A professora e autora baiana Maria Brasil tem o objetivo de olhar para além da superfície. É dela o livro Marcas com alma, lançado em março deste ano, que reúne entrevistas com 14 empresários que traduzem, na prática, os valores que defendem, ao mostrar que a alma de uma marca é, antes de tudo, o reflexo da sua coerência. Para Maria, marcas com alma são aquelas que conseguem gerar uma conexão mais forte com os públicos interno e externo. “O colaborador que trabalha bem, que entende ao que ele está servindo e o porquê que está ali, vai atender o cliente muito melhor”, afirma a autora. No cenário baiano, Maria também reflete sobre a construção de marcas sólidas, mesmo diante de obstáculos estruturais. “As empresas fazem a diferença quando valorizam seu pessoal, porque senso de pertencimento é algo que todo ser humano precisa”. Para A TARDE, Maria ainda fala sobre o caso da influenciadora Virgínia Fonseca que viu o número de seguidores diminuir e a marca pessoal ser desestabilizada depois da participação na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das bets. “Acho que cada um deve dar atenção e dinheiro àqueles que se sentem alinhados com os valores e as causas que compartilham”, comenta Maria.O que são marcas com alma?São aquelas que conseguem gerar uma conexão muito mais forte com os públicos estratégicos. Todos eles: tanto quem está dentro da empresa quanto quem está fora. O livro surgiu a partir de um questionamento meu de como marcas desejam encantar os potenciais clientes sem antes cultivar uma relação forte com os colaboradores. As conexões profundas vêm a partir da união do entendimento de posicionamento de marca com a cultura organizacional. Marcas com alma são aquelas que têm compromissos públicos com a sociedade, que têm engajamento interno, são marcas que conseguem realmente encantar e puxar para perto os clientes, no intuito de gerar uma comunidade. No meu livro, eu trago entrevistas com 14 organizações globais e brasileiras. Um exemplo baiano é o da Acqua Aroma, uma marca de varejo que está em shoppings pelo Brasil inteiro. Começamos o trabalho com eles em 2018 e notamos como o propósito gera um engajamento maior para os colaboradores, que passam a se identificar com aqueles valores da marca e a manifestar isso. Esse comportamento passa a ser refletido no atendimento ao cliente. O colaborador que trabalha bem, que entende ao que ele está servindo e o porquê que está ali, vai atender o cliente muito melhor e vai ser também um canal de manifestação dos valores daquela marca externamente.Quais que são os principais pilares para construir uma marca forte e autêntica?O primeiro passo é entender quem você é como marca e quais são os valores, no que eles se sustentam. A partir disso, é preciso ter a equipe interna alinhada a isso e próxima a você. Esse engajamento interno é muito importante. Porque não adianta de nada as marcas comunicarem esses valores para fora e a pessoa que mais deveria estar envolvida naquilo tudo, que é o colaborador, estar completamente alheia ao processo. A valorização das pessoas é chave aqui. Um exemplo que eu trago no livro é de uma das entrevistadas, a empresária Luiza Trajano. Ela fala que a cultura da empresa é a espinha dorsal da organização. Se ela se quebra, ninguém mais anda. Outro entrevistado, o fundador da Natura, Luiz Seabra, fala que uma organização, assim como os indivíduos, tem uma alma. Essa alma se fortalece à medida que os indivíduos que estão dentro da organização têm um entendimento de que estão servindo algo que está acima de todos eles. Isso, às vezes, vai além da própria compreensão. É algo que se sente e não se consegue explicar. Para fora da empresa, é preciso ter um bom atendimento, uma boa experiência do cliente. Mas, além disso, mais do que falar com o cliente, é importante considerar o planeta. Grande parte das empresas com as quais eu conversei, e estão no livro, são certificadas como Empresas B, um selo que garante esse compromisso com sustentabilidade, equidade e regeneração. A marca precisa dizer à sociedade a que veio e o que está fazendo para melhorar o impacto que ela mesma causa. Seja em termos de sustentabilidade ambiental ou responsabilidade social: uma marca precisa se comprometer com algo que dê retorno para a sociedade.Diante dos desafios relacionados à educação básica na Bahia e a predominância de empresas familiares com gestão pouco estruturada, como é possível construir uma marca sólida e competitiva nesse cenário?Existem muitas questões que são de responsabilidade pública, governamental, como a educação, por exemplo. Mas, eu acredito que as empresas fazem a diferença quando valorizam seu pessoal, porque senso de pertencimento é algo que todo ser humano precisa. Existem muitas empresas com iniciativas voltadas para a educação, independentemente do ecossistema. A rede de cafeterias americana Starbucks, por exemplo, tem uma universidade. Eles ajudam a pagar os custos de educação para o colaborador, porque eles entendem que não é o objetivo de vida da pessoa ser um atendente de balcão do Starbucks. Eles acreditam que é preciso ajudar a pagar essa mensalidade da universidade para que o colaborador possa sair de lá uma pessoa melhor. E é claro que a pessoa vai trabalhar mais feliz. Isso gera engajamento.
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Diante da recente convocação da influenciadora e empresária Virginia Fonseca para a CPI das bets, que gerou uma onda de críticas à sua conduta, como essa situação impacta a construção da marca pessoal dela? Na sua avaliação, essa polêmica representa uma quebra significativa de confiança e credibilidade com o público que a admira, ou ainda existe espaço para ela reverter essa percepção?O ser humano está sempre mudando e todos nós temos espaço para regenerar nossa conduta e, a partir disso, recobrar a credibilidade. O que eu acredito é que a autenticidade de uma marca vem da coerência entre o que a ela fala, faz e manifesta. No caso de Virgínia, o desempenho na CPI foi apenas a cereja do bolo de todo um processo no qual ela já estava envolvida. Ela aceitou fazer publicidade para os jogos de azar com uma cláusula contratual focada em ganhar dinheiro em cima de quem perde. A participação dela na CPI é apenas um sintoma de algo que ela já estava fomentando há muito tempo. Se na visão de Virgínia isso não é problemático, então, é possível perceber toda a cadeia de valores que ela tem. Pessoas se conectam com empresas e marcas a partir do compartilhamento de valores. Talvez essa debandada de seguidores tenha vindo de pessoas que não compartilham ou compactuam com esta conduta. Virgínia, com todo o poder e influência que tem, com uma máquina de comunicação na mão, escolheu valorizar os jogos de azar que, comprovadamente, fazem mal a tanta gente em um país que tem deficiências em vários níveis. Bets são uma questão de saúde mental pública. Acho que cada um deve dar atenção e dinheiro àqueles que se sentem alinhados com os valores e as causas que compartilham.As redes sociais são um ambiente propício para a construção de comunidades e conversas profundas ou elas estão limitadas a conteúdos mais superficiais e efêmeros?Por muito tempo eu enxerguei que a internet era um lugar de conversas rasas. Mas, acabei quebrando essa crença limitante. Apesar de eu vir da academia, de ser professora e entender a profundidade de uma conversa, eu também enxergo que as redes sociais conseguem oferecer acesso para muita gente a certos conteúdos – conversas que antes estavam restritas às salas de reunião, salas de aula, ambientes acadêmicos. E, se você souber escolher as pessoas certas para seguir, vai ser exposto a muito conteúdo de qualidade. Há uma microtendência que marca a volta do conteúdo denso nas redes sociais. Se antes os vídeos com dancinhas dominavam a internet, atualmente, especialmente no Instagram, vemos a volta dos carrosséis com 10, 15 slides, todos com texto, que estimulam a reflexão. E na aba dos comentários, as pessoas estão interagindo. As comunidades são criadas em torno de ideias e comunidade é isso: tornar comum alguma ideia de mundo que todos nós compartilhamos e queremos discutir entre nós. Não é só sobre a relação do seguidor diretamente com o influenciador ou vice-versa. A conversa deve ser lateral. A caixinha de comentários virou um espaço de formação de comunidade para muita gente. Então, existe espaço para compartilhar conteúdo de qualidade na internet, se você souber puxar para perto essas pessoas que também compartilham dessa ideia e que vão fomentar essa sua comunidade. Estamos vivendo uma aceleração, o algoritmo nos empurra para vários lados e a gente não consegue mais ter nem oito segundos de atenção. É claro que tudo isso são bolhas, são nichos. Não necessariamente corresponde ao coletivo, mas são observações que faço sobre o comportamento das pessoas e que eu acho muito interessantes.