Neste quarto artigo sobre a evolução da arquitetura de Belo Horizonte – num momento excepcionalmente oportuno, já que, neste ano, o estilo completa 100 anos no mundo – iremos abordar o Art Déco, estilo artístico e arquitetônico europeu que ganhou repercussão internacional a partir da célebre Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas, realizada em Paris, entre abril e outubro de 1925.
Organizado pelo governo francês, o evento teve como objetivo destacar as novas tendências da arte e do design europeus. Os vários tipos de artefatos da exposição, que abrangeram desde objetos de design até edifícios, deixaram a estética historicista de lado e buscaram expressões artísticas modernizantes apoiadas na indústria. Posteriormente, o termo “Artes Decorativas”, que compunha o título da exposição, foi abreviado para Art Déco.
No campo da arquitetura, o estilo propagou-se rapidamente sobretudo pela Europa e pelas Américas. Cidades como Paris, Miami, Nova Iorque, Rio de Janeiro e Goiânia passaram a abrigar importantes acervos de construções Art Déco. Assim, já no final dos anos 1920, em sintonia com a cena internacional, Belo Horizonte engajou-se nessa nova corrente estilística, consolidando-se como um dos principais polos do Brasil na criação dessa linguagem arquitetônica. A capital mineira, seguramente, possui um dos maiores acervos desse estilo no país, tendo atualmente mais de 200 imóveis tombados, outras centenas em processo de tombamento e inúmeros que simplesmente ornam a paisagem urbana.
Se a arquitetura eclética representou a oligarquia agrária da República Velha, as construções Art Déco foram um dos marcadores da Era Vargas, que se instalou no Brasil com a Revolução de 1930, num momento de afirmação dos setores da economia urbana e industrial. Nesse sentido, a racionalidade, modernidade e imponência do Art Déco, foram amplamente exploradas na arquitetura do Estado Novo, implantado pelo presidente Getúlio Vargas.
Por outro lado, esse estilo arquitetônico teve grande aceitação no país e se disseminou amplamente, extrapolando as realizações da Era Vargas (1930-1945). Segundo os historiadores Mendes, Veríssimo e Bittar, na época:
[…] o Art Déco representava um ideal moderno e converteu-se na primeira manifestação de “arte de massa”, difundindo-se entre todos os programas de arquitetura no Brasil do Estado Novo, por todas as classes sociais e em todos os pontos do país.

Em Belo Horizonte, o período de maior incidência do Art Déco ocorreu precisamente nas décadas de 1930 e 1940, marcadas por forte intervenção do poder público na economia e intenso crescimento urbano. Destacam-se, nesse contexto, a ampliação da oferta de edifícios públicos e corporativos, estações de bondes, hospitais, escolas, cinemas e hotéis — muitos deles na forma de arranha-céus, impulsionados pelo uso de estruturas de concreto armado.



A linguagem Art Déco também foi amplamente aplicada na produção da habitação unifamiliar em Belo Horizonte, abrangendo as mais simples – as casas térreas –, os sobrados e até palacetes. Uma das mais notáveis casas nobres construídas nesse período foi o Palacete Jeha, projetado pelo arquiteto Zimmer Wezphal em 1934 para Nagib Calil Jeha e família. As fachadas desse imóvel, cujas paredes são revestidas com argamassa de pó de pedra nas cores vermelha e cinza, apresentam excepcional trabalho decorativo com motivos geométricos. Destacam-se também os volumes curvilíneos, a delicada serralheria em ferro fundido dos gradis e guarda-corpos e uma das mais primorosas decorações internas de uma casa nesse estilo.

Por outros lado, o Art Déco integrou o pioneirismo no emprego de estruturas de concreto armado em obras arquitetônicas em Belo Horizonte, nomeadamente com a construção do Cine Teatro Brasil – edifício projetado na vertente Streamline pelo arquiteto Ângelo Murgel e inaugurado em julho de 1932. O único registro anterior da aplicação arquitetônica dessa tecnologia se deu em maio de 1929, por ocasião da inauguração do antigo estádio Presidente Antônio Carlos – pertencente ao Clube Atlético Mineiro –, obra de cunho funcional construída em concreto armado, mas não enquadrada na linguagem Art Déco.

No momento da inauguração do Cine Brasil, então o maior da América Latina, o edifício tornou-se o mais alto da cidade, com estatura equivalente a onze pavimentos. A partir daí, com a construção de inúmeros prédios Art Déco, as torres e cúpulas de igrejas e palacetes ecléticos deixaram de ser os pontos mais altos da paisagem urbana. Não por acaso, considerando ainda a linguagem progressista do edifício, em 1936 suas instalações foram escolhidas para abrigar a primeira exposição coletiva de Arte Moderna da cidade – o célebre Salão do Bar Brasil, que inclusive contou com a exposição de projetos de arquitetos de Belo Horizonte.

Uma peculiaridade nacionalista do Art Déco, não só em BH mas em todo o Brasil, foi a incorporação, em fachadas e interiores de edifícios, de elementos geométricos inspirados na cerâmica indígena pré-colonial marajoara, desenvolvida na ilha de Marajó, no estado do Pará. Essa artesania apresenta sofisticados desenhos em zigue-zague e tramas geométricas. Além disso, nesse mesmo espírito nacionalista, vários edifícios da capital, de feição Art Déco ou com traços desse estilo, receberam nomes do vocabulário indígena, tais como, Tupinambás, Ibaté, Itatiaia, Piraquara, Indaiá, Oiapoque e Acaiaca.

Outro aspecto a mencionar na implementação da arquitetura Art Déco na capital mineira foi a substancial participação de italianos e de seus descendentes. Como se sabe, o trabalho dos imigrantes ocorreu desde a fase inicial da cidade, sendo os italianos o maior grupo de estrangeiros que aqui chegou. Esse traço perdurou, e muitos dos mais importantes arquitetos do Art Déco na cidade, como Raffaello Berti, Luiz Signorelli, Caetano Defranco, Francisco Farinelli e Romeo de Paoli, foram italianos ou ítalo-descendentes.
A propósito, um dos símbolos da comunidade italiana na cidade foi exatamente a Casa D’Itália, de 1935, um belo edifício Art Déco localizado na Rua dos Tamoios, n. 341. Projetado por Berti e Signorelli. Essa construção, ironicamente, tornou-se uma das “vítimas” da II Guerra Mundial, conflito no qual o Brasil combateu a própria Itália em seu território. Em 1942, ocorreram atentados contra a Casa D’Itália por meio de depredações e incêndios. Na sequência, o governo brasileiro confiscou o imóvel, que foi cedido à Assembleia Legislativa e, posteriormente, à Câmara Municipal de Belo Horizonte. Por fim, ele foi demolido em 1988 para a construção de um hotel.

Projetada por Raffaello Berti e Luiz Signorelli em 1935. (Fonte: Biblioteca IBGE).
Outro exemplo marcante da contribuição italiana ao Art Déco na cidade foi a Feira Permanente de Amostras, também projetada pelos arquitetos Raffaello Berti e Luiz Signorelli e inaugurada em 1936. Sua volumetria vertical se impunha na paisagem de Belo Horizonte, arrematando a extremidade norte da Av. Afonso Pena com uma torre central escalonada equivalente a dez pavimentos. Nesse prédio funcionou, por muitos anos, a tradicional Rádio Inconfidência, fundada em 1936. A exuberante Feira de Amostras, lamentavelmente, foi demolida em 1965 para a construção da Rodoviária – um dos maiores “assassinatos” arquitetônicos da cidade!

A estética arquitetônica do Art Déco – que também se inspirou em elementos das vanguardas artísticas europeias do cubismo e do futurismo – permitiu, em última análise, aos novos grupos políticos e econômicos da cidade, com tendências cosmopolitas, expressar a visão de uma metrópole progressista e moderna que se firmou na paisagem da capital na primeira metade do século XX – mediante muitas demolições, diga-se de passagem.
Confira outros ícones da arquitetura Art Déco em BH
1. Museu Inimá de Paula (antigo Clube Belo Horizonte).
Imóvel tombado.
Esta edificação, projetada pelo arquiteto Luiz Signorelli em 1926 e inaugurada em 1930, já abrigou, além do Clube Belo Horizonte, a Rádio Guarani e o Cine Guarani.
Localização: Rua da Bahia, n. 1.201. Bairro Centro.

2. Edifício Acaiaca
Imóvel tombado.
Projetado pelo arquiteto Luiz Pinto Coelho em 1943 e inaugurado em 1949, o Edifício Acaiaca é uma das construções mais imponentes no estilo Art Déco do Brasil. Sua torre de 25 andares e a extraordinária solução decorativa – com duas efígies indígenas inseridas na fachada – tornaram o edifício um exuberante referencial na paisagem urbana de BH.
Localização: Av. Afonso Pena, 867. Bairro Centro.

3. Edifício Chagas Dória.
Imóvel tombado.
Obra projetada pelo Arquiteto Alfredo Carneiro Santiago em 1934. Esse edifício, projetado para abrigar o serviço social da RFFSA, foi o primeiro em altura da região e é um dos marcos do estilo Art Déco em Belo Horizonte e da identidade urbana do bairro Floresta.
Localização: Rua Sapucaí, esquina com Av. Assis Chateaubriand. Bairro Floresta.

4. Associação dos Empregados do Comércio – AEC
Imóvel tombado.
Esse exuberante edifício, projetado por Caetano Defranco em 1934 e um dos mais emblemáticos do Art Déco da capital, além de ter abrigado a Associação dos Empregados do Comércio de BH, foi a sede da tradicional Rádio Guarani.
Localização: R. Curitiba, 758. Bairro Centro.

5. Sede Social do Minas Tênis Clube.
Imóvel tombado.
A Sede Social do Minas Tênis Clube – obra projetada pelos arquitetos Raffaello Berti e Luiz Signorelli em 1937 e inaugurada em 1940 – faz parte do grupo de edificações que expressam a ideia de metrópole moderna que se firmou na capital mineira na primeira metade do século XX.
Localização: Rua da Bahia, esquina com Rua Prof. Antônio Aleixo. Bairro Lourdes.

6. Edifício Mariana.
Imóvel tombado.
Uma das obras monumentais do Art Déco em BH, esse edifício foi projetado em 1941 pelo arquiteto Mário dos Santos Maia. Em 1944, o edifício sediou a Primeira Exposição Coletiva de Arte Moderna de Minas Gerais, cujo patrono foi o então prefeito Juscelino Kubitschek e que contou com a participação, entre outros, de Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Anita Malfati, Alfredo Volpi, Cândido Portinari, Lasar Segal, Di Cavalcanti e Guignard.
Localização: Av. Afonso Pena, esquina com R. São Paulo. Bairro Centro.

7. Hospital Santa Casa de Misericórdia
Imóvel tombado.
Edifício projetado pelo arquiteto Raffaello Berti em 1941. Nas fachadas desse hospital, destaca-se a trama de linhas horizontais e verticais, típica da arquitetura Art Déco. Na época de sua inauguração, a Santa Casa, que dispunha de 800 leitos, era o único hospital desse porte no país.
Localização: Av. Francisco Sales, n. 1111. Bairro Santa Efigênia.

8. Centro dos Chauffeurs de BH
Imóvel tombado.
Edifício projetado pelo arquiteto Ângelo Murgel, que também desenhou outra referência Art Déco na cidade, o Cine Brasil. Por ocasião da inauguração do prédio, em 1937, a revista Bello Horizonte destacou: “As festas com que a diretoria inaugurou este importante melhoramento para a classe, tiveram o brilho da presença de altas autoridades e de mais de cinco mil pessoas, que no dia inaugural visitaram o edifício.”
Localização: Rua do Acre, n. 107. Bairro Centro.

9. Edifício Tupinambás
Imóvel tombado.
Obra projetada em 1940 por Romeo de Paoli por encomenda de Francisco Alves dos Santos Seabra. O edifício – cuja fachada apresenta um imponente desenho, abrigando comércio no térreo e apartamentos nos andares superiores – está inserido no processo de grande verticalização da cidade, marcado por belos arranha-céus do período Art Déco.
Localização: Tupinambás, n. 671. Bairro Centro.

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