Hino de Piritiba: conheça a verdadeira história por trás de Capim Guiné

A Bahia se despede, neste sábado, 24, de um dos seus grandes cantadores: Wilson Oliveira Aragão, compositor, poeta, cantor e cronista do sertão, faleceu aos 75 anos, deixando um legado inconfundível na música nordestina e popular brasileira. O artista passou um período de internação no Hospital Geral Roberto Santos (HGRS), em Salvador, devido a um câncer de fígado.Natural de Piritiba, na Chapada Diamantina, Aragão traduziu como poucos o cotidiano do sertanejo, seus amores e suas lutas.Filho de um pedreiro e de uma professora, Wilson iniciou sua carreira ainda jovem, encantado pela poesia e pelos sons que ouvia no rádio da roça. Publicou sua primeira poesia no jornal Correio do Sertão na adolescência e nunca mais parou. Antes mesmo de lançar seu primeiro disco, já escrevia crônicas, charges e compunha músicas que circulariam pelos festivais do interior da Bahia nos anos 70.

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Num planto capim-guiné prá boi abaná rabo

Wilson Aragão – em Capim Guiné

O ponto de virada aconteceu em 1983, quando Raul Seixas gravou “Capim Guiné”, música composta por Aragão que o próprio Raul ouviu pelas ruas de Piritiba. A canção se tornaria um clássico da MPB, abrindo caminho para que Wilson lançasse seu primeiro LP em 1986, um sucesso independente que o levou a palcos no Brasil e no exterior.Tudo começou em 1979, quando Aragão escreveu a música como um grito de denúncia contra a grilagem de terras e as injustiças praticadas durante o regime militar.Na época, o artista usou a canção para desabafar sobre a perseguição sofrida por seu pai, opositor da ditadura, que teve sua terra tomada por grileiros. Segundo o jornalista musical Gustavo Maiato, a letra original fazia críticas diretas ao governo militar e mencionava inclusive o presidente Ernesto Geisel, apelidado de forma irônica no refrão. Outra estrofe falava de um gerente de banco que recusou financiamento para a propriedade da família, além de relatar a ida do pai do compositor a Brasília em busca de ajuda, sem sucesso.Reconhecido em sua terra natal como um verdadeiro patrimônio cultural, Aragão teve Capim Guiné transformada em hino de Piritiba, e emprestou seu nome a festas tradicionais como o “Arraiá do Capim Guiné”.Raul Seixas em Piritiba

Disco de Raul que trazia a canção

|  Foto: Divulgação

A trajetória da música mudou no começo dos anos 1980, quando Raul Seixas, em recuperação de uma cirurgia, foi visitar seus pais em Salvador. Lá conheceu Beto Sodré, natural de Piritiba, cidade que falava com tanto orgulho que despertou a curiosidade do cantor. Raul decidiu visitar o lugar com Kika Seixas, sua companheira na época.Em Piritiba, cidade com cerca de 16 mil habitantes, Raul se surpreendeu ao ser reconhecido por moradores locais. Durante sua estadia, presenciou um grupo de garotos tocando Capim Guiné na praça, como parte dos ensaios para um festival da cidade. Impressionado pela melodia, quis saber quem era o autor da canção. Os jovens informaram que a música era de Wilson Aragão, que então vivia em Salvador.Raul viu ali um sinal do destino. De volta à capital, entrou em contato com Aragão por telefone para discutir a inclusão da faixa em seu próximo disco — mas não sem antes propor alterações na letra. Uma delas foi a mudança de “dois pés de guabiraba” para “dos pés de guataíba”, uma junção inventada de guabiraba com pindaíba. A proposta era rítmica, embora agrônomos amigos de Raul tenham alertado para a inexistência da fruta.Só após essa conversa, Raul entendeu o real conteúdo político da canção. Mesmo assim, seguiu com a adaptação, que suavizou os aspectos mais diretos da crítica, e incluiu a faixa no disco, marcando uma das parcerias mais inusitadas da MPB. A versão gravada por Raul deu projeção nacional à música e ajudou a lançar a carreira fonográfica de Aragão, que viria a lançar seu primeiro LP três anos depois.Outros sucessos de Wilson Aragão

|  Foto: Divulgação

Aragão colecionou parcerias com nomes como Zé Ramalho, Falcão, Tânia Alves, Dércio Marques, João Sereno, Zé Geraldo e Vital Farias. Suas composições, com forte influência da cultura nordestina, percorrem estilos como xote, galope, forró e balada, sempre ancoradas em letras poéticas e socialmente engajadas. Suas canções abordam desde a dureza do sertão até o lirismo do amor simples e cotidiano.Mesmo nos últimos anos de vida, Wilson Aragão manteve-se ativo artisticamente. Comemorou 40 anos de carreira com o lançamento do álbum Amigos do Meu Pai – Cuide Bem da Sua Estrada, em que resgatava personagens e histórias do sertão nordestino, mantendo viva a tradição oral e musical que sempre o inspirou.O corpo de Wilson Aragão será velado na sua terra natal, Piritiba, em uma cerimônia aberta ao público na Câmara de Vereadores do município.

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