Para o homem, esse processo é muito mais sutil, elaborado, psíquico. Porque não existem marcas imediatas no corpo.
A função paterna é simbólica por excelência: ela é a base do que chamamos cultura patriarcal, estruturada ao redor da figura do pater. Ser pai é ocupar esse lugar. É estar entre dois polos: ser ainda filho, com tudo o que se recebeu (ou não recebeu), e, ao mesmo tempo, espelhar-se como referência para um novo ser que chega ao mundo.É por isso que a paternidade pode ser tão angustiante. Tocar esse lugar simbólico nos convoca a nos implicar. E muitos não dão conta. Muitos fogem, “saem fora”, como diz a expressão popular.
O vazio da função paterna cobra seu preço.
E essa saída, essa desimplicação subjetiva, é um dos silêncios mais profundos da nossa sociedade. Ela reverbera em sintomas: autoritarismos, hedonismos, vícios, adoecimentos psíquicos. O vazio da função paterna cobra seu preço.Mas também vejo outros caminhos. Vejo homens dispostos a ocupar esse lugar com presença, com afeto, com escuta. Não se trata de ser um pai perfeito, mas de estar. De poder cuidar, amar, educar, transmitir.
Não se trata de ser um pai perfeito, mas de estar.
Para isso, é preciso antes se reconhecer como filho, reconhecer o legado que recebeu, perdoar as falhas possíveis, metabolizar as ausências, para então poder seguir com um novo bastão simbólico.É esse movimento que me interessa: o de homens que escolhem assumir a paternidade. Que assumem essa travessia com coragem e delicadeza. Porque, no fim, ser pai é isso: uma construção, uma aposta, uma possibilidade de transmitir amor.
Maria Homem é psicanalista e escritora
*Maria Homem é psicanalista e coautora do livro “Coisa de Menino? Uma conversa sobre masculinidade, sexualidade, misoginia e paternidade”, escrito em parceria com o psicanalista Contardo Calligaris.