
Gravações mostram interrogatório do réu e depoimentos de Isabela Tibcherani e ex-esposa no julgamento dele. Elas presenciaram quando empresário matou a tiros Rafael Miguel e pais do ator por não aprovar namoro com a filha em 2019. Acusado foi condenado a 98 anos. Cupertino nega ter matado Rafael; veja trechos do interrogatório
Paulo Cupertino Matias falou que não faria do seu júri um “circo”, se virou e levantou do banco dos réus quando foi interrogado e acabou advertido pelo juiz por mau comportamento. Contrariou suas próprias advogadas de defesa por falar, quase que sem parar, por mais de duas horas. E citou Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para fazer uma comparação de que, assim como o ex e o atual presidente do Brasil, ele também fala o que sente e pensa.
O que aconteceu acima foi gravado por uma câmera do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) durante o julgamento do réu, com a ciência dele, na última quinta-feira (29) no Fórum Criminal da Barra Funda, Zona Oeste da capital.
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O g1 e o Fantástico tiveram acesso a este vídeo e também às filmagens dos depoimentos de Isabela e sua mãe, Vanessa Tibcherani, respectivamente, filha e ex-esposa de Cupertino (veja vídeo acima). Elas falaram individualmente e sem a presença dele.
Apesar de ter alegado inocência, na sexta-feira (30) Cupertino foi condenado a 98 anos de prisão em regime fechado acusado de ter matado a tiros o namorado da sua filha, por não concordar com o romance deles, e os pais do rapaz. O crime ocorreu em 2019.
O ator Rafael Miguel e o casal Mirian e João Miguel foram mortos com 12 tiros no total. Cupertino fugiu após o crime e foi capturado e preso pela polícia em 2022.
Veja abaixo alguns trechos do que Cupertino, Isabela e Vanessa disseram:
Cupertino
Paulo Cupertino gesticula durante seu interrogatório
Reprodução
Cupertino foi interrogado somente por sua defesa, já que não quis responder às perguntas do Ministério Público (MP), responsável por acusá-lo pelo crime. O réu começou dizendo às advogadas que não cometeu o crime.
“Impossível, entendeu, eu ter cometido esse crime”, diz Cupertino no vídeo do júri. “Eu não matei o Rafael, eu não matei a família.”
“Eu nunca na minha vida, eu nunca na minha vida, eu tive conhecimento do Rafael, Eu tive conhecimento da senhora Mirian, eu tive conhecimento do senhor João, tá?”, reforça.
Depois disso, o acusado passou a falar sem parar, não permitindo que sua defesa conduzisse seu interrogatório. Durante sua fala, Cupertino quis dizer que tem duas armas, que eram regularizadas, mas que não estava com elas no dia do crime.
Só não explicou como elas sumiram e não foram encontradas depois pela polícia.
“As minhas armas de excelência, todas as duas, eu tinha porte e registro das armas. Um revólver calibre 38 e uma pistola 380. Agora, no dia dos fatos, eu não estava armado. Mostra para mim a filmagem que eu estava com a arma na mão. Mostra para mim eu atirando no Rafael. Mostra para mim eu atirando na senhora Mirian”, fala.
Câmeras de segurança gravaram Cupertino fugindo após o crime.
Cupertino bebe água durante seu interrogatório
Reprodução
Em dado momento, como num monólogo, Cupertino falou que não tinha motivo para atirar nas vítimas e que somente após o crime soube que Rafael era um ator. Também alegou que não é verdadeira a acusação de que ele matou o rapaz e seus pais porque era contra o namoro da filha:
“A minha vida inteira, eu não teria motivo para matar eles”;
“O pouco da história que eu sei do Rafael hoje é o que eu vejo na prisão. Era o Rafael, que era de trabalho de novela”, disse. “Quem era o Rafael na minha vida? Era aquele garoto que fazia o comercial da farinha láctea”;
“Seria o maior privilégio da minha vida ter conhecido o Rafael. Então, foi vetado. Não por mim, porque eu nunca proibi. Eu nunca soube que a Isabela namorava”.
Rafael Miguel e os pais dele, João e Miriam, que foram mortos por Paulo Cupertino
Reprodução
Ainda sobre sua relação com Isabela, Cupertino comentou que não a agredia e que ela inventou que o ouviu atirando contra Rafael, Mirian e João.
“‘Como é que você era como pai?’ Chato. Não tinha essa de bater, de espancar, de amarrar…”;
“Eu tenho certeza disso para qualquer um. Para qualquer um de vocês. Ela [Isabela] não ouviu nada. Ela não presenciou. Ela não presenciou isso. ‘Ah, eu ouvi os disparos.’ Como é que ela ouviu se ela estava no quarto?”, pergunta Cupertino sobre Isabela;
“Eu acho que ela foi iludida, abduzida, ela foi aliciada psicologicamente”, diz ele ainda sobre a filha. “Eu amo a Isabela. ‘Ah, você tem raiva.’ Não tenho um pingo de raiva da Isabela.”
Falar de Isabela foi uma das coisas que Cupertino mais fez no julgamento. Ele ainda lamentou o fato de a filha não querer mais usar o sobrenome dele.
“Cupertino é o meu sobrenome, e é um sobrenome que eu trago com muito orgulho, porque é o sobrenome da minha mãe. A minha filha se chama Isabela Tibcherani Cupertino Matias. A primeira coisa que ela fez, Excelência, foi tirar o nome dela, Cupertino”, fala o réu.
Cupertino discute com advogada da sua própria defesa que pede para ele deixá-la fazer perguntas
Reprodução
Em outro momento, quando Cupertino continuava a falar, olhando para trás, para a plateia e eventualmente para os jurados, uma de suas advogadas, Mirian Souza, o interrompeu, deixando-o irritado. Os dois discutiram.
“Ah, mas a sua filha fala que você matou. A sua ex-mulher fala que você matou. A minha filha, ela foi alienada. Não, doutora, não era isso que a senhora queria? Não era a verdade? Só a verdade em cima da verdade? Então, o juiz está aqui. Se ele mandar eu parar de falar, eu acho que eu tenho que parar de falar”, disse Cupertino, contrariando sua advogada Mirian Souza, que não conseguia fazer perguntas ao próprio cliente.
“É só para que a gente consiga fazer uma linha do tempo”, diz a advogada de defesa, que é rebatida pelo réu: “Doutora, isso é um desabafo. Não tem linha do tempo, doutora. Então, a senhora está me cortando.”
Cupertino falou pouco sobre o crime pelo qual respondia. Quando tocou no assunto, sugeriu que quem assassinou as vítimas foi um “vagabundo” não identificado:
“Eu fui covarde porque eu poderia ter evitado, policial, eu poderia ter evitado a situação, porque, quando eu vi a cena, o vagabundo, o infeliz que estava lá, que cometeu isso”, diz o réu.
Dizendo ser inocente das acusações, Cupertino também olhou para os familiares das vítimas que estavam na plateia e afirmou: “Eu não tenho que pedir perdão, tá? Porque não carrego isso no meu coração”.
Durante fuga, Paulo Cupertino passou por seis cidades paranaenses, além de Jataizinho
Chamando a polícia de “incompetente” por não ter conseguido prendê-lo antes, Cupertino falou que seria morto se não se escondesse.
“Se eu não fugisse, eu morreria”, fala. “Nem foi uma fuga, essa fuga que se fala com toda convicção, que foi uma fuga espetacular, que eu sumi, que eu fui para outro país, uma cambada de incompetente.”
“E me colocaram na Interpol, me colocaram lá na fronteira do Paraguai. Quem dera eu… Para que que eu ia fazer no Paraguai? Em primeiro lugar, nunca fui traficante”, afirma. “Fui preso a dois quilômetros do local onde aconteciam os fatos, não teve reação nenhuma.”
Paulo Cupertino se vira para a plateia, se levanta do banco dos réus e vai discutir com promotores e assistente de acusação
Reprodução
Durante o interrogatório de Cupertino, ele se voltou contra a acusação, formada pelos dois promotores e o advogado assistente, respectivamente Thiago Marin e Rogério Zagallo, além de Fernando Viggiano. O réu se levantou e partiu para cima deles.
“Se você quer me cortar, fica à vontade”, disse Cupertino para a mesa do Ministério Público.
Logo em seguida foi repreendido pelo juiz Antonio Souza: “Primeiro, o senhor fica sentado. E segundo, que eu vou pedir que trate com urbanidade todo mundo aqui”.
“Eu estou alterado”, alega Cupertino ao magistrado. “Desculpa a forma de estar falando.”
Em outro momento, Cupertino quis comparar sua maneira de se expressar com a de Bolsonaro e Lula.
“Por que o Bolsonaro foi lá e falou que tomou a vacina e não tomou? Por que o Lula falou que tem o [inaudível]?”, indaga Cupertino, querendo dizer que também é sincero quando se expressa: “Aqui é um homem empolgado, esmagado, calejado, sofrido. Entendeu? Numa cadeia maldita”.
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Enquanto continuava a falar sem deixar sua defesa fazer perguntas, Cupertino disse ao juiz: “Em momento nenhum eu quis fazer desse plenário um circo”.
“Eu sei que o senhor, que a sua caneta, é pesada”, afirmou, olhando para o magistrado, querendo se referir ao fato de que ele seria o responsável por aplicar a pena pelo crime em caso de condenação.
E ainda antes da votação dos jurados para decidir se o réu deveria ser absolvido ou condenado, Cupertino fala olhando para eles sobre o tempo de cadeia em que poderia ficar preso:
“Se acontecer de vocês me condenarem (…), não vem com cadeia de 20 anos, 30 anos, não, que eu não quero. Tem que ser chapoletada, porque é um triplo homicídio”.
Isabela
Isabela Tibcherani chora durante seu depoimento no julgamento de seu pai, Paulo Cupertino, a quem acusou de matar o namorado dela e os pais do rapaz em 2019
Reprodução
Antes do interrogatório de Cupertino, Isabela pediu que o pai não estivesse presente. Ela foi a primeira das oito testemunhas ouvidas no processo. Disse que seu pai não permitiu o namoro dela com Rafael e ameaçou matá-la com sua mãe quando descobriu o romance.
“Eu lembro que ele me pegou pelo pescoço, me prensou contra a parede, me chamou de mentirosa, dissimulada, falou que eu era igual a minha mãe… nós éramos muito mentirosas, e ele devia ter dado um tiro na minha cabeça e na dela”, afirmou sobre o momento em que o pai descobriu que ela namorava Rafael escondido e que sua mãe, Vanessa, acobertava os dois.
E contou que, no dia do crime, voltou para sua casa com Rafael e o pais dele no carro da família do namorado.
Disse ainda que quando chegou se surpreendeu com a presença de Cupertino dentro da residência. “Foi no momento em que ele fechou a porta. Fechou agressivamente a porta, nem dando a possibilidade de conversa, nem nada.”
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Filha de Paulo Cupertino comenta condenação do pai
Ainda segundo Isabela, em seguida ela ouviu os tiros de dentro de sua casa para a rua, onde estavam Rafael e seus pais.
“Quando eu escutei os disparos, eu abaixei no chão e… Tapei os ouvidos e falava: ‘Não, não, não’”, disse Isabela. “E aí quando parou o barulho dos disparos, eu fui imediatamente correndo para fora da casa e foi onde eu me deparei com a cena dos corpos, que era o corpo da mãe do Rafael caído na guia ao lado do carro. O corpo do Rafael caído em cima do corpo da mãe, meio sobreposto. E o corpo do pai do Rafael ainda no meio da rua.”
Ela chorou em alguns momentos ao lembrar dos assassinatos do namorado e dos pais dele. “De fato ele tinha morrido e o que estava acontecendo, enfim…”, falou. “E aí foi quando eu comecei a me desesperar mais.”
Vanessa
Vanessa Tibcherani também falou que o ex-marido, Paulo Cupertino, matou o namorado de sua filha e os pais do rapaz
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Vanessa, ex-esposa de Cupertino, também falou sem a presença do réu. Logo no começo de seu depoimento afirmou: “O que eu posso dizer é que ele assassinou as três pessoas a sangue frio”. E depois comentou sobre o comportamento violento, agressivo e misógino contra ela e a filha.
Nem o g1 nem a TV Globo conseguiram localizar a defesa de Cupertino para comentar o assunto. Atualmente ele está preso no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Guarulhos aguardando uma vaga em alguma penitenciária do estado de São Paulo para cumprir sua pena por triplo homicídio duplamente qualificado por motivo torpe e recurso que dificultou as defesas das vítimas.
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