Raffa’s Club: Conheça a história do empresário que de vendedor de balas virou o ‘Rei da Noite’ de Juiz de Fora por quase 50 anos


Point da noite juiz-forana e referência nacional, espaço recebeu grandes nomes da música popular brasileira, artistas e políticos entre 1955 e 2001. Inauguração do Raffa’s, em 1955
Reprodução/TV Integração
O tempo passa e, em um piscar de olhos, o presente vira passado e fica na memória. Juiz de Fora completa 175 anos neste sábado (31), e também passou por transformações: os mais jovens que passam pelo segundo andar da Galeria Pio X, por exemplo, podem não imaginar que ali funcionou, por 46 anos, o Raffa’s Club, point da noite juiz-forana e referência nacional, que recebeu grandes nomes da música popular brasileira, artistas e políticos.
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O espaço foi inaugurado em 1955 por Rafael Jorge, empresário de família humilde, nascido em Santana do Deserto e filho dos imigrantes libaneses Tânius Jorge e Maria Rafael Jorge, que vieram para o Brasil em busca de melhores condições de vida.
Visionário, Rafael teve o primeiro emprego aos 10 anos, já morando em Juiz de Fora com a família, como vendedor de balas, pipoca e outras guloseimas no Parque Halfeld. Aos domingos, engraxava sapatos na feira do Bairro Mariano Procópio para, mais tarde, ir à matinê do Cine Rex, que funcionou na cidade até 1979.
Ali, segundo o jornalista Ivanir Yazbeck, no livro “Uma noite no Raffa’s”, o ainda menino daria os primeiros sinais de que amava um bom baile…
‘Rei da Noite’
Com o Diário Mercantil na mão, anunciando a inauguração do Raffa’s, Rafael desce a Halfeld contendo o orgulho
Livro Uma noite no Raffa’s/Reprodução
Aos 14 anos, ele começou a trabalhar na Companhia Mineira de Eletricidade, onde ficou até os 21, como auxiliar de escrita, até receber uma nova função na empresa: organizador de bailes. A partir daí, criou a Noite do Bolero da Mineira, ao lado do amigo Cladsmidt Riani, apelidado de ‘Galeria’, também funcionário da companhia.
Também organizou eventos no Círculo Militar, Sport Club e foi empresário do conjunto musical Raffa’s, que se apresentou em palcos de Juiz de Fora, Rio de Janeiro e outros estados brasileiros.
Anos depois, Rafael deixou a Companhia Mineira para trabalhar no negócio do pai, a lotérica hoje conhecida como “Campeã da Rua Halfeld”.
Em paralelo, seguia na organização dos bailes dançantes da noite juiz-forana, até que em 1955 vendeu o carro que tinha, um Ford Pilot, e decidiu abrir o próprio clube, que funcionou até 2001.
Atrações de renome nacional
Segundo registros da época, o Raffa’s Club abriu as portas no dia 11 de outubro de 1955, às 18h30 em ponto.
A magnitude da casa pode ser simbolizada por apresentações de atrações como Cauby Peixoto, Francisco Carlos, Maysa Matarazzo, Ivon Curi, Grande Otelo, Dorival Caymmi, Ataulpho Alves, Hebe Camargo e a Miss Minas Gerais, Maria Dorotéia.
No primeiro aniversário do estabelecimento, a cantora Ângela Maria, no auge da carreira, foi a grande estrela da noite. À época, todas as mesas foram vendidas, sem que ninguém soubesse da atração. Para a surpresa geral, a artista surgiu no momento do bolo, como a convidada especial do dia.
A cantora Angela Maria foi a atração surpresa no aniversário de um ano do Raffa’s, em Juiz de Fora
Livro Uma noite no Raffa’s/Reprodução
Tamanho sucesso nos mais de 40 anos à frente do Raffa’s fez o empresário ser conhecido também como o ‘Rei da Noite’ ou ‘Corujão Mineiro’:
“Sinto uma vaidade imensa, isso foi realmente gentileza dos homens da nossa capital, de Belo Horizonte, que acharam por bem me conceder esse título, o Corujão Mineiro”, disse o empresário em uma das entrevistas à TV Globo.
‘A partir de agora, a casa é de vocês’
Quem passou pelo estabelecimento o classifica como um lugar inesquecível. O médico Érico Jenz lembra que, apesar de ser denominado um restaurante, o Raffa’s era praticamente uma casa de shows, com apresentações de artistas de grande sucesso.
“A seleção de músicas era impressionante, quase que uma orquestra tocando. Me lembro muito de uma artista local, Claudya, que depois ficou muito famosa até internacionalmente ao interpretar Eva Péron em uma peça musical e ela sempre citava Juiz de Fora nas entrevistas”.
Rafael Jorge com amigos na noite do coquetel inaugural no Raffa’s, em 1955
Livro Uma noite no Raffa’s/Reprodução
O médico lembra ainda do amplo salão, que também já foi palco de desfiles de moda, festas filantrópicas e aulas de dança de salão. Para ele, o Raffa’s era referência de elegância, sofisticação, glamour e atendimento.
“As mesas eram muito bem posicionadas, o serviço dos garçons e o bar funcionavam como se você estivesse em outro mundo. Tinha uma decoração com muito bom gosto. Então era um lugar muito interessante não só pela frequência, mas pelo cuidado que o Rafael tinha com tudo, tanto que ele pessoalmente ia receber as pessoas, o que hoje em dia é difícil de se ver. O Raffa’s foi icônico na cidade de Juiz de Fora, um lugar que deixou saudades. Comida excelente, drinks maravilhosos, música boa e o carinho dos funcionários e do Rafael, que era indescritível, inigualável”, completou.
Palmerinda Dias dos Santos era outra frequentadora que, quando chegava, ouvia do anfitrião a famosa frase “A partir de agora, a casa é de vocês”. Na memória afetiva, ela tem as imagens das roupas especialmente separadas para a noite no Raffa’s.
“Eu me arrumava bastante para ir lá. Vestido de brilho ou social. O Rafael era muito exigente com tudo de lá. Limpeza, música, roupas dos frequentadores”, recordou-se.
A organização, segundo ela, era outro ponto alto do espaço. “Todas as mesas tinham toalhas brancas, passadas, impecáveis. O Rafael fazia revista na casa todos os dias. Banheiros limpíssimos. Lá os copos eram lindos, próprios para cada bebida. A boate só era frequentada por gente elegante, a nata da sociedade. Para entrar, mulheres só de roupa social, de preferência vestido. Homens de terno e gravata e sapato social. Já presenciei homens sendo proibidos de entrar por estarem de tênis. Não podia bermuda e chapéu na cabeça nem pensar”.
O Raffa’s: mais de 40 anos de história em Juiz de Fora
Empresário de visão, atento à cena cultural
Para o historiador Roberto Dilly, que também foi frequentador assíduo do Raffa’s, o sucesso da casa deve-se ao poder visionário de Rafael Jorge.
“O Rafa enxergou as potencialidades de Juiz de Fora e foi seguindo as tendências de casas noturnas do Rio, tornando-se um expert nisso. Naquela época, havia um combinado, como se fosse um convênio entre as rádios, que traziam cantores famosos da Rádio Nacional do Rio – a TV por aqui ainda nem existia – como Caubi Peixoto, Ângela Maria e tantos outros, para apresentações em Juiz de Fora. O Rafael aproveitava a vinda destes ídolos para levá-los ao Raffa’s”, explicou.
As grandes atrações do Raffa’s eram anunciadas na vitrina da Companhia Telefônica na Rua Halfeld
Livro Uma noite no Raffa’s/Reprodução
“Com a eleição do Itamar Franco [à Prefeitura de Juiz de Fora] em 1966, os festivais de música, famosos na Record, atraíram todos os artistas para Juiz de Fora. Itamar tirou o festival do eixo Rio-São Paulo. E o Rafael Jorge estava junto nisso, de olho nessa cultura efervescente, que era a identidade de Juiz de Fora”.
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Para Dilly, o sucesso da casa passou também pelos cuidados nos mínimos detalhes dos serviços oferecidos aos clientes.
“Da cervejinha até o whisky mais caro, o cliente era muito bem serviço. O Rafael cuidava de cada detalhe. A decoração era precisa, a iluminação maravilhosa. Ele era um cavalheiro, um gentleman. Sempre foi muito amigo e simpático. Todo mundo eu o conhecia gostava dele. A postura sempre ereta, era impressionante. Em todos os momentos ele tava alegre, sorrindo”.
Ainda conforme ele, o ambiente familiar foi outro ponto bem explorado pelo empresário.
“Era uma casa com a sensação de ambiente familiar. Por isso que todo mundo com mais de 60 anos que você encontrar vai ter alguma relação com o espaço. Muitos aniversários de família eram feitos lá, já que não era comum naquela época salão de festas como os de hoje. Era chique fazer aniversário no Raffa’s, socialmente falando. As pessoas que não entravam no Raffa’s, talvez por falta de dinheiro, ficavam embaixo, entrada da galeria, esperando”.
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