“Você vai atirar na gente atrás do caminhão de lixo? Aqui só tem trabalhador e pai de família.” Foi com essa pergunta que o gari e pastor Thiago Rodrigues confrontou o empresário Renê Junior, de 47 anos, segundos antes dele atirar e matar Laudemir de Souza Fernandes, de 44. O relato foi feito durante o sepultamento do trabalhador na tarde desta terça-feira (12), em Contagem, na Grande BH.
Sob gritos por justiça e entre orações, familiares, amigos e colegas de trabalho participaram do enterro do gari, realizado em um cemitério municipal da cidade. Em cima de um caminhão de som, Thiago relatou com detalhes como o crime ocorreu na manhã dessa segunda-feira (11).
“Estávamos fazendo a coleta de lixo quando ele chegou apressado naquele carro de luxo. Eu falei: ‘Espera um pouco.’ Pedi para a motorista encostar para ele conseguir passar. Mas, assim que ele passou, chegou perto da motorista e sacou a arma”, contou.
Ainda segundo o gari, o homem teria ameaçado a condutora do caminhão de coleta, dizendo que, se ela encostasse no carro dele, daria um tiro na ‘cara’ dela. “Naquele momento, olhei, reagi e gritei: ‘Que isso? Vai dar um tiro na mulher trabalhando? Vai disparar e matar ela dentro do caminhão?’ Ele ficou aflito comigo, e então prossegui: ‘Passa, colega, porque dá para você passar’”, relatou.
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‘O que vale a nossa vida?’
Thiago também afirmou que, após o empresário prosseguir, ele disse algo para o retrovisor do carro. Laudemir, carinhosamente apelidado de Papa Capim pelo amigo, estava ao lado do pastor. “Eu apenas disse para ele [Renê] seguir em frente e que Deus o abençoasse. Mas ele parou o carro, abriu a porta e sacou a arma”, relembrou.
De acordo com o gari, ao sair do carro, o suspeito chegou a perguntar se os trabalhadores duvidavam da ameaça dele. Foi nesse momento que Thiago questionou se Renê mataria mesmo com eles trabalhando e atrás do caminhão de lixo. O empresário, em seguida, sacou a arma, deixou o pente cair com uma bala, pegou-o do chão, manuseou e apontou para eles.
“Ele (Renê) estava desestruturado. No momento em que sacou a arma, eu falei: ‘Cuidado, Papa Capim, porque ele vai atirar na gente. Quando foi feito o primeiro disparo, eu corri e pulei na frente do caminhão. O Laudemir estava pegando o lixo no passeio e correu, mas logo depois disse: ‘Acertou em mim’”, contou.
Os amigos chegaram a pedir ao gari que segurasse firme, enquanto a motorista desceu desesperada, gritando que o amigo iria morrer. “Foi um transtorno tão grande. A pergunta que fica é: o que vale a nossa vida? O que vale o nosso trabalho? Um homem que tem dinheiro a ponto de achar que pode tirar a vida de um trabalhador assim, de qualquer jeito? Acabou a vida de uma pessoa tão inocente, que estava apenas trabalhando. Agora, uma filha está sem pai e uma esposa chora uma tristeza imensa”, desabafou.
Thiago ainda ressaltou que não houve ofensas, brigas ou xingamentos durante a ação. “Estava segurando ele (o gari) na mão, com sangue voando em mim. Imagina, como fica o psicológico? Eu me pergunto o porquê aquele homem atirou sem motivo algum. Por que ele fez esse disparo sem reação nossa? Antes do Laudemir ser levado, coloquei a mão na cabeça dele e disse: ‘Meu caro, você é um homem de Deus. Não esquenta, porque se Jesus te levar, ele te leva para glória”, relembrou emocionado.
Empresário atirou em gari a luz do dia em BH
Segundo a ocorrência policial, o crime teria ocorrido durante uma briga de trânsito no bairro Vista Alegre, região Oeste de BH. Conforme testemunhas, um caminhão de lixo estava parado na rua, durante a coleta de resíduos, quando o empresário Renê Junior exigiu que fosse liberado espaço na via para passar com o veículo que dirigia, um BYD cinza.
Irritado, ele ameaçou a motorista do caminhão com uma arma. Os garis tentaram intervir e pediram que ele se acalmasse. Nesse momento, ainda conforme o relato de envolvidos, ele teria atirado no gari Laudemir de Souza Fernandes.
A vítima foi socorrida pela Polícia Militar e levada em uma viatura para o hospital, onde morreu. A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informou que Laudemir prestava serviços por meio de uma empresa terceirizada de limpeza e afirmou que está prestando apoio à família dele.
A prisão
Renê foi preso na tarde desta segunda-feira (11) enquanto malhava em uma academia localizada no bairro Estoril, na região Oeste de BH, poucas horas após o crime.
Os policiais encaminharam o suspeito ao Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), onde ele prestou depoimento e foi autuado. Na madrugada desta terça-feira (12), ele foi levado ao Centro de Remanejamento Prisional (Ceresp) da Gamaleira, na região Oeste de BH.
Renê Junior é casado com a delegada Ana Paula Balbino Nogueira, da Polícia Civil de Minas Gerais. A investigação vai apurar se a arma usada no crime é da servidora
Conduta de delegada é investigada
A Polícia Civil de Minas Gerais investiga se a arma usada para matar o gari Laudemir de Souza Fernandes, em Belo Horizonte, pertence à delegada casada com o empresário Renê da Silva Nogueira Júnior, suspeito do crime.
Em nota, a instituição informou que a Corregedoria-Geral instaurou um procedimento disciplinar e inquérito policial para apurar, “com rigor e transparência, todos os elementos relacionados à eventual conduta de uma delegada que possui vínculo pessoal com o suspeito detido”.
Após a prisão de Renê, policiais estiveram na casa do casal e apreenderam as duas armas da delegada Ana Paula Lamego Balbino, sendo uma de uso pessoal e outra profissional. Fontes ligadas à investigação explicam que o revólver particular tem o mesmo calibre da munição usada no crime.
Ana Paula entregou as armas espontaneamente.
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