Indígena denuncia estupros em série por policiais em delegacia do AM ao lado do filho recém-nascido


Indígena denuncia estupros em delegacia no Amazonas
Divulgação
Uma indígena de 29 anos, da etnia Kokama, denunciou ter sido vítima de estupros em série enquanto esteve presa ilegalmente na 53ª Delegacia de Santo Antônio do Içá, interior do Amazonas. Segundo o processo, os abusos ocorreram durante o período puerpério, enquanto amamentava o filho recém-nascido, que ficou com ela na cela por quase dois meses. O caso aconteceu em novembro de 2022 e veio à tona na última semana.
De acordo com informações obtidas pela Rede Amazônica, a prisão ocorreu em 11 de novembro daquele ano, após uma vizinha acionar a Polícia Militar para intervir em uma possível situação de violência doméstica entre a indígena e seu então companheiro, no município que fica a 881 km de Manaus.
Ao ser levada para a delegacia com o objetivo de registrar a ocorrência, os policiais constataram a existência de um mandado de prisão em aberto contra ela, expedido pela 2ª Vara do Tribunal do Júri da Comarca de Manaus, por suposta participação em um homicídio ocorrido na capital em 2018.
Sem cela feminina disponível na 53ª Delegacia de Santo Antônio do Içá, a mulher passou a dividir espaço com homens presos na unidade policial. Foi nesse cenário que, segundo a denúncia, os abusos começaram.
O caso permaneceu desconhecido pelas autoridades por meses. Somente após ser transferida para a Unidade Prisional Feminina de Manaus, em 27 de agosto de 2023, a indígena relatou os estupros a que foi submetida durante nove meses de detenção. Ela apontou como autores quatro policiais militares e um guarda municipal.
“Desde novembro de 2022, quando foi recolhida na delegacia de Santo Antônio do Içá, até a transferência em agosto de 2023, ela foi vítima de agressões físicas, abusos morais e estupros coletivos cometidos por cinco agentes públicos”, diz trecho da petição inicial.
Segundo a defesa, os abusos ocorriam em diferentes áreas da delegacia — na cela, na cozinha e na sala onde eram guardadas armas — e mesmo com o bebê ao lado. “Os policiais diziam: ‘quem manda aqui somos nós’”, relata o documento.
Ação de indenização
Em fevereiro deste ano, a defesa da indígena ingressou com uma ação de indenização contra o Estado, pedindo R$ 500 mil pelos abusos sofridos. Entre os elementos apresentados, há o relato de que um juiz teria visitado a carceragem da delegacia antes do Natal de 2022, constatado as irregularidades e ordenado verbalmente que ela fosse retirada do local — o que não ocorreu.
“O juiz disse para o delegado que ela não era presa dele e que tinha que mandar ela embora de lá. Que sabia que ela estava com o bebê na delegacia. Depois disso, nunca mais o viu”, diz trecho do depoimento que embasa o processo.
Ela também revelou ter sido obrigada a consumir bebida alcoólica com os policiais durante os abusos. “Os estupros aconteciam à noite, nos plantões. Em todas as áreas da delegacia. Os outros presos não falavam nada porque também eram torturados”.
A defesa argumenta que o Estado foi omisso ao manter a mulher presa em condições degradantes, sem qualquer assistência médica ou psicológica, mesmo estando grávida — situação que, por lei, garantiria direito à prisão domiciliar. O pedido, no entanto, ainda não foi analisado.
Além da indenização, a indígena solicita acompanhamento médico e psicológico urgente fora da prisão e que o tempo sob custódia do Estado seja contado em dobro, devido às violações sofridas.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) e a Polícia Civil informaram que foi instaurado um procedimento para apurar o caso.
Já a Polícia Militar afirmou que abriu um inquérito policial militar, atualmente em fase final de investigação.
Até a última atualização desta reportagem, o Tribunal de Justiça do Amazonas e a Defensoria Pública, que também foram procurados, não responderam aos questionamentos.
MPAM acompanha o caso
Nesta terça-feira (22), o Ministério Público (MPAM) informou que acompanha com rigor o caso da indígena. Os abusos teriam ocorrido enquanto ela estava presa com o filho recém-nascido e sem acesso a cuidados médicos ou psicológicos após o parto.
Após a repercussão do caso, uma comitiva liderada pela procuradora-geral de Justiça, Leda Mara Albuquerque, esteve com a vítima na Cadeia Pública Feminina de Manaus para ouvir seu relato e garantir acolhimento institucional.
O MP reforçou que o caso será tratado com firmeza e atenção, e que está atuando tanto no acompanhamento das investigações criminais quanto na ação cível de indenização movida pela vítima.
As corregedorias das Polícias Civil, Militar e do Sistema de Segurança também acompanham o caso, que corre sob sigilo na esfera criminal. Na esfera cível, a vítima pede reparação por danos morais e materiais. O MP reiterou que nenhuma forma de violência será tolerada e garantiu suporte à vítima por meio do núcleo de atendimento especializado.
53ª Delegacia Interativa de Polícia (DIP) de Santo Antônio do Içá, no interior do Amazonas.
Divulgação/Polícia Civil
Violência contra mulher: como pedir ajuda
Adicionar aos favoritos o Link permanente.