Ecletismo, estilo arquitetônico de fundação da capital mineira

A arquitetura é uma arte a ser aprendida por todos, pois diz respeito a todos. (John Ruskin).

Com esta publicação, damos início a uma série de oito artigos que irão percorrer a história da arquitetura de Belo Horizonte por meio dos seus estilos arquitetônicos. Nos próximos textos, além do ecletismo – que será tratado neste e nos dois artigos seguintes –, vamos conhecer, de modo panorâmico, o art déco, o protomodernismo, o modernismo, o pós-modernismo e o contemporâneo.

Antes de seguirmos, vale destacar que a leitura da arquitetura por meio dos estilos, embora seja a abordagem mais antiga, ainda é muito útil. Além de ajudar a assimilar a evolução histórica, ela funciona como um recurso didático eficaz na educação patrimonial, permitindo ao público leigo identificar, por meio dos elementos formais das construções, as principais correntes arquitetônicas. O estilo evidencia os traços visuais comuns que caracterizam um conjunto esteticamente coeso de obras de um determinado período, refletindo o “espírito da época”.

Feitas essas considerações iniciais, vamos ao ecletismo – estilo arquitetônico de fundação da capital mineira e hegemônico até a década de 1930. Esse período coincide com a Velha República no Brasil, durante a qual Belo Horizonte se firmou como um dos epicentros do poder oligárquico nacional, a partir da chamada Política do Café com Leite. O Palácio Presidencial (atual Palácio da Liberdade), inaugurado em 1897 com a cidade, permanece como um dos símbolos dessa época.

O Palácio Presidencial (atual Palácio da Liberdade), um dos ícones da arquitetura eclética dos primórdios de BH, projetado pelo arquiteto José de Magalhães. (Fonte: cartão-postal / reprodução).

Essa cidade de feição eclética fez parte do cotidiano de grandes escritores brasileiros da literatura moderna – como Carlos Drummond, Pedro Nava, Cyro dos Anjos, Otto Lara Resende, entre outros – que frequentaram seus icônicos cafés, livrarias, cinemas e as primeiras sedes dos veículos de imprensa, sobretudo na Rua da Bahia, e descreveram suas vivências urbanas em célebres publicações em livros, jornais e revistas.

A mítica Rua da Bahia nos anos 1920, configurada por importantes edifícios ecléticos que abrigaram cafés, bares, livrarias, jornais, revistas e cinemas. (Fonte: cartão-postal / Arquivo Nacional).

O ecletismo, estilo de origem europeia firmado no final do século XIX, foi difundido mundialmente, sobretudo pela Escola de Belas Artes de Paris – instituição onde estudou o nosso primeiro arquiteto, José de Magalhães. Aliás, a formação dos arquitetos chefiados por Magalhães na Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC), entre 1894 e 1897, baseava-se no chamado método acadêmico da Beaux-Arts, que evoluiu do neoclassicismo para o ecletismo.

As principais características do ecletismo são a rica ornamentação e o uso de elementos arquitetônicos do passado, sobretudo, mas não só, do classicismo greco-romano que já havia sido resgatado na Renascimento e no neoclassicismo. Por isso esse estilo é considerado historicista, lembremos que o século XIX foi considerado “o século da História”.

Em relação ao ecletismo em Belo Horizonte, podemos afirmar que – pela sua extensão urbana e tendo mais de 500 obras executadas no final do século XIX – a cidade foi a pioneira na aplicação em larga escala desse estilo arquitetônico no Brasil, antecedendo inclusive a implantação da icônica Avenida Central do Rio de Janeiro em 1905, que representou o triunfo do ecletismo na então capital federal.

Na capital mineira, distinguem-se duas fases do ecletismo: a de fundação, que abordaremos aqui, e a tardia, a ser tratada nas próximas publicações. Na fase de fundação (1894–anos 1930), os edifícios governamentais assumiam as formas do neoclassicismo com grande liberdade na organização dos seus elementos típicos (frontões, cúpulas, colunas e capitéis), como o Palácio da Liberdade; os mercados e coretos exploravam a chamada arquitetura do ferro; as igrejas inspiravam-se nas catedrais góticas, por exemplo, a Igreja N. Sra. de Lourdes; e os espaços de lazer – como o Parque Municipal e os jardins do Palácio da Liberdade – refletiam o imaginário romântico e pitoresco.

Os principais elementos que caracterizam o ecletismo da primeira fase em Belo Horizonte – de inspiração neoclássica e dominante nas obras projetadas pela CCNC, sobretudo nos edifícios públicos – são:

  • Platibandas, que são muretas que arrematam fachadas e escondem os telhados;
  • Fachadas tripartites, diferenciando base, corpo e coroamento;
  • Simetria na composição das fachadas, de modo geral;
  • Frontões nos coroamentos ou sobre as aberturas (triangulares, arqueados ou interrompidos);
  • Arremates nos coroamentos, como pináculos, vasos, globos, estatuetas etc.;
  • Colunas ou pilastras conforme as ordens clássicas (toscana, dórica, jônica, coríntia, compósita);
  • Modinatura: molduras em torno de vãos e frontões, bem como nas divisões de pavimentos e nos arrematam superiores das paredes;
  • Vergas arqueadas e retas, alternadas nas portas e janelas;
  • Ornamentação de feição fitomórfica (vegetal), antropomórfica (humana) e zoomórfica (animal);
  • Ferro fundido com motivos decorativos em gradis, portões, escadas, guarda-corpos, etc.;
  • Rusticação nas quinas e embasamentos – frisos que remetem às juntas das pedras dos monumentos antigos.

 

Além disso, temos a vertente do ecletismo inspirada na arquitetura gótica, típica dos templos católicos da Europa medieval, cujas principais características são: a volumetria vertical; as torres pontiagudas encimadas por pináculos; as aberturas em rosácea com vitrais; e os arcos ogivais (pontiagudos). Essa expressão pode ser observada na Basílica Nossa Senhora de Lourdes, na Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem e no antigo Conselho Deliberativo (atual Museu da Moda).

Torre principal da Igreja N. Sra. da Boa Viagem, templo eclético de inspiração gótica, projetado em 1911 pelo arquiteto Manoel Ferreira Tunes e inaugurado em 1922. (Fonte: Iepha-MG).

Em síntese, além de ter moldado a paisagem urbana inicial de Belo Horizonte – conferindo-lhe uma identidade única –, o ecletismo permanece vibrante em inúmeros edifícios que nos convidam a revisitar o passado e a celebrar nosso patrimônio cultural.

Conheça alguns ícones da arquitetura eclética de Belo Horizonte

Para quem deseja assimilar a expressão da arquitetura eclética em Belo Horizonte, vale a pena percorrer a cidade e conhecer alguns de seus principais ícones. A seguir, listamos oito referências do estilo eclético – um conjunto arquitetônico e sete edifícios –, que permitem apreciar a sua riqueza ornamental e a diversidade das suas influências históricas.

 

1. Conjunto Eclético da Praça da Liberdade.

Sendo o mais representativo da cidade, este conjunto é formado pelos atuais Palácio da Liberdade, Museu das Minas e do Metal, Memorial Minas Gerais e sede do Iepha-MG – todos projetados por José de Magalhães. Ainda compõem o acervo o CCBB, projetado por Luís Signorelli; o Palacete Dantas, por Luiz Olivieri; e o Solar Narbona, por Francisco Izidro Monteiro.

Localização: Praça da Liberdade, Bairro Savassi.

(Fonte: Ulisses Morato).

2. Museu de Artes e Ofícios (Antiga Estação Ferroviária).

Obra projetada por Luiz Olivieri e inaugurada em 1922 para sediar a Estação Ferroviária da capital. Atualmente, abriga o Museu de Artes e Ofícios e segue como um dos edifícios mais emblemáticos da arquitetura eclética de Belo Horizonte.

Localização: Praça Rui Barbosa, Bairro Centro.

(Fonte: Sérgio Leão).

3. Sesc – Centro Cultural JK (Antigo Banco Comércio e Indústria de Minas Gerais).

Edifício projetado por Ricardo Wriedt em 1925 e inaugurado em 1928. É uma das mais exuberantes construções ecléticas de inspiração neoclássica de BH. Ao longo do tempo, sediou o Banco Nacional e a Delegacia da Receita Federal.

Localização: Rua São Paulo, esquina com R. dos Caetés. Bairro Centro.

(Fonte: Ivan Capdeville Junior).

4. Museu da Memória do Judiciário Mineiro (Antigo Tribunal de Justiça).

Edifício inaugurado em 1912, com projeto elaborado por Raphael Rebecchi em 1909. Possui rica ornamentação e elementos inspirados na arquitetura greco-romana, com destaque para a colunata jônica e coríntia. Na época da sua inauguração, era o edifício mais alto da cidade, com 31 metros.

Localização: Av. Afonso Pena, 1420. Bairro Centro.

(Fonte: Biblioteca Luso-brasileira).

5. Museu da Moda (Antigo Conselho Deliberativo de BH).

Projetada por Francisco Izidro Monteiro em 1911 e inaugurada em 1916, a atual sede do Museu da Moda se destaca na paisagem urbana da capital mineira por sua expressiva composição arquitetônica inspirada nos templos góticos europeus.

Localização: Rua da Bahia, esquina com Av. Augusto de Lima. Bairro Centro.

(Fonte: cartão-postal / Biblioteca Nacional).

6. Colégio Arnaldo.

Obra projetada pelo Padre Frederico Vienken em  1913. Este edifício foi construído sobre os alicerces daquela que seria a Feira de Amostras, projetada pelo arquiteto Edgard Nascentes Coelho em 1902.

Localização: Av. Bernardo Monteiro, esquina com Av. Carandaí. B. Santa Efigênia.

(Fonte: Ivan Capdeville Junior).

7. Condomínio Álvaro José Dos Santos

Popularmente conhecido como Castelinho da Afonso Pena, o prédio foi projetado pelo arquiteto português Antônio da Costa Christino em 1908 e inaugurado em 1920. foi um dos mais famosos palacetes comerciais da cidade. Durante muitos anos, abrigou a sofisticada Chapelaria Londres.

Localização: Avenida Afonso Pena, equina com R. Espírito Santo.

(Fonte: Biblioteca Nacional).

8. Edifício Aurélio Lobo – Hotel Sul Americano.

Suntuosa obra em estilo eclético projetada pelo arquiteto Luís Signorelli em 1928. A edificação se destaca pela forma curvilínea no encontro das duas fachadas principais, solução que valoriza sua presença em uma das típicas esquinas oblíquas da cidade.

Localização: Avenida Amazonas, equina de R. dos Caetés. B. Centro.

(Fonte: Flávia Latini)

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