A pajé Maria Fátima Muniz, mais conhecida como Nega Pataxó, era liderança espiritual e professora indígena
| Foto: Reprodução Redes Sociais
Segundo Sandra Carvalho, cofundadora e coordenadora do Programa de Proteção de Defensores (as) de Direitos Humanos e da Democracia da Justiça Global, “os casos na Bahia estão fortemente relacionados à expansão da atuação do narcotráfico nos territórios indígenas e quilombolas e a atuação de milícias rurais, como é o caso do Movimento Invasão Zero, estando fortemente relacionados aos conflitos agrários”. O estudo aponta também a participação de policiais militares em algumas ações criminosas. Sandra chama atenção ainda para a vulnerabilidade dessas áreas.
Importante destacar que a atuação criminosa desses grupos encontra espaço nesses territórios que carecem de regularização fundiária, demarcação de territórios indígenas e titulação de territórios quilombolas,
acrescenta ela.
A ialorixá Maria Bernadete Pacífico, a Mãe Bernadete, era lider do Quilombo Pitanga de Palmares, em Simões Filho
| Foto: Reprodução Redes Sociais
CIDH e ONUDiante dos números, a Justiça Global enviou recomendações à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e às Nações Unidas [Organização das Nações Unidas – ONU), solicitando investigação e o desmonte de milícias armadas atuantes em áreas de conflito no Brasil.Para Sandra Carvalho, o cenário atual se agrava com a aprovação do Marco Temporal, que enfraquece os direitos territoriais dos povos indígenas, especialmente, aqueles que estão estão em processo de retomada de seus territórios tradicionais.O Marco Temporal – Lei n.º 14.701/2023 -, aprovado em 2023, estabelece que a demarcação de terras indígenas só é válida para áreas ocupadas até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, desconsiderando expulsões e deslocamentos históricos. A medida é vista por organizações de direitos humanos como uma ameaça direta à proteção dos povos originários.Outros dadosEntre 2023 e 2024, o estudo ‘Na Linha de Frente’ identificou 486 casos de violência contra defensoras e defensores de direitos humanos em todo o Brasil. Cerca de 87% das vítimas estavam envolvidas com a defesa da terra, do território e do meio ambiente. Mais da metade dos crimes ocorreram dentro do território ou residência das vítimas, e 67% aconteceram em áreas rurais, revelando a vulnerabilidade dos que atuam em zonas de conflito fundiário.Diante dessa realidade, Sandra Carvalho destaca que o avanço da violência está diretamente ligado ao enfraquecimento das políticas públicas e à adoção de medidas que colocam em risco os direitos conquistados, como o Marco Temporal. Para ela, o enfrentamento dessa situação exige uma resposta coordenada do poder público.”Para enfrentar esse cenário, é necessário medidas articuladas em diversas instâncias do Estado, multidisciplinares e interministeriais. É preciso enfrentar as organizações criminosas, implementar políticas estruturantes como a demarcação e titulação das terras e territórios, além de fortalecer as políticas de proteção às pessoas que defendem seus direitos nos territórios”, finaliza a defensora. Nega PataxóNega Pataxó, que era pajé e liderança do povo indígena Pataxó Hã Hã Hãe, foi brutalmente assassinada, em 21 de janeiro de 2024, durante um ataque de fazendeiros e comerciantes, na Fazenda Inhuma, na Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu, na região de Potiraguá, no sul da Bahia. O irmão dela, o cacique Nailton Muniz também foi baleado na mesma ação.
cacique Nailton Muniz, irmão de Nega Pataxó, também foi baleado na ação
| Foto: Reprodução Leo Otero / MPI
Os indígenas haviam ocupado a área no dia anterior, por considerar ser território tradicional. Os suspeitos cercaram o local com dezenas de caminhonetes e tentaram recuperar a propriedade à força e com uso de violência, sem decisão judicial.O caso causou repercussão entre comunidades indígenas e entidades de defesa dos direitos humanos. As investigações apontam possível relação com disputas fundiárias e a luta contra invasões ilegais, evidenciando a vulnerabilidade dos povos originários na região.José Eugênio Fernandes Amoedo, 21 anos, filho de um dos fazendeiros, foi preso em flagrante, horas após o crime, apontado como sendo o autor dos disparos que mataram a liderança indígena. Ele foi liberado após pagar fiança. Um policial militar aposentado, que não teve o nome revelado, também foi detido. Ele alegou ter agido em legítima defesa. O caso está sendo apurado.No último dia 12 de agosto, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, manteve em liberdade o acusado pelo assassinato de Nega Pataxó até julgamento pelo Júri Popular.
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Mãe BernadeteA líder quilombola Maria Bernadete Pacífico, a Mãe Bernadete, foi assassinada em 17 de agosto de 2023 dentro de sua residência, no Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador. Homens armados invadiram a casa e a executaram com cerca de 25 tiros, na frente dos netos.A motivação do crime está ligada à luta da ialorixá contra a expansão do tráfico de drogas e construções ilegais nas terras quilombolas da região. A violência gerou grande repercussão nacional e mobilizou órgãos de direitos humanos e a Organização da Nações Unidas (ONU), que cobraram uma investigação rápida e transparente.Seis pessoas foram indiciadas pela morte de Mãe Bernadete, entre elas dois executores, dois mandantes e dois envolvidos que facilitaram o crime. Até julho de 2024, três suspeitos estavam presos, enquanto outros dois permaneciam foragidos.
O filho de mãe Bernadete, Binho do Quilombo, foi assassinado em 2017
| Foto: Reprodução Redes Sociais
O filho de Mãe Bernadete, Flávio Gabriel Pacifico dos Santos, Binho do Quilombo, também foi assassinado em um contexto de violência ligado à disputa por terras quilombolas. Ele foi executado a tiros em setembro de 2017, também no Quilombo Pitanga dos Palmares. O caso dele ainda segue sob investigação.O Portal A TARDE procurou a Polícia Civil para saber mais detalhes sobre as investigações dos crimes, mas, até o fechamento dessa matéria, não obteve retorno.