“Não tem nenhum lugar que eu goste mais do que as montanhas de Minas Gerais”. Assim como a banda ‘O Terno’, o arquiteto carioca Oscar Niemeyer também se apaixonou pelas serras de Minas Gerais. Exemplo disso são as curvas do Edifício Niemeyer, que emoldura a paisagem de um dos grandes cartões postais de BH, a Praça da Liberdade, localizada na região da Savassi. O residencial, construído entre 1954 e 1960, é parte da série de reportagens do BHAZ que conta a história de prédios emblemáticos da capital mineira, como o Maletta, JK, Acaiaca, Othon Palace, Edifício Ibaté e o Conjunto Sulamérica-Sulacap.
Marco da arquitetura moderna atual, o edifício está localizado em uma importante praça de Belo Horizonte, a Praça da Liberdade, originalmente concebida para ser o centro do governo estadual. No livro ‘Da Matéria à Invenção: As Obras de Oscar Niemeyer em Minas Gerais – 1938-1955’, publicado em 2008, o arquiteto Danilo Matoso Macedo revela que a construção da terceira torre do arquiteto em BH partiu da iniciativa de Lúcia Machado Almeida, irmã do político mineiro Cristiano Machado.

De acordo com a certidão de escritura, além da família Machado, outras famílias tradicionais da capital mineira viveram no edifício, como Giannetti, Polizzi, Haas, Carsalade Vilela e Neves. Inclusive, o presidente eleito e governador de Minas Tancredo Neves, falecido em 1985, e sua esposa Risoleta Guimarães Tolentino também residiram na obra de arte de Niemeyer.
O Edifício Niemeyer possui 11 pavimentos, com dois apartamentos por andar, de três e quatro quartos, além de dois terraços, sendo um privativo. A edificação também conta com uma pequena garagem para quatro carros, que precisou ser expandida com o aumento da demanda por estacionamentos.




Segundo a administração do prédio, a unidade maior pode chegar a custar cerca de R$ 2,8 milhões, enquanto o valor do apartamento de três quartos varia entre R$ 1,5 milhões e R$1,6 milhões. Já o preço do aluguel está em torno de R$ 8 mil e R$ 5 mil, respectivamente. Além disso, a taxa de condomínio varia entre R$1.650 e R$ 2.200.
Arquitetura e Design
Conforme o arquiteto Danilo Macedo, o projeto definiu o “aproveitamento máximo permitido pela legislação do lote”, que possui formato triangular e está localizado entre a avenida Brasil e a rua Cláudio Manoel. Por isso, segundo o autor, a edificação “se opõe aos agressivos ângulos agudos”, com curvas em formas livres que dominam todo o seu perímetro. Além disso, o arquiteto destaca que os brises horizontais, que dividem cada pavimento em três e provocam a ilusão de um pé direito baixo, são responsáveis por evidenciar a fluidez e o dinamismo da fachada.



Fechamentos cerâmicos encomendados ao artista plástico Athos Bulcão (Lavínia Fernandes/BHAZ)

O Poema da Curva
Não é o ângulo reto que me atrai.
Nem a linha reta, dura, inflexível,
criada pelo homem.
O que me atrai é a curva livre e
sensual. A curva que encontro nas
montanhas do meu país,
no curso sinuoso dos seus rios,
nas nuvens do céu, no corpo
da mulher amada.
De curvas é feito todo o Universo.
O Universo curvo de Einstein.
O professor de Arquitetura da UFMG, Flávio de Lemos Carsalade, por sua vez, comenta que o edifício faz parte de uma exploração plástica iniciada por Niemeyer em 1951, com a construção do Copan em São Paulo. As obras, segundo o professor, apresentam uma “tentativa de fazer a verticalidade a partir de uma sequência de ritmos horizontais”, explica. Embora dificulte a execução, o professor analisa que o uso das curvas em projetos arquitetônicos não inviabiliza sua construção. “Fica um pouco mais caro, mas também não é algo que não possa ser feito”, comenta.
Além disso, Flávio desmistifica o pensamento de que o desenho curvilíneo provoca um mau aproveitamento do espaço, uma vez que os cômodos dos apartamentos do Edifício Niemeyer “são praticamente retangulares. Só o bordo externo dos cômodos que é curvo para acompanhar a fachada”, completa.


“O que me parece muito interessante e particularmente inovador, no caso do Edifício Niemeyer, é, exatamente, fazer uma residência dentro de uma forma curva, que ele fez de uma maneira excepcional. E também de trabalhar um terreno triangular, que a princípio exigiria uma concepção muito complicada, muito retilínea. Ele consegue transformar o triângulo em curva”, observa o professor Flávio.
Relevância histórica e cultural
Ainda de acordo com Flávio, o Edifício Niemeyer representa um marco relevante para o urbanismo da capital mineira, sendo o único prédio mais verticalizado da região da Praça da Liberdade. Além disso, o professor analisa que a edificação dialoga com a história e a identidade cultural de Belo Horizonte, “que nasceu para ser moderna”, comenta. “Isso se reflete muito na cultura de renovação da própria cidade”, completa.

Conforme Flávio de Lemos, o residencial reflete a essência do modernismo e estabelece uma conexão com os diferentes tipos de construções erguidas na região: “A gente passa pelo ecletismo de inspiração neoclássica dos edifícios administrativos. Passa pelo art decó, com o Palácio Arquiepiscopal, e até pelo pós-moderno, com o Rainha da Sucata. E de moderno a gente tem não só o prédio do Niemeyer, como também onde hoje funciona a UEMG (Universidade Estadual de Minas Gerais), que é um projeto de Raphael Hardy”, observa o professor.
Por isso, dada sua significância para a arquitetura belo-horizontina, o Edifício Niemeyer faz parte do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Praça da Liberdade, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) em 1977.
Vida no Edifício Niemeyer
Morador do Edifício Niemeyer desde o final de 2021, Thiago Romano, empreendedor na área de comunicação, vive a experiência de habitar um dos marcos mais emblemáticos da arquitetura modernista brasileira com entusiasmo e encantamento. O início da sua história no prédio foi, como ele mesmo descreve, um acaso feliz: “Um belo dia, vi um anúncio de apartamento, nem estava procurando ainda, mas fui com meu então namorado visitar. No sábado já estávamos decididos, e logo alugamos.”
A convivência com a cidade viva
Para Thiago, viver no Niemeyer é também estar em sintonia com a pulsação cultural da cidade. A Praça da Liberdade, logo abaixo, oferece uma programação intensa, repleta de música, manifestações artísticas e políticas — e tudo isso, em vez de incomodar, é parte essencial do que torna a vida ali tão especial.
“A praça é muito viva, tem gente tocando flauta, tambor, sax. Me surpreendeu a tranquilidade e ao mesmo tempo a energia cultural. Já bateram na minha porta pedindo para assinar um abaixo-assinado contra manifestações culturais na praça. Recusei. Acho um desrespeito com a cidade. Eu sei onde vim morar.”
Funcionalidade e bem-estar
Ao contrário do que muitos imaginam, as curvas características do edifício, marca registrada do traço de Niemeyer, não interferem na funcionalidade dos apartamentos. Thiago explica que, por dentro, os ambientes são bastante convencionais e não dificultam a disposição de móveis ou a rotina doméstica. “Esse negócio das curvas é meio mito. Aqui dentro a maioria das paredes é reta.”
Entre os destaques positivos da vida no edifício, ele aponta a iluminação natural abundante — sem sol direto — e a qualidade de vida que a localização proporciona. Poder fazer tudo a pé ou de bicicleta é um privilégio raro em centros urbanos. “Temos luz o dia todo e, ao mesmo tempo, sem sol batendo diretamente. Nossas plantas adoram! Além disso, fazemos tudo de bike. Tem estação na porta de casa e outra no trabalho, também no Niemeyer, na Praça 7. Isso muda a vida.”
Outro espaço valorizado pelos moradores é a cobertura do prédio, usada como área de convivência. Segundo Thiago, o local é cenário de encontros com amigos, banhos de sol e momentos contemplativos com vistas para a Serra do Curral e a Praça da Liberdade. “É muito gostoso explorar aquele espaço. A gente vê o pôr do sol, a lua nascendo… é um privilégio.”

(Lavínia Fernandes/BHAZ)

(Lavínia Fernandes/BHAZ)

(Lavínia Fernandes/BHAZ)

(Lavínia Fernandes/BHAZ)


Desafios Atuais
Apesar do seu inegável valor arquitetônico e histórico, o Edifício Niemeyer enfrenta desafios como qualquer outro lugar. Indagados sobre a dificuldade de gerenciamento do prédio, os síndicos profissionais Reinaldo Matta Machado e Waneska Matta Machado, à frente da administração desde 2015, relatam que os desafios envolvem mais questões pessoais do que relacionadas ao patrimônio. Eles comentam que as principais questões giram em torno da conservação da estrutura e da necessidade de adaptações para as demandas contemporâneas, como acessibilidade e sustentabilidade.
Conservação e manutenção
Nos últimos anos, entre 2018 e 2019, o edifício passou por uma importante obra de recuperação da fachada, num investimento de quase meio milhão de reais. O trabalho foi feito em diálogo com a Diretoria de Patrimônio da Prefeitura de Belo Horizonte e, em alguns casos, até com o Ministério Público. A fachada hoje apresenta áreas ainda passíveis de manutenção, mostrando que, dentro de um período de cinco anos, poderá ser necessário a reforma.
ANTES


DEPOIS


“Temos um projeto aprovado para AVCB, que deve começar a ser executado nos próximos 60 a 90 dias. É algo que nunca tinha sido feito aqui, e o prédio, com toda a sua importância, já estava há décadas sem um plano adequado”, explica o síndico.
AVCB é uma sigla para Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros, um projeto técnico que garante a segurança da edificação em meio a incêndios, garantindo que as normas de segurança estão em conformidade.
Adaptações contemporâneas
Projetado em uma época em que não era comum e não existiam tantos carros na cidade, o edifício continha apenas quatro vagas de carro registradas. Com o passar do tempo, foi se criando pequenas soluções para comportar a quantidade de carros, como fechar o pátio abaixo do prédio, perto da garagem, com portões. Atualmente também é utilizado o pátio comum, entre portaria, visando comportar os carros dos 22 apartamentos.



Ainda assim, há avanços. O elevador social foi modernizado, e um novo código de conduta está em discussão entre os moradores, visando melhorar a convivência e garantir que futuras intervenções no prédio ocorram de forma mais fluida e organizada. O projeto da AVCB, segundo o síndico, é um passo importante nesse sentido: “Sabemos que vai ser um trabalhão, mas é necessário. Não dá mais para adiar.”
Legado de Niemeyer
Oscar Niemeyer, nascido em 15 de dezembro de 1907 no Rio de Janeiro, é amplamente reconhecido como um dos maiores arquitetos do século 20. Sua abordagem inovadora, marcada pelo uso de formas curvas e pela integração entre arquitetura e paisagem, revolucionou o modernismo brasileiro e internacional.
Em Belo Horizonte, há quem pense que a primeira obra do arquiteto foi o conjunto da Pampulha, mas a sua primeira criação foi a residência João Lima Pádua, em 1943, localizada na rua Bernardo Guimarães, 2751, esquina com rua Araguari, 1000.
Já o Conjunto Arquitetônico da Pampulha, projetado na década de 1940 em Belo Horizonte, foi a obra que consolidou sua carreira e o colocou no cenário internacional. Encomendado por Juscelino Kubitschek, então prefeito da cidade, o conjunto inclui a Igreja de São Francisco de Assis, o Museu de Arte da Pampulha, a Casa do Baile e o Iate Tênis Clube. Este projeto é considerado um marco do modernismo brasileiro, combinando arte, paisagismo e urbanismo de forma única.
A partir da década de 40, a capital de um estado cheio de curvas, nunca mais foi a mesma e as famosas curvas começaram a ser vistas não só nas montanhas e serras, mas também nas ruas, em prédios e no cotidiano de cada belo-horizontino.
O post Edifício Niemeyer: conheça as histórias por trás das curvas do cartão-postal da Praça da Liberdade apareceu primeiro em BHAZ.