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Ensinando luta, aprendendo emoçãoO caminho da profissão, no entanto, demorou um pouco mais de chegar. Por amar treinar, ser boa no que fazia e lutar bem, Bia se tornou professora, e aos 15 anos de idade começou a dar aula. Enquanto passava conhecimento da prática física do boxe para as alunas, a lutadora começou a receber em troca o sentimento que elas viviam no ringue, despontando no coração um sonho distante de parar de ensinar e passar a lutar.“Elas me descreviam o boxe, a sensação de luta, maravilhosamente bem. Isso foi criando um interesse em querer viver também essa adrenalina que elas me descreviam, e eu passei a achar que tinha algo errado. Que eu deveria lutar, até para poder explicar melhor às alunas o que elas sentiriam no ringue”, conta Bia.Assim, em 2014, Bia foi parar em Balneário Camboriú para seu primeiro campeonato, já no Brasileiro – e não deu certo. Na primeira luta, Bia venceu, mas foi desclassificada por regulamento, já que também treinava Muay Thai, violando o código da Associação Internacional de Boxe. Bia foi suspensa por dois anos, e pensou em tudo menos desistir.
Bia Ferreira
| Foto: Reprodução I Instagram
“Isso não me desanimou. Eu percebi que eu era muito boa, cheguei em uma competição de veteranas que ficaram se perguntando quem eu era, e isso me incentivou a querer. A achar que eu tinha condição, que podia escolher o boxe como profissão. Daí, não parei mais”, diz.Bia foi para São Paulo, e conheceu a sensação que as alunas tanto relatavam. “Da minha primeira luta até a última é a mesma sensação, a mesma adrenalina. Eu não me vejo mais sem sentir isso, se eu não fizesse isso eu seria muito infeliz. É uma sensação maravilhosa, é uma adrenalina surreal. Ao mesmo tempo que parece que é muito rápido lá em cima no ringue, passa tudo em câmera lenta. Eu fico com uma felicidade tremenda quando eu tô em cima do ringue, eu me divirto. Na hora da luta é maravilhoso. Eu amo lutar, nunca senti nada assim”, conta.O caminho de Bia se direcionou para o Sudeste, mas a Bahia e o Nordeste seguiram com ela como a grande academia de talentos na luta. “A Bahia tem o dendê. Lá, os projetos sociais fazem com que seja muito comum fazer boxe, teatro, dança, capoeira. Eu fiz todos eles, porque era de fácil acesso. Acho que isso também acrescenta muito ao meu comportamento hoje no ringue, à minha desenvoltura, minha apresentação. O pessoal baiano investe muito na base, no começo, e assim consegue ter muitos atletas de alto rendimento”, comenta.
Bia Ferreira, boxeadora baiana
| Foto: Alexandre Loureiro/COB
Ringue femininoNo mundo do boxe como carreira, Bia passou a desbravar caminhos percorridos pela primeira vez por ela, especialmente como mulher no ringue. Nos treinos, muitas vezes, enfrentava homens, pela ausência de adversárias femininas que vinha vivendo desde a infância, quando ainda brincava de lutar.“Eu chamava meus amigos para brincar de boxe, para tentar convencer as meninas a brincar. Até que eu conseguia fazer um, dois treinos, depois as meninas desistiam e eu continuava. Então, tinha os meninos lá e eu brincava com eles e estava tudo certo. No começo foi um pouco ruim, mas conforme eu fui crescendo, o cenário mudou. Hoje a gente tem muitas meninas”, celebra.“Sempre que tenho oportunidade, eu ressalto que boxe não considera personalidade, gênero, nada. É um esporte como outro qualquer, com muita disciplina. Hoje, acho que toda mulher precisa saber um esporte de defesa para poder se defender, porque o mundo está bem perigoso, e isso aumentou essa procura, deixou pais de meninas mais flexíveis e aumentou o apoio feminino ao esporte”, continua.Desbravando o caminho com base na luta, chegou para Bia a primeira grande oportunidade – participar do projeto Vivência Olímpica em 2016, com 20 promessas brasileiras de diversos esportes tendo a chance de conviver com os atletas que iriam para as Olimpíadas. Assim, Bia acompanhou Adriana Araújo, dona da primeira medalha feminina brasileira no boxe com o bronze em Londres 2012.“Na Bahia, eu via meninas treinando e tinha como referência. Quando me mudei, fiquei sem a referência, mas sempre tinha a memória de que elas lutavam, que eram boas. Na preparação da Adriana para o Rio, foi quando vi que eu estava no caminho certo. Ela conversou muito comigo, me mostrou competições que tinha participado, e isso despertou em mim a vontade de ter também uma medalha olímpica”, conta.
Bia Ferreira pelo Time Brasil
| Foto: Alexandre Loureiro/COB
Lutando pelas OlimpíadasFoi então que Bia decidiu se tornar medalhista olímpica, e como tudo em que decide fazer, deu um jeito de conseguir. Começando a carreira mais velha do que o normal, aos 23 anos, a pugilista topou o desafio de almejar o topo do esporte. “Eu sabia que eu estava numa luta contra o tempo e eu tinha que aproveitar as oportunidades. Não é impossível, só depende da gente e da nossa mente. Eu concentrei, foquei naquilo ali e acreditei”, diz.”Eu concentrei naquilo ali. Todos os treinos que eu fazia no CT, eu imaginava que era o meu último. Sou muito disciplinada, e quando eu coloco na cabeça que eu quero uma coisa, eu não paro até conseguir. Esquematizei na minha mente que tinha cinco competições que eu deveria participar – Sul-Americano, Pan-Americano, Continental, Mundial e Jogos Olímpicos – e eu queria o pódio em todas elas”, afirma.Nos últimos nove anos, Bia viveu uma checklist. Tudo começou com a entrada para a Seleção Brasileira em 2017, quando haviam apenas duas mulheres na equipe, que ficavam no quarto dos fundos da casa dos lutadores masculinos. Lá, Bia participou e medalhou em todos os torneios, se tornando campeã paulista, brasileira, sul-americana, pan-americana – com o primeiro ouro brasileiro – e mundial, eleita melhor atleta do campeonato global em 2019.Nos Pan-Americanos de 2023, comemorou ainda a força do boxe feminino no Brasil, que teve medalhas para todas as suas seis participantes – quatro ouros (sendo um de Bia, bicampeã), uma prata e um bronze. Em meio a tantas medalhas, veio a tão sonhada olímpica, com Bia chegando ao pódio pela primeira vez na prata de Tóquio 2020, medalha mais valiosa na história do boxe feminino brasileiro, após vencer todas as lutas por 5 a 0 até a semifinal, e pela segunda em Paris 2024, com o bronze.
Bia Ferreira com a medalha de prata em Tóquio 2020
| Foto: Jonne Roriz/COB
“Eu estava com muita raiva porque eu não fui campeã, mas foi um momento muito especial porque passou um filme na minha cabeça. Naquela hora (de subir ao pódio), meio que esqueci a raiva. Me deu uma memória tremenda e uma gratidão incrível porque eu tive que abrir mão de bastante coisa para poder conseguir estar ali, e naquele momento eu só tinha gratidão porque valeu muito a pena. Se eu pudesse voltar no tempo, faria tudo de novo, não mudaria nada. Até o que deu errado valeu a pena porque me ensinou alguma coisa”, conta.