Enquanto os Estados Unidos enfrentam sinais claros de desaceleração do consumo e pressionam o Federal Reserve (Fed) a iniciar cortes de juros, o Brasil vive o oposto: inflação ainda acima da meta, mercado de trabalho aquecido e uma crise fiscal reacendida por embates entre o governo e o Congresso.
Nesta sexta-feira, 27 de junho de 2025, os mercados globais amanheceram atentos aos dados do índice de preços de gastos com consumo (PCE, na sigla em inglês) dos EUA e à escalada da crise política e fiscal brasileira. O Morning Call da Genial Investimentos trouxe uma leitura abrangente da conjuntura, destacando os efeitos desses movimentos sobre as taxas de juros — aqui e lá fora.
Consumo nos EUA decepciona e reforça tese de corte de juros
O principal dado do dia nos EUA foi o núcleo do PCE, métrica favorita do Fed para avaliar a inflação. Embora o número tenha vindo levemente acima do esperado (alta de 0,2% no mês e 2,6% no acumulado de 12 meses), os dados de gastos pessoais reais caíram 0,3%, evidenciando uma desaceleração no consumo.
Além disso, a renda pessoal do americano também veio abaixo das projeções, o que preocupa ainda mais num contexto de enfraquecimento da atividade. A confiança do consumidor, medida pela Universidade de Michigan, continua em queda, enquanto o índice de desemprego pode subir de 4,2% para 4,4%.
A interpretação no mercado é clara: ainda que a inflação não tenha cedido totalmente, o Fed pode ser pressionado a iniciar o ciclo de cortes já em julho. O mercado de juros futuros precifica com cerca de 50% de chance pelo menos dois cortes de 0,25 ponto percentual até o fim de 2025.
Petróleo vive a pior semana em dois anos
Outro fator que impactou os mercados globais foi a forte queda no preço do petróleo. O barril do Brent acumula queda de 13% na semana, a pior performance desde 2022. O movimento reflete, em parte, a percepção de menor demanda global, somada ao possível acordo comercial entre Estados Unidos e China, que pode diminuir as tensões geopolíticas e ajudar a reancorar expectativas de crescimento global.
Com essa deflação nas commodities, países emergentes exportadores, como o Brasil, enfrentam impactos nos termos de troca, na arrecadação e na dinâmica cambial.
Brasil: desemprego em queda, mas crédito aperta e fiscal preocupa
No cenário doméstico, a taxa de desemprego medida pela PNAD Contínua recuou para 6,2%, mínima histórica, evidenciando um mercado de trabalho ainda bastante aquecido. A consequência é uma economia operando no limite de sua capacidade, como indica o próprio Banco Central ao apontar um hiato do produto positivo.
Esse ambiente, no entanto, contrasta com dados preocupantes no setor de crédito. A inadimplência nas operações com recursos livres subiu de 5,9% para 6,1%, enquanto os juros ao consumidor seguem acima de 58% ao ano, o que fragiliza a saúde financeira das famílias e levanta dúvidas sobre a eficácia de políticas de estímulo via expansão do crédito.
Crise fiscal volta ao centro do debate
No Congresso, o governo sofreu mais uma derrota com a derrubada do veto ao projeto que isenta o IOF de operações de câmbio para residentes no exterior, o que deve gerar uma perda de arrecadação estimada em R$ 10 bilhões. A resposta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi criticada por adotar um tom mais ideológico, o que sinaliza um distanciamento do centro político e dificulta a articulação por novas receitas ou corte de gastos.
Para compensar o rombo, o governo estuda antecipar dividendos de estatais, vender ativos do pré-sal ou, em último caso, rever a meta fiscal de 2026, que hoje exige um superávit de 0,25% do PIB. Caso essa última alternativa se confirme, o mercado pode reagir com ceticismo, elevando prêmios de risco e dificultando o corte da Selic.
Selic presa em 10,50%: o que trava os cortes?
Apesar da melhora da inflação corrente — o IGP-M de junho apontou deflação de 1,67% —, o Banco Central brasileiro deve manter a taxa Selic em 10,50% por um período prolongado. A principal justificativa é o cenário fiscal incerto e a inflação ainda distante da meta.
Além disso, como destacou Roberto Mota, estrategista da Genial, o principal fator que pode destravar os cortes é o Fed. Se os Estados Unidos realmente iniciarem um ciclo de afrouxamento monetário, o Brasil poderá voltar a cortar os juros sem pressionar o câmbio ou alimentar pressões inflacionárias via dólar.
Brasil depende mais do Fed do que de Brasília
A fotografia da semana deixa claro que, mesmo com indicadores domésticos positivos, como desemprego em baixa e deflação no atacado, o Brasil continua “refém” do Fed. A incerteza fiscal somada à ausência de sinalizações claras do governo tornam o ambiente local hostil à redução da Selic.
Caso o Fed corte os juros mais cedo e em maior magnitude, o real tende a se valorizar e abrir espaço para cortes no Brasil. Mas, até lá, o cenário é de vigilância total: sobre a inflação americana, o discurso fiscal do governo e o comportamento das commodities. O investidor que vive de renda, por ora, ainda agradece.
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