Invasão do CNJ foi parte do plano que culminou no 8 de janeiro, diz Moraes em voto contra Zambelli e hacker


Julgamento na Primeira Turma do STF tem dois votos pela condenação de Walter Delgatti a 8 anos e 3 meses e da deputada a 10 anos de prisão, como mandante da invasão dos sistema da Justiça. Seguindo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que a invasão dos sistemas do Judiciário pelo hacker Walter Delgatti, a mando da deputada Carla Zambelli (PL-SP), fez parte do plano golpista que culminou nos ataques contra a democracia de 8 de janeiro de 2023.
O objetivo dos crimes seria o de desacreditar o Judiciário, responsável pelo processo eleitoral, e gerar um ambiente favorável a uma ruptura institucional para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder.
Em 4 de janeiro de 2023, o hacker inseriu no sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) documentos falsos, como um mandado de prisão contra Moraes assinado por ele mesmo e uma ordem para quebrar o sigilo bancário do ministro do STF.
O hacker Walter Delgatti Neto ao lado da deputada federal Carla Zambelli em foto de julho de 2022 citada no voto de Alexandre de Moraes
Reprodução/Twitter Carla Zambelli
A investigação da Polícia Federal localizou os arquivos dos documentos falsos nos equipamentos de Delgatti e também no celular de Zambelli — “prova técnica e irrefutável” contra a parlamentar, segundo Moraes.
“Apenas quatro dias depois [da invasão do sistema do CNJ], em 8 de janeiro de 2023, o país assistiu a um dos mais graves ataques às instituições democráticas de sua história recente. A correlação temporal entre esses eventos não é meramente coincidencial”, afirmou o ministro em seu voto pela condenação da dupla.
“A invasão dos sistemas judiciários, a inserção de documentos falsos e a divulgação desses eventos na mídia constituem parte de uma estratégia mais ampla de desestabilização institucional, cujo ápice se materializou nos eventos de 8 de janeiro”, concluiu Moraes.
Cronologia da parceria
O julgamento de Zambelli e Delgatti está sendo realizado no plenário virtual da Primeira Turma do STF, que já formou maioria pela condenação.
A pena proposta para Zambelli é de 10 anos de prisão, inicialmente em regime fechado, com perda do mandato. Para Delgatti, a pena proposta é de 8 anos e 3 meses de prisão.
Os réus são acusados de cometer dois crimes: invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica.
Além de Moraes, o ministro Flávio Dino já votou pela condenação da parlamentar e do hacker, acompanhando o relator. Faltam os votos de três ministros: Cármen Lúcia, Luiz Fux e Cristiano Zanin.
Em seu voto, Moraes apresentou uma cronologia dos contatos entre Zambelli e Delgatti, com base na investigação da PF e na denúncia da PGR.
A cronologia foi comprovada por trocas de mensagens e depoimentos de testemunhas. Veja os principais eventos:
28/07/2022: Carla Zambelli e Walter Delgatti se conhecem em um hotel em Ribeirão Preto (SP);
09/08/2022: Delgatti participa de reunião marcada por Zambelli na sede do PL, em Brasília, com o presidente do partido, Valdemar da Costa Neto;
10/08/2022: Delgatti toma café da manhã com o então presidente Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada, em encontro fora da agenda. No mesmo dia, Zambelli publica no X (antigo Twitter) uma foto com Delgatti, prometendo encontrar “novidades”;
setembro de 2022: o hacker e a deputada se encontram numa lanchonete na beira de uma rodovia no interior de São Paulo — ocasião em que, segundo Delgatti, Zambelli pediu a invasão de algum sistema do Judiciário e o colocou em uma ligação telefônica com Bolsonaro. Essa ligação não ficou documentada;
04/01/2023: quatro dias antes do 8 de janeiro, o portal “Metrópoles” divulga a existência do falso mandado de prisão contra Moraes assinado por ele mesmo — notícia que repercutiu entre apoiadores de Bolsonaro e os estimulou a questionar o Judiciário;
12/02/2023: Zambelli arruma transporte para o hacker se internar em um hospital de Guaratinguetá (SP), quando ele teve um problema de saúde. Em mensagem, a deputada disse que o hacker “tem a importância dele e a gente gosta muito dele. E para o Brasil também tem uma importância muito grande”;
03 e 04/05/2023: o hacker envia a Zambelli uma reportagem sobre uma ordem de Moraes para apreender armas e o passaporte do ex-presidente Bolsonaro. Ao dialogarem sobre eventuais interações de Delgatti com investigadores da Polícia Federal, Zambelli diz que, em algum momento, tais investigadores poderiam ir atrás dele. Ela o orienta a ter cuidado.
“Revela-se mais do que demonstrada a ligação umbilical entre a deputada Carla Zambelli e o corréu Walter Delgatti, com objetivos antirrepublicanos”, escreveu o ministro.
De acordo com Moraes, o principal argumento da defesa de Zambelli no processo é que Delgatti é um “mitômano”, um mentiroso contumaz.
O ministro refuta esse argumento afirmando que “as principais declarações de Walter Delgatti são corroboradas por provas materiais independentes, como os arquivos idênticos encontrados nos dispositivos eletrônicos de ambos os réus, os pagamentos realizados por pessoas ligadas à parlamentar [supostamente para serviços de administração de site e redes sociais] e as interações continuadas entre os acusados antes e depois dos crimes”.
O que diz a defesa
O advogado Ariovaldo Moreira, que defende o hacker, tem afirmado que seu cliente colaborou com as investigações e é réu confesso. Delgatti está preso em Araraquara (SP) desde agosto de 2023.
A defesa de Zambelli afirma que não existem provas incontestáveis contra ela.
Leia a nota na íntegra:
“A defesa da deputada Carla Zambelli novamente externa sua irresignação, não somente pelo voto proferido que arbitrariamente julgou procedente as acusações, mas especialmente pelas inúmeras nulidades desprezadas e cerceamento de defesa ocorrido.
Além disso, apesar do enorme respeito que se tem para com os Eminentes Ministros da 1ª Turma da Suprema Corte, inadmissível que o processo não tenha sido submetido a julgamento presencial ou virtual com a possibilidade de sustentação oral na presença dos julgadores, bem como, que ainda não tenha sido disponibilizada ao menos audiência com os integrantes da Turma julgadora para que a defesa possa apresentar memoriais e externar pontos importantes do processo.
Absolutamente injusto que a deputada tenha sido julgada e condenada sem provas irrefutáveis e induvidosas, ainda mais por fatos que desconhecia, como por exemplo os alvarás falsos que o mitômano Walter fez para seu primo e terceiras pessoas [documentos também inseridos no sistema do CNJ].
Saliente-se que jamais se deixará de acreditar na Justiça e se espera que algum dos Ministros possa pedir vistas e examinar todos os argumentos lançados pela defesa e, futuramente, modifique o rumo sugestionado pelo relator.
Daniel Leon Bialski
Bruno Garcia Borragine
André Mendonça Bialski
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