Mata de São João: Desapropriação favorece ex-prefeito, João Gualberto

Moradores de Praia do Forte foram surpreendidos no último dia 13 com a publicação, no Diário Oficial de Mata de São João, da desapropriação de um terreno para a construção de um campo de grama sintética.A prefeitura do município do Litoral Norte vai desembolsar R$ 6 milhões por uma área de 6.232 m2, nada alarmante em se tratando dos valores praticados no local. Ocorre que o campo a ser construído já foi entregue à população em novembro do ano passado, ao custo de R$ 2 milhões.O investimento, com dinheiro público, foi feito em propriedade privada, sem nenhuma salvaguarda. Nem mesmo a utilidade pública havia sido decretada, o que aconteceu no último dia 6, uma semana antes do decreto de desapropriação e correspondente indenização.Advogados ouvidos por A TARDE não quiseram se identificar sem conhecer o processo, mas sugeriram que a aplicação de recursos do orçamento municipal em imóvel particular pode configurar improbidade administrativa e até acarretar perda de mandato.O valor pago será dividido entre a Atual Participações Ltda, que receberá R$ 4 milhões, e a PFM participações, administração, incorporação e consultoria Ltda, que ficará com os R$ 2 milhões restantes.

Campo inaugurado em novembro de 2024 custou R$ 2 milhões e município vai pagar mais R$ 6 milhões pelo terreno.

|  Foto: Prefeitura de Mata de São João

Posse polêmicaO detalhe é que a Atual, maior beneficiada do negócio, tem o ex-prefeito de Mata de São João, João Gualberto, como sócio-administrador. O atual prefeito, Agostinho Batista dos Santos Neto, conhecido como Bira da Barraca (União Brasil) era vice de Gualberto até sua renúncia, em dezembro de 2023.Bira assinou a ordem de serviço para o novo campo em abril do ano passado, entregando a obra 7 meses depois. Mas, só agora, 6 meses depois da inauguração, decretou a utilidade pública e decidiu indenizar os donos do terreno.E aí reside outra polêmica. Moradores antigos de Praia do Forte atestam que o campo, com piso de terá, sempre existiu e era considerado área pública. Além de abrigar os ‘babas’ da comunidade, servia também como estacionamento em dias de grande fluxo de visitantes.Quem conta essa história é Madja Reis, presidente da Associação de Moradores de Praia do Forte. Ela lembra de quando o campo foi cedido para a comunidade pelo paulista Wilhelm Hermann Klaus Peters, filho do alemão Martin Peters, que deu início ao complexo turístico de Praia do Forte.HistóricoKlaus Peters adquiriu, em sociedade, em 1970, 30 mil hectares de terra que incluíam mata, coqueiros, rios e praia. Em 1980 se tornou o único dono da área e inaugurou os primeiros estabelecimentos hoteleiros.“Era um campo de terra, fiquei surpresa com a desapropriação. Pra gente sempre foi área pública. Klaus, quando represou a lagoa Timeantube, cedeu a área em contrapartida. Quando João Gualberto assumiu, informou que a área não era da comunidade”, diz Madja, referindo-se ao primeiro mandato de João Gualberto de 2009 a 2012. A líder comunitária fez um ‘post’ indignado no instagram da associação:

Ver essa foto no Instagram Uma publicação compartilhada por AssociacaodeMoradores Da Praia Do Forte (@associacaopraiadoforte)De fato, a propriedade mudou de dono em 2008, ano de eleição de João Gualberto. Naquele ano, uma área de 28.136,29 m2 de propriedade de Klaus Peters e da empresa Landco, foi vendida por R$ 100 mil, sendo 66,6% para a Atual e 33,3% ficando com a PFM.Klaus e a esposa, Angélica, já tinham vendido o Ecoresort Praia do Forte – rebatizado de Tivoli Ecoresort – e se mudaram para o Panamá em 2006. Estima-se que, à época, a transação tenha sido fechada por valores em torno de R$ 60 milhões.A área restante, denominada Fazenda Praia do Forte, com os mais de 28 mil m2, pouco menos de 0,01% da área total adquirida em 1970, foi cedida em comodato para o município, incluindo o campo, agora desapropriado.DistratoNo mesmo cartório onde em 2008 foi feita a aquisição do terreno, em 2011 se promoveu o distrato do comodato no cartório de registro de imóveis de Mata de São João, em documento assinado pela oficiala de justiça Terezinha Silva de Jesus Ribeiro.No mesmo ano, o decreto 356, assinado por Otávio Marcelo Matos de Oliveira, vice de João Gualberto e então prefeito em exercício, autorizou o desmembramento da Fazenda Praia do Forte, registrada sob a matrícula 16.038 no cartório de imóveis de Mata de São João.Na transação, que transferiu os mais de 28 mil m2 para a Atual e PFM, alguns personagens chamam a atenção. Alberto Victorio Esteban Bolzico, representando a Landco, empresa que detinha a propriedade em sociedade com Klaus, viria a ser o arquiteto de boa parte dos empreendimentos imobiliários de João Gualberto.Jorge Tadeu de Souza foi procurador de Klaus Peters e aparece na certidão de desmembramento como representante tanto da Atual quanto da PFM. A Atual, embora tenha João Gualberto como sócio, é representada no contrato de venda das terras por José Humberto Souza, que aparece na declaração de bens do político nas eleições de 2014 como beneficiário de um empréstimo de R$ 500 mil. A PFM tem como proprietário André Pedreira de Freitas, sócio do grupo Enseada, responsável por empreendimentos de alto padrão em Praia do Forte.No ano passado, enquanto o campo de grama sintética era construído, outra área desmembrada e 20.795 m2, foi vendida por R$ 4.550.000 à LN Vila Incorporação SPE Ltda para incorporação do condomínio ‘Mamanuca Praia do Forte’. Uma área mais de três vezes superior à do campo, negociada por um valor 25% menor.

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