Aos 48 anos, mãe decide cursar medicina após ver filha passar em 1º lugar na residência da USP; ‘hora de realizar meu sonho’, diz


Mesmo após construir carreira sólida como professora universitária e pesquisadora, Débora Machado prestará vestibular trinta anos depois de seu primeiro processo seletivo. ‘Formei minha filha, agora, a ideia é me formar’, diz. Beatriz inspirou a mãe a estudar para medicina
Arquivo pessoal
Em 1999, logo quando concluiu a graduação em ciências biológicas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Débora Regina Machado chegou à formatura acompanhada. Ao lado dela, vestindo uma “bequinha” tamanho infantil, estava sua filha, Beatriz, nascida no terceiro semestre do curso.
📺Agora, imagine aquela vinheta de novela, com o aviso de “anos depois…”. Enquanto toca a música instrumental, aparecem cenas da família nos últimos anos:
Beatriz, ainda na infância, decide ser médica. Muda para uma escola mais rígida, conclui o ensino médio, faz apenas um ano de cursinho e é aprovada na Universidade de São Paulo (USP) pela Fuvest.
Quando termina o curso, Bia ganha experiência em hospitais e opta por se inscrever para a residência, um processo seletivo concorridíssimo de especialização de médicos. Ela passa em 1º lugar na USP e, desde o início de 2025, é residente em medicina intensiva no Hospital das Clínicas da universidade.
Débora, a protagonista, que já havia construído uma carreira como professora universitária e pesquisadora, decide realizar seu sonho e virar futura colega de trabalho da filha: aos 48 anos, ela começa a estudar para o vestibular de Medicina.
“Minha filha sempre falava: por que você não arrisca? E é verdade. O que vou perder se, depois de tantos anos, tentar Medicina? Formei a minha filha; agora, a ideia é me formar”, diz Débora.
“Não me sinto incapaz. Não tenho nem nunca tive medo de enfrentar qualquer situação diferente por causa da idade. Não importa se levar um, dois ou três anos.”
Bia, a apoiadora número 1, fica emocionada ao falar da trajetória da mãe. “Ela me ajudou desde o início da faculdade, com os conteúdos de biologia. Sempre foi uma professora com paixão pelo ensino, sempre batalhou para ter um trabalho de excelência. Quando ela contou que queria fazer medicina, não foi uma surpresa para mim”, diz.
“Não é porque é minha mãe, viu? Mas ela é muito batalhadora e guerreira, corre atrás do que quer. Não sei se, um dia, vou estar para ela tanto quanto ela esteve por mim. Espero que sim.”
‘Por que você não fez medicina antes?’
Em foto antiga, Débora segura Beatriz no colo
Arquivo pessoal
Desde jovem, Débora já sonhava em virar médica. Mas, como havia estudado em escolas públicas durante a vida toda, não acreditava na possibilidade de ser aprovada.
“Acabei não arriscando. Fiz cursinho em 1995, para ter alguma chance em biologia, que era a opção que mais se aproximava da área. Acabei passando na Unicamp, na USP e na Unesp, mas escolhi a primeira porque já morava em Campinas”, conta.
🤰Logo no 1º ano da graduação, uma reviravolta que mantém o tom novelístico do início da reportagem: Débora engravidou de um colega da turma, com quem ficou casada de 1996 até 2010.
Mas nada desviou a aluna de seu objetivo: terminar o curso em quatro anos.
Mesmo durante a gestação, conseguiu manter o mesmo ritmo de estudos. Depois do nascimento de Beatriz, fez aulas à distância nos três primeiros meses da bebê, voltou à rotina na universidade (em período integral) e, apesar das dificuldades impostas por dois professores específicos, concluiu a graduação no tempo mínimo.
“Tive apoio dos meus pais para criar minha filha. Eles ficavam com ela durante o dia, para eu estudar, e quando eu voltava, me dedicava à Beatriz. Eu tinha 20 anos quando ela nasceu. Essa responsabilidade, que veio muito cedo, me fez amadurecer. Acho que por isso que tenho a cabeça mais à frente”, conta.
Mestre, doutora e, agora, vestibulanda
Débora é formada em ciências biológicas
Arquivo pessoal
Ao longo da carreira, Débora entrou em contato com a medicina por vias paralelas:
fez mestrado e doutorado focados em biomateriais para implante médico;
deu aulas particulares para alunos dessa graduação que tinham dificuldade em biologia;
dedicou-se a pesquisas laboratoriais.
“Às vezes, passava [pela cabeça] a ideia de tentar entrar de novo na faculdade, mas não dava para cogitar isso com todo o envolvimento acadêmico que eu tinha”, diz Débora, que trabalhou como professora e coordenadora de graduação por décadas.
“Por mais que minha filha tenha feito USP, havia também os custos de mantê-la morando em outro estado. Agora, com ela independente, a ideia voltou. E ainda fui incentivada pelos meus alunos!”, afirma.
Trinta anos depois de seu primeiro vestibular, Débora voltou a estudar e matriculou-se no Poliedro, mesmo cursinho onde sua filha se preparou para o processo seletivo de medicina. Os finais de semana são dedicados integralmente aos estudos e à escrita de redações — até porque ela só prestará provas de universidades públicas, que são ainda mais disputadas.
“Não coloco a cara para fora de casa. Quando não estou tendo aula, estou dando aula”, brinca. “É hora de eu conquistar o que sempre quis.”
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