Ecletismo tardio em BH, pluralismo na arquitetura residencial

Neste terceiro artigo da série sobre a evolução da arquitetura de Belo Horizonte, encerraremos a abordagem do estilo eclético através do chamado ecletismo tardio, que vigorou sobretudo nas décadas de 1930 e 1940, mas que ainda repercutiu na cidade até a década de 1950. Contudo, ao contrário da corrente neocolonial, as novas expressões serão fortemente marcadas pelas linguagens arquitetônicas norte-americana e europeia.

Se, por um lado, a arquitetura pública e institucional desse período já adotava as formas futuristas do art déco (nova sede da Prefeitura Municipal, construída em 1937) e do modernismo (conjunto arquitetônico da Pampulha, erguido no início dos anos 1940); por outro, as formas tardias do ecletismo – que se manifestaram essencialmente na arquitetura residencial – ainda revisitavam o passado por meio dos chamados estilos normando e neocoloniais hispano-americanos, conhecidos como californiano e missões espanholas.

Nesse contexto, os modos de morar das novas elites belo-horizontinas – que naquele momento se instalavam principalmente nos bairros Lourdes e Santo Agostinho – foram pautados pelo gosto francês e, especialmente, pela arquitetura do American Way of Life (modo de vida americano), amplamente difundida no Brasil por revistas e filmes norte-americanos. O influente arquiteto e professor paulista Stockler das Neves, ao escrever sobre a linguagem das edificações modernas da Califórnia na Revista de Engenharia do Mackenzie College (1919), já recomendava:

Esse é o estilo que deveríamos cultivar […]. Nos filmes americanos, os leitores terão ocasião de observar as construções nesse estilo.

A arquitetura das residências projetadas na capital mineira, no estilo neocolonial espanhol – nomeadamente californiano e missões –, repercutiu um movimento especialmente estadunidense, mas não só, surgido no início do século XX, que resgatou as formas construtivas hispânicas sedimentadas na colonização de parte do continente americano pela Espanha, conforme apresentado em Quatro Séculos de Arquitetura (1981), do ilustre arquiteto e professor Carlos Ferreira Santos:

O Neocolonial não foi ideia original nossa, mas da maior parte do continente […], cada qual procurando reviver formas senão autóctones, pelo menos caldeadas no Novo Mundo ao tempo da colonização – algumas repúblicas como o México e os Estados Unidos chegando a exportar essas formas (“Mexicano”, “Californiano”, “Mission Style”).

As revistas brasileiras de arquitetura e decoração, como a prestigiada A Casa, também ecoaram essa cultura revivalista estrangeira, contribuindo para a adesão de setores da população urbana do país aos modelos de casas neocoloniais hispano-americanas.

Projeto de residência em estilo missões espanholas publicada em 1927 na revista A Casa, n. 39. (Fonte: Biblioteca Nacional).
Residência em estilo californiano publicada em 1938 na revista A Casa, n. 170. (Fonte: Biblioteca Nacional).

O estilo californiano, típico das mansões neocoloniais do estado da Califórnia (EUA), é caracterizado por alpendres com arcadas, telhado cerâmico de capa e canal, torres cilíndricas e beirais curtos – característicos de países da América espanhola com baixa pluviosidade.

Casa em estilo californiano projetada em 1941 por Luiz Gioseppi Jannuzzi. Rua Santa Catarina, esquina com Rua dos Aimorés, Bairro Lourdes. (Fonte: Francisco França).
Casa em estilo californiano projetada em 1943 pelo arquiteto Francisco Farinelli. Rua dos Aimorés, n. 2198, Bairro Lourdes. (Fonte: Ivan Capdeville Junior).

Já o estilo missões espanholas – inspirado nas construções dos antigos aldeamentos missionários coloniais, com arquitetura simples e robusta – apresenta como elementos principais os frontões triangulares, as varandas entaladas (encaixadas) nas fachadas, a argamassa corrugada, as colunas torsas e, assim como no estilo californiano, os telhados cerâmicos de capa e canal, com beirais curtos ou praticamente inexistentes.

Em muitos casos, os traços dessas duas correntes arquitetônicas foram mesclados entre si e, às vezes, com o neocolonial brasileiro, gerando obras com linguagens bastante específicas e, por que não dizer, genuínas em seu hibridismo.

Projeto em estilo missões espanholas elaborado em 1941 por Francisco Farinelli. Rua dos Timbiras, n. 423, Bairro Funcionários. (Fonte: Sérgio Leão).
Casa térrea em estilo missões espanholas localizada na Rua Tomás Gonzaga, n. 137. Bairro Lourdes. (Fonte: Ulisses Morato).

Por outro lado, a influência francesa na definição de modelos de arquitetura residencial em Belo Horizonte – estabelecida nos primórdios da cidade pelos arquitetos da Comissão Construtora da Nova Capital – terá sua força renovada no período do ecletismo tardio, desta feita com o chamado estilo normando. Essa corrente, inspirada na arquitetura medieval da região da Normandia, na França, busca alguns elementos definidores das suas construções. Nesse sentido, o estilo normando apresenta como suas principais características o enxaimel (trama de madeira aparente, ou imitação, em fachadas de alvenaria), os telhados cerâmicos bem inclinados e, às vezes, as exóticas lareiras e chaminés.

Residência em estilo normando projetada pelo arquiteto Caetano Defranco em 1937, atual Museu dos Brinquedos. Av. Afonso Pena, n. 2564. (Fonte: Sérgio Leão).
Sobrado em estilo normando projetado pelo arquiteto N. Corrêa Bucich em 1933, por encomenda de Antônio Augusto de Oliveira. Atual Grande Hotel Ronaldo Fraga. (Fonte: Grande Hotel Ronaldo Fraga).

Considerando esse percurso histórico, verifica-se que o caleidoscópio arquitetônico que compôs a paisagem urbana da capital mineira no período do ecletismo tardio – englobando as correntes californiana, missões espanholas e normanda – permitiu uma personalização sem precedentes das moradias na cidade, mantendo a arquitetura doméstica, já quase em meados do século XX, como um importante repositório da tradição arquitetônica.

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