que ter esse viés. Porque, muitas vezes, sem esse viés, a gente não consegue distribuir o potencial que a inteligência artificial vai proporcionar à humanidade. A gente tem que estar atento. É a ciência que pode fazer isso. A ciência pode nos ajudar, criando as condições para que a gente também, no Brasil, dê um salto do ponto de vista da qualidade de vida, usando os recursos da ciência.Raio-XInácio Arruda é secretário de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social (Sedes) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Servidor aposentado do Tribunal de Justiça do Ceará, é graduado em Mecânica de Máquinas pelo Liceu do Ceará/Escola Técnica Federal do Ceará e formado em Eletrotécnica pela mesma instituição. Na política, possui longa trajetória. Filiado ao PCdoB desde 1987, foi vereador em Fortaleza e deputado estadual pelo Ceará, além de ter exercido três mandatos como deputado federal. De 2007 a 2015, foi senador pelo Ceará. Por oito anos, também atuou como secretário de Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Estado.
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