Diante de uma multidão de 60 mil pessoas, em novembro de 1998, Leonardo subiu ao palco do Espaço Verde Chico Mendes, em São Caetano do Sul (SP), e interpretou a canção “Um Sonhador” ao lado de Zezé Di Camargo & Luciano e Chitãozinho & Xororó. Foi a primeira vez que o cantor participou da gravação do show “Amigos”, criado em 1995, sem a presença do irmão Leandro, falecido em junho daquele ano, vítima de um câncer. O show foi exibido no mês seguinte como especial de fim de ano da TV Globo — e marcaria a última apresentação conjunta do grupo até o reencontro em 2019. A música, entoada em coro pelo público, rompeu o horizonte de expectativa e se consolidou como uma ode de despedida. Desde então, “Um Sonhador” recebeu novas releituras de nomes como Bruno & Marrone, Marcelo Jeneci, O Terno, César Menotti & Fabiano, Lauana Prado e, mais recentemente, de uma das bandas de rock mais marcantes dos anos 2000: o Detonautas.
Formado por Tico Santa Cruz, Renato Rocha, Fábio Brasil, Phil Machado e André Macca, o grupo desembarca em Belo Horizonte neste sábado (9), no BeFly Hall, com a turnê ‘Elétrico’. No dia 18 de julho, a banda lançou o EP Dversões, que reúne releituras de clássicos da música brasileira, incluindo não somente a canção da dupla sertaneja goiana, mas também ‘Samba Makossa’ e ‘A Praieira’, da Nação Zumbi. Em entrevista ao BHAZ, Tico explicou que o projeto surgiu como uma forma de mobilizar a base de fãs e manter a relevância do Detonautas enquanto um álbum de inéditas não é lançado.
“Foi uma oxigenação de novidades mais do ponto de vista estratégico, para movimentar as redes, do que musicalmente falando. É um EP de regravações de músicas que já tocamos há muito tempo nos nossos shows, mas que não tinham nenhum registro. Assim, os fãs não conseguiam ouvir em outro lugar, caso gostassem”, afirmou.
Rock, sertanejo e manguebeat
É justamente a faixa ‘Um Sonhador’, em parceria com o sertanejo Gustavo Mioto, que abre o novo EP do Detonautas. Composta por Cezar Augusto e Piska, a canção deu nome ao último álbum lançado pela dupla Leandro & Leonardo, em 1998, e foi apontada pelo poeta Renato Teixeira, em uma coluna da Folha de S. Paulo, como a mais promissora do disco para emplacar nas paradas de sucesso. Segundo Tico, ao ganhar uma roupagem blues na interpretação do grupo carioca, a música conquistou o público no Festival João Rock, no ano passado, e gerou grande repercussão, já que a apresentação foi televisionada pelo Multishow. “Foi aí que decidimos gravá-la em estúdio. E, durante a gravação, comentamos que poderíamos convidar um artista para participar conosco”, relembrou.
A escolha de Gustavo Mioto, segundo o vocalista do Detonautas, não foi arbitrária. Embora existam vários nomes do sertanejo que Tico respeite e admire, o cantor paulista se destacou como alguém que poderia agregar muito à parceria. Apesar de jovem na cena, Mioto já construiu uma trajetória sólida no gênero. “Também entendemos que, por ser uma música gravada por Leandro & Leonardo, seria uma forma de demonstrar nosso respeito pelo sertanejo e, ao mesmo tempo, trazer um artista para participar, mas na roupagem de blues e rock”, afirmou.
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Além disso, a parceria com artistas de diferentes ritmos e gêneros musicais não é novidade para a banda. Ao longo de quase três décadas de carreira, o Detonautas já dividiu trabalhos com nomes como Lucas Lucco — em uma regravação de Por Onde Você Anda? —, Vitor Kley, Gabriel o Pensador, Cone Crew Diretoria, DMN, Alcione, entre outros. “O rock, muitas vezes, tem dificuldade em abrir esse diálogo. Mas, para nós, essa barreira não existe. Sempre nos sentimos à vontade para incluir pessoas diferentes na nossa trajetória, e esse é um exercício que fazemos sem excluir gêneros”, comentou.
Além de Mioto, o EP DVersões conta com a participação do Maracatu Nação Erê, grupo pernambucano formado por crianças e adolescentes de 3 a 16 anos. Segundo Tico, a parceria surgiu após a banda ter sido convidada para o Festival de Jazz do Recife, em março deste ano, para apresentar não somente a ‘Tour 20 Anos — Acústico’, mas também realizar um tributo a um artista que marcou o grupo.
“Foi aí que entendemos que nossa homenagem a Chico Science fazia todo sentido naquele cenário, pelo festival ser Recife, o berço do manguebeat. Além de realizar o tributo, conseguimos trazer para o nosso universo essas crianças, que fazem parte de um quilombo e de um projeto de transformação educacional, levando uma energia e uma execução musical muito interessante”, disse.
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Projeto pode ganhar novas regravações
Tico adiantou que o Detonautas pretende dar continuidade ao projeto, incluindo outras músicas que fazem parte do cancioneiro brasileiro. Entre as possibilidades estão nomes como Zé Ramalho, Fagner, Alceu Valença e Caetano Veloso. “A canção ‘Frevo Mulher’, por exemplo, já esteve presente diversas vezes no repertório da banda. Temos versões dela gravadas no programa da Xuxa e no Multishow, há muitos anos. Dar continuidade ao projeto é como ter um guarda-chuva sob o qual possamos sempre relançar alguma música ou novidade de artistas que admiramos e que fazem parte da nossa trajetória”, afirmou.
Já no processo de composição, o vocalista explica que está sempre atento às novidades e o convívio com jovens — como sua filha, Bárbara Santana, de 17 anos, e a filha do guitarrista Renato Rocha, Marina — contribui para criar um diálogo mais próximo com a juventude. “Nós temos nossas buscas internas, tanto na sonoridade quanto nas letras, para conversar com esse público, especialmente os adolescentes. Mas isso, obviamente, é resguardado pela maturidade da banda e pela identidade musical que construímos”, reitera.
Para o artista, essa aproximação é fundamental, já que o Detonautas conseguiu atravessar três gerações. Inclusive, é notório que, por meio dessas transições geracionais, a música do grupo continua a se renovar e seguir adiante. Segundo Tico, há uma percepção de que pais, tios, familiares e pessoas que tiveram contato com a banda transmitem essa conexão ao público mais jovem.
“Acho isso natural para um grupo que tem consistência e vem fazendo um trabalho relevante no cenário da música brasileira na totalidade, não somente no rock. No nosso caso, vejo que isso acontece porque nossas canções tocaram e marcaram emocionalmente essas gerações quando ainda eram adolescentes. Nesse cenário, quem consegue criar músicas atemporais vai fortalecendo essa conexão. ‘Olhos Certos’, por exemplo, que fez muito sucesso no passado, hoje em dia, quando tocamos, nem precisamos cantar, o público canta do início ao fim”, explicou.
Questões políticas e sociais
Ao longo dos 27 anos de carreira, o Detonautas já lançou oito discos de estúdio, três álbuns ao vivo, quatro DVDs, quatro coletâneas e cinco EPs. Além disso, a banda conquistou dez prêmios, entre os quais se destacam o MTV de “Banda Revelação”, em 2003, e o “Jovem Brasileiro” na categoria “Melhor Grupo Musical”, em 2008. Um dos momentos mais marcantes da trajetória foi quando abriram os shows da banda norte-americana Red Hot Chili Peppers, no início dos anos 2000.
Tico explica que, na discografia do grupo, temas políticos e questões sociais brasileiras sempre estiveram em evidência, independentemente do governo ou contexto. O Detonautas lançou canções como Ladrão de ‘Gravata’ (2002), ‘Marcador de Almas’ (2004) e, em 2021, ‘Não Existe Salvador da Pátria’, ‘Roqueiro Reaça’ e ‘Político de Estimação’. “Nossas observações críticas, obviamente, estão sujeitas a revisões e reposicionamentos conforme o que julgamos necessário expressar por meio da música. Assim, diante do cenário que estivermos vivendo, e quando for preciso, traduziremos tudo em arte”, explicou.
Ele também reiterou que as gerações que atravessaram do analógico para o digital, e agora para a inteligência artificial, precisam lidar com um cenário conturbado, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Segundo Tico, isso ocorre principalmente devido à internet, às redes sociais e, consequentemente, ao redirecionamento e à manipulação dos algoritmos.
“São formas de se relacionar com os seres humanos de maneira muito delicada, que precisam ser avaliadas corretamente. De forma a preservar, obviamente, a liberdade de expressão, mas, ao mesmo tempo, garantir a qualidade na disseminação de informações verídicas — e não, como vemos atualmente, baseadas em suposições ou fake news. Acho que é um processo pelo qual todos vamos passar: uma guerra digital em relação ao volume e à qualidade da informação, pois estamos vivendo a revolução da comunicação”, afirmou.
Retorno a capital mineira
A última vez que a banda esteve em Belo Horizonte foi em maio do ano passado, com o show da turnê ‘Tour 20 Anos — Acústico’, realizado no Palácio das Artes, que apresentou versões acústicas de seus principais sucessos. Agora, o Detonautas retorna não somente com um novo projeto, mas também em um evento ao lado do Tihuana. O grupo retorna aos palcos com sua formação original, após oito anos de hiato, para celebrar os 25 anos do álbum ‘Ilegal’.
“É um evento que celebra o retorno deles e aproveita essa junção. O Detonautas já fez inúmeros shows com o Tihuana e, quem sabe, podemos fazer uma performance juntos. Creio que será um upgrade, digamos assim, de emoção nesse encontro que o público poderá conferir”, contou.
Tico ainda destaca que a agenda da banda carioca está bastante focada em Minas Gerais, já que, além de ser um estado extenso, os mineiros conhecem e apreciam o trabalho do Detonautas. O grupo também tem grande respeito pela música mineira, incluindo o Clube da Esquina e outros artistas que foram fundamentais para a cultura brasileira.
“Gostamos muito das bandas de lá. Desde o Landau, Sideral, os meninos do Jota Quest, do Skank, Tianastácia… Enfim, com os produtores musicais, é uma relação ótima. São todos muito generosos conosco, e temos o prazer de retribuir isso sempre que nos encontramos pelo caminho”, finalizou.
Anota aí!
Detonautas + Tihuana
Data: 9 de agosto, sábado
Horário: às 19h30
Local: BeFly Hall | Av. Nossa Sra. do Carmo, 230 – BH
Ingressos: a partir de R$ 140 | Sympla
O post Tico Santa Cruz, do Detonautas, fala sobre novo EP da banda, show em BH e relação com Minas apareceu primeiro em BHAZ.