‘Incompatibilidade genética’ de Mariana Rios: como prevenir doenças nos futuros filhos por meio de testes


Na maioria das vezes, os casais que procuram testes genéticos investigam mutações após casos de doenças na família, para evitar que os filhos tenham a mesma condição. Projeto piloto da USP em parceria com o Ministério da Saúde pretende fazer triagem com 5 mil casais pelo país. Processo de genéticos com fertilização não sai por menos de R$ 30 mil
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A atriz Mariana Rios revelou ao podcast “O Grande Surto” que ela e o namorado, João Luis Diniz, têm uma “incompatibilidade genética” que compromete o sucesso de uma gravidez. O g1 conversou com especialistas para entender como casais podem prevenir gestações que podem vir a ser interrompidas e doenças genéticas em filhos por conta de mutações encontradas em genes dos pais.
No caso de Mariana, a atriz a iniciou o processo de fertilização in vitro (FIV) e os embriões passaram por um exame genético para avaliar as chances de implantação bem-sucedida. Mas o resultado revelou que tanto ela quanto João são portadores do mesmo gene recessivo e os embriões acabaram precisando ser descartados.
Abaixo, nesta reportagem, você vai ver:
O que é incompatibilidade genética e como isso afeta a gravidez e a criança?
Quem deve fazer o teste genético?
Quais testes estão disponíveis e qual é o custo médio?
Quais doenças podem ser identificadas?
O teste garante eliminar o risco totalmente?
O que é o projeto piloto da USP com o Ministério da Saúde?
1 – O que significa a chamada incompatibilidade genética e como isso afeta a gravidez e a criança?
Na verdade, não existe incompatibilidade genética. O que existe é que alguns casais têm risco maior de terem filhos com doenças genéticas recessivas.
Existem muitas doenças genéticas que têm uma herança chamada de autossômica recessiva. Para a criança ter a doença, é preciso receber um gene com a mutação patogênica da mãe e outro do pai.
“Todos nós somos portadores de mutações recessivas, mas com uma mutação somente não acontece nada. O problema é se você e o seu parceiro tiverem mutações para o mesmo gene. Aí, o bebê pode receber duas mutações patogênicas e desenvolver a doença”, explica a geneticista Mayana Zatz, professora titular de genética e coordenadora do Centro de Pesquisa em Genoma Humano da USP.
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Na herança recessiva, por exemplo, se uma mulher tiver uma mutação em um gene que associado à distrofia e o parceiro tiver um associado à surdez, não tem problema, porque mesmo que o filho receba um gene mutado de distrofia ou surdez, com um só não vai acontecer nada.
Mas se a mulher tiver uma mutação da surdez e o parceiro também tiver a mesma surdez, aí ocorre o risco aumentado para os filhos.
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2 – Quem deve fazer o teste genético?
A geneticista Mayana Zatz, professora titular de genética e coordenadora do Centro de Pesquisa em Genoma Humano da USP, explica que, na maioria das vezes, os casais que procuram testes genéticos vão investigar mutações genéticas após casos de doenças na família, para evitar que os filhos tenham a mesma condição. Ou seja: na prática, a maioria dos casais só descobre que têm um risco depois que nasce a primeira criança afetada.
O biólogo geneticista Michel Naslavsky explicou ao g1 que as doenças genéticas são cada vez mais conhecidas, mas nem sempre o diagnóstico vem acompanhado de um tratamento. E, quando o tratamento existe, é caríssimo para a família, para o SUS e para os planos de saúde. Além disso, há todo o sofrimento da família lidando com uma doença grave de uma criança.
Muitos lugares do mundo, como Austrália e Reino Unidos, já estão implementando programas públicos de triagem para casais que querem ter filhos, segundo Naslavsky.
Este tipo de triagem pode fazer com que casais descubram mutações que podem levar a doenças nos futuros filhos e, a partir daí, passar um aconselhamento genético, que informa sobre os riscos e opções reprodutivas.
Para prevenir casos de doenças genéticas em bebês de futuras gestações, o Centro de Pesquisa em Genoma Humano da USP e parceiros em outros estados brasileiros lançarão um projeto piloto que vai fazer uma triagem de casais em idade reprodutiva pelo país, de forma gratuita.
“Se o casal tem histórico de alguma doença genética na família ou perdas gestacionais recorrentes, falha de implantação, é importante consultar um médico geneticista que indicará se há necessidade e qual a melhor forma de investigação e de redução de riscos”, explica o Dr. Carlos Grangiero, da Sociedade Brasileira de Genética Médica.
3 – Quais testes estão disponíveis e qual é o custo médio?
Os principais tipos de testes genéticos disponíveis para adultos e crianças com doenças genéticas – para evitar a geração de embriões com mutações herdadas – e sua capacidade de detecção são:
Painéis genéticos direcionados (teste de poucos genes): Detectam de 10 a 500 mutações específicas, geralmente associadas a uma condição ou grupo de doenças, como câncer de mama hereditário e distúrbios metabólicos.
Painéis multigênicos amplos: Detectam milhares de variantes em dezenas a centenas de genes relacionados a diversas doenças genéticas. São usados para a triagem de risco genético para várias condições hereditárias ao mesmo tempo.
Exoma completo (WES – Whole Exome Sequencing): Detecta mutações em todos os genes codificadores de proteínas (~20.000 genes). Pode identificar até 85% das mutações causadoras de doenças conhecidas, já que a maioria das doenças genéticas conhecidas está no exoma. Detecta dezenas de milhares de variantes por pessoa, das quais uma fração pode estar associada a doenças.
Genoma completo (ntro-genome sequencing WGS): além das regiões codificantes, os genomas completos podem identificar alterações em ntrons e regiões intergênicas. Aos poucos vem sendo incorporado no âmbito clínico por ser mais desafiadora sua interpretação.
A variação de custos dos testes oferecidos pelos laboratórios é muito alta. Muitos, por exemplo, não oferecem mais os painéis multigênicos, porque o exame conhecido como “Exoma Completo” diminuiu muito de preço e em alguns casos somente este é oferecido.
Para o casal, o custo do exoma e outros testes complementares costuma, por exemplo, ficar em torno de R$ 10 mil para os dois. Este custo é inclui também a consulta de aconselhamento genético. Já o processo que inclui também a fertilização não sai por menos de R$ 30 mil.
Simulação de teste genético pré-implantacional na gertilização in vitro
Divulgação
4 – Quais doenças podem ser identificadas?
A ciência já identificou mais de 8 mil doenças de origem genética (monogênicas, aquelas causadas por grandes alterações em um gene único). O número está em constante crescimento, à medida que os avanços nas tecnologias de sequenciamento de DNA permitem descobrir novas condições com causas genéticas. Essas doenças podem ser:
Monogênicas: ex: fibrose cística, anemia falciforme e doença de Huntington
Multifatoriais: diabetes tipo 2, hipertensão e alguns tipos de câncer
Cromossômicas: ex: síndrome de Down, síndrome de Turner e síndrome de Klinefelter
5 – O teste garante eliminar o risco totalmente?
Todo casal tem risco de filhos com doença genética ou malformações congênitas. Esse risco médio, ou populacional é de cerca de 5%. Mas alguns casais tem risco maior quando tem história familiar positiva ou tem algum parentesco (consanguíneos).
Mesmo com o mapeamento, não é possível descartar uma mutação nova numa gestação concebida naturalmente, ou doenças genéticas causadas por genes não investigados pelos testes ou mesmo doenças multifatoriais, onde vários genes e o ambiente interagem para a doença se manifestar.
A geneticista Zatz conta que já atendeu um casal que fez os testes genéticos e descobriu não ter o gene para uma doença da família. Mas eles descobriram que tinham o risco de uma outra doença recessiva que podia ser tratada, desde que diagnosticada ao nascimento, o que foi muito positivo.
5 – O que é o projeto piloto da USP com o Ministério da Saúde?
O projeto vai recrutar casais e, através de exames genéticos e consultas de aconselhamento genético, vai informar sobre os riscos e opções reprodutivas, além de avaliar o potencial impacto em saúde pública, caso o SUS venha a adotar um programa de triagem. O estudo é financiado pelo Programa Genomas Brasil, do Ministério da Saúde, conta com diversos pesquisadores e é coordenado pelo biólogo geneticista Michel Naslavsky.
A ideia é que casais em idade reprodutiva que querem ter uma criança possam testar se eles têm o risco aumentado para centenas de doenças genéticas recessivas. Esses casais deverão procurar o projeto – que estará presente em vários centros do Brasil – e manifestar o interesse em serem testados. O projeto ainda está em fase de elaboração e deve ser lançado oficialmente em breve.
“O Brasil tem um sistema universal de saúde, que também arca com tratamentos caríssimos. Então, a gente submeteu ao Ministério da Saúde um projeto para verificar qual seria o impacto de uma triagem como essa num país como o Brasil, onde não se sabe a prevalência de boa parte dessas doenças. Essa também pode ser uma das explicações para casais em tratamento de fertilidade”, explica o biólogo.
Com o projeto, o casal fará o teste genético e se eles tiverem risco aumentado para alguma doença, a equipe vai informar sobre os riscos e opções reprodutivas em consulta de aconselhamento genético e oferecer o diagnóstico pré-implantação. Na etapa da reprodução assistida, serão avaliados os embriões formados e será observado qual embrião tem as mutações identificadas no casal, que alteram a dose dupla do gene. E esses embriões não serão implantados. Com isso, o projeto vai possibilitar que casais em risco, que optem por esta via reprodutiva, tenham filhos sem doença de origem genética investigada.
Distrofia de Duchenne
Zatz, por exemplo, estuda a chamada distrofia de Duchenne, uma doença onde a criança nasce aparentemente normal, mas tem uma mutação que faz com que ela pode perder a musculatura aos 10 ou 12 anos e precisar de uma cadeira de rodas.
A incidência dessa doença é 1 em 3.500 meninos (só afeta o sexo masculino) e dois terços dos casos são herdados geneticamente. Um terço ocorre por causa de mutação nova, que não pode ser evitada e pode afetar qualquer pessoa.
“Hoje existe uma terapia genética que está sendo oferecida e a gente sabe que os resultados são muito modestos, mas custa US$3 milhões por paciente. E os pacientes entram com mandado de segurança aqui no Brasil para conseguir. Então, justamente pelo fato de algumas doenças poderem ser tratadas a um custo exorbitante, o governo se interessou em tentar prevenir o nascimento”, explica Zatz.
Toda vez que a médica vê um caso desta doença, por exemplo, a equipe estuda a mãe e se ela tiver a mutação, isso significa que as irmãs dela e outros parentes também podem ter e estar em risco. Em famílias desavisadas, a mãe pode ter dois filhos antes de saber que ela tem o risco. Às vezes, antes de fazer o diagnóstico da primeira criança.
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