17 de maio: por que data marca luta contra a LGBTfobia?

Há 20 anos, em 17 de maio de 2005, a comunidade LGBTQIAPN+ celebrava pela primeira vez o Dia Internacional da Luta contra a LGBTfobia. A data histórica é a mesma em que, há 35 anos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirava a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID), que é um sistema de categorização de doenças, agravos e causas de óbito, indicados através de um código numérico e alfabético.Antes, o termo era “homossexualismo”, utilizado de forma pejorativa para classificar a orientação sexual de uma pessoa que sente atração por outra do mesmo sexo. Geralmente, o sufixo “-ismo” é usado para indicar doenças ou condições patológicas. Em 1990, a OMS reconheceu que a homossexualidade não é uma doença mental.”Em 1990, a Organização Mundial da Saúde retira o homossexualismo da CID-10 como categoria de transtorno mental. Mas isso não foi do dia para a noite, não. Foi a partir de muitas lutas, de muita mobilização, de muita movimentação social dos direitos humanos, de categorias para que a gente pudesse derrubar e desconstruir esse preconceito. E dentro da psicologia, o Conselho Federal de Psicologia, em 1999, proibiu que as psicólogas tratassem a homossexualidade como uma doença, ou fizessem, aquele processo dito como terapia de reversão”, explicou a psicóloga Kátia Santos.Embora a remoção da homossexualidade do CID tenha representado um grande avanço para as pessoas LGBTQIAPN+ em termos de desestigmatização e reconhecimento da diversidade sexual, ainda hoje, em pleno século 21, essa parcela da população sofre muitos preconceitos e são atravessadas por incontáveis violências.

Paguh venceu o preconceito que o silenciou e voltou a sonhar

|  Foto: Arquivo Pessoal

Em 2021, o técnico em meio ambiente Paguh Holanda, de 38, anos, passou por uma situação constrangedora. Depois de anos, longe da mãe biológica, com quem não mantém um bom relacionamento, recebeu uma proposta que lhe deixou bastante incomodado. “Na época, estava morando em São Luís do Maranhão e vir para a Bahia para tentar uma aproximação com a minha genitora, após cerca de 20 anos sem muitos contatos. Ela se dizia da igreja protestante e eu já simpatizava com o candomblé. Hoje, sou do candomblé. Ela chamou uns irmãos [da igreja] para pedir pra conversar comigo, para me levar pra igreja, para tentar uma cura gay. Eu simplesmente escutei o convite e falei que até poderia ir num culto de bom grado se, porventura, eles aceitassem ir numa gira de Pombagira e de Exu. Obviamente, que não aceitaram e, obviamente, que eu também não fui”, contou o rapaz. Paguh relembra que, desde que se descobriu gay, aos 16 anos, passou por inúmeras agressões físicas e psicológicas dentro da própria casa e, inclusive, por conta do preconceito, foi silenciado. Ele só decidiu se afastar definitivamente da mãe, por não aguentar mais as investidas.

Orgulho de ser quem se é

|  Foto: Arquivo Pessoal

“Fiquei morando em Camaçari com a minha genitora, de 8 de julho de 2021 ao dia 21 de setembro de 2021. Passei cerca de dois meses convivendo com ela, isso depois de mais de 20 anos. Dentro, desse período, houveram muitos ataques homofóbicos e eu saí da casa dela e vir para Salvador, rompi totalmente com ela. Entrei numa crise depressiva terrível após esse momento que saí da casa dela e foi um período muito, muito difícil, muito complicado na minha vida, mas que passou”, afirmou Holanda.O 17 de Maio”Essa data é importante porque, desde 1990, deixamos de ser tratados como pessoas de subcategoria, principalmente pessoas doentes. O 17 de maio foi a partir de todas as articulações feitas que a OMS tirou da sua lista de patologias a homossexualidade. Então, até então, é o nome estigmatizante de homossexualismo, que inclusive algumas pessoas usam até agora de forma pejorativa. E aí passou a ser chamado como heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade, para tratar de uma forma direta e respeitosa”, declarou Renildo Barbosa, presidente da Pró Diversidade, associação de diferentes direitos das pessoas LGBTQIAPN+.

Renildo Barbosa é presidente do Pró-diversidade

|  Foto: Arquivo Pessoal

“É importante que a gente relembre, porque, com base nessa patologia, nesses CIDs anteriores, é que muitos LGBTQIAPN+ foram colocados em clínicas, levados a tratamentos indignos, com choques, com torturas, para que deixassem de ser homossexuais, bissexuais e outras. s. era até 90 considerada uma doença. Então, as famílias, principalmente, utilizavam de uma forma impositiva, obrigatória, compulsória, colocar em clínicas mentais, saúde mental, em hospícios, como eram chamados anteriormente, e até tratamentos que hoje são consideradas torturas”, concluiu Barbosa. A saúde e o preconceitoPara Ailton Santos, coordenador do do Ambulatório Trans do Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa (CEDAP), apesar dos conquistas adquiridas ao longo desses anos, muito ainda tem a se fazer, quando o assunto é a assistência de saúde voltada à população LGBTQIAPN+. Ele explica que, ainda hoje, esse público sofre com a discriminação. “Nós temos problemas históricos em relação à acessibilidade do público LGBTQIAPN+ nos serviços de saúde. Um problema grande mesmo é a redução da necessidade desse público simplesmente a testagens e ao tratamento de HIV/AIDS e outras DSTs, como se toda necessidade de saúde se resumisse nisso. E isso não é só uma fala técnica, porque quando nós pensamos em 1980, que temos os primeiros casos de HIV, é o período também que os fundos começam a se reorganizar e é o período também que os CTAs – Centros de Testagem de Aconselhamento – vão sendo dispensados nas unidades. Quando a gente hoje faz um levantamento de que equipamentos os municípios têm para cuidar da população LGBTQIAPN+, não raramente, os gestores respondem: ‘temos CAPS para cuidar da saúde mental e temos CTA para cuidar da saúde sexual'”, expõe o coordenador.”Um ponto muito importante ainda que é o entendimento das pessoas do SUS, seja municipal ou estadual, de que a população LGBTQIAPN+ tem ainda algum transtorno, que ainda é alguma coisa de saúde mental e que cuidando da saúde mental isso vai se resolver, cuidando da saúde sexual também, como se não houvesse hipertensão, diabetes e outras necessidades de saúde para cuidar dessas pessoas. Então, a ideia que está ligada a algum IST, a ideia que é algum desvio do campo da saúde mental e isso organiza o sistema”, concluiu, Ailton Santos, afirmado que, para além de todos esses problemas, ainda tem a falta de preparação dos servidores do SUS para atender e acolher essas pessoas.

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Poder público e os diretos LGBTQIAPN+ Há pouco mais de um mês como diretora-geral de promoção e cidadania LGBT da Secretaria Municipal de Reparação (SEMUR) de Salvador, a ex-vereadora Léo Kret do Brasil (PDT), primeira mulher trans a assumir o cargo, revelou que muito mais do que uma conquista pessoal, estar na pasta, é ter a oportunidade de pensar e executar políticas públicas para as pessoas LGBTQIAPN+ com um olhar de quem conhece de fato os elas necessitam. “Eu acho que independente de ocupar cargos tem uma política pública à frente. Acho que é muito importante fazer políticas sérias e ter o acolhimento de verdade”, disse a diretora, que também é dançariana e a primeira mulher trans eleita vereadora no Brasil. Quatro dias após tomar posse, a equipe do Semur realizou, sob a coordenação de Leo Kret, as pré-conferências da 2ª edição da Conferência Municipal de Políticas e Promoção de Cidadania LGBT. O evento aconteceu simultaneamente em dez prefeituras-bairros de Salvador, no dia 8 de maio.”A conferência, na verdade, vai ser discutido tudo que foi pauta na pré-conferência. São políticas públicas voltadas para nossa população, nossos direitos, empregabilidade, saúde, educação para pessoas LGBTs, porque, muitas das vezes, a gente não tem nem direito a saúde básica, a educação e nem empregabilidade. Uma, porque a gente, às vezes, não encontra uma oportunidade. Na saúde, às vezes, quando a gente chega lá é tratada com preconceito, aí a pessoa trans já fica com receio de procurar esse serviço. Na educação também, a gente está na sala de aula, muito preconceito dos próprios alunos, professores. Então, nós vamos discutir essas políticas para poder saber a melhor forma de combater o preconceito e de buscar oportunidades de emprego para essas pessoas”, explicou Leo Kret.A conferência acontece no dia 22 e 23 de maio, no Hotel Fiesta, no bairro Itaigara, em Salvador, e é aberta ao público. Além do Semur, o evento conta com o apoio do Conselho Municipal de Promoção e Defesa dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CMLGBT).

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