Curso mira empreendedorismo feminino e forma líderes em Salvador

Empreender, conquistar seu espaço na sociedade e liderar as comunidades em que vivem. Durante muito tempo, esses três tópicos estiveram distantes do universo feminino, quase sempre restrito ao trabalho do lar, sem qualquer autonomia financeira. Hoje, a emancipação da mulher pode estar ligada não somente a um grande cargo, mas também na capacidade de tocar o próprio negócio. Em Salvador, o programa ‘Elas Lideram’ tem ajudado nesse processo, oferecendo capacitação para que as mulheres transformem seus sonhos e necessidades em dinheiro.Iniciativa do mandato da novata vereadora Isabela Sousa, o curso gratuito tem como foco desenvolver habilidades essenciais para a condução de pequenos e médios negócios, assim como a preparação de novas lideranças comunitárias e políticas. ‘Cria’ da periferia da capital baiana, a parlamentar disse que a ideia surgiu a partir de uma análise da sua própria realidade como moradora de uma região dominada por majoritariamente pretas e em condições sociais vulneráveis.

Sempre vivi as dificuldades de ser uma mulher dentro de uma comunidade

Isabela Sousa, vereadora de Salvador e idealizadora do ‘Elas Lideram’

“Eu venho de uma comunidade periférica, nascida e criada, então sempre vivi as dificuldades de ser uma mulher dentro de uma comunidade, do quanto é difícil. Eu vim para a política, mas a minha mãe é empreendedora, tem um salão de beleza na comunidade. Eu vi de perto toda essa dificuldade e o quanto que falta um apoio, uma preparação para essas mulheres. Sempre foi um sonho ter um programa que, além de preparar essas mulheres, construísse uma rede de apoio. Então, assim que a gente entrou no mandato, a gente iniciou esse processo do Elas Lideram, e nós conseguimos trazer mulheres de várias localidades de Salvador, com vários interesses, empreendedoras e mulheres que desejam entrar na política, e conseguimos fazer essa movimentação”, destacou a vereadora ao A TARDE.

Curso tem como foco formar lideranças e impulsionar empreendedorismo feminino

|  Foto: Divulgação

A primeira turma do ‘Elas Lideram’ contou com 25 mulheres de diferentes idades e regiões de Salvador, e terminou em maio deste ano. As alunas tiveram acesso a palestras e aulas que envolviam temas essenciais para o universo do empreendedorismo nos dias atuais: redes sociais, imagem pessoal, saúde mental e comunicação. Tudo isso no Centro de Cultura da Câmara Municipal, no Centro Histórico da ‘Roma Negra’.”Presencialmente, elas tinham aulas no Centro de Cultura, com profissionais como uma jornalista, que veio falar de comunicação. Então, a jornalista foi, deu uma palestra, a gente teve também palestra sobre saúde mental, redes sociais, imagem pessoal. Nada mais é do que um curso que prepara mulheres para liderança, além de empreender”, explicou a parlamentar.Foram mais de 100 inscrições somente nas primeiras 24 horas para o projeto piloto. A ideia, de acordo com a vereadora, é que novas turmas sejam criadas ainda em 2025, formando novas dezenas de empreendedoras.Mulheres que empreendemAluna da primeira turma do curso, Adja Santos viu na maternidade a necessidade de desbravar novos horizontes e se reinventar. A confeiteira de 40 anos passou a ouvir as recomendações daqueles que provavam as suas receitas, e abriu um buffet em 2017.O negócio expandiu e se tornou a principal fonte de renda da empreendedora, casada e mãe de três filhos. Hoje, a Adja Decor, sua empresa, trabalha com encomendas e decoração de festas, tendo aproximadamente entre 15 e 20 atendimentos mensais.”A minha empresa é voltada para decoração e buffet, surgiu há oito anos atrás. Eu trabalhava em shopping, acabei deixando devido a questões pessoais, tenho três filhos. Eu precisava trabalhar com algo que me desse a possibilidade de trabalhar em casa, e eu já fazia muito bolo, doces, decoração para a igreja, amigos. Eu fazia por amor, aí acabei unindo o amor com a vontade de fazer algo diferente. Hoje, posso dizer que ela é 50% da minha saúde financeira, me ajuda com as despesas da casa, ajuda nas minhas coisas pessoais. Hoje tenho uma loja de decoração, aos finais de semana não paro. Minha média de encomenda por mês, entre decoração e festa, cerca de 15 e 20″, explicou a confeiteira.Escolhida como oradora da primeira turma do curso, a secretária municipal de Desenvolvimento Econômico de São Francisco do Conde, Região Metropolitana de Salvador (RMS), Dilzete Rosário, pontuou a relevância da existência de políticas públicas que incentivem o empreendedorismo e a formação de lideranças femininas.

Há uma batalha invisível e diária, na qual precisamos provar que somos capazes

Dilzete Rosário, secretária de Desenvolvimento Econômico de São Francisco do Conde

“O poder público precisa avançar não apenas na capacitação, levando cursos, palestras e treinamentos para que esses pequenos negócios se tornem sustentáveis, mas também no fortalecimento da identidade e da crença de merecimento dessas mulheres. Afinal, além das barreiras externas, há uma batalha invisível e diária, na qual precisamos provar para nós mesmas que somos capazes”, pontuou a secretária, que continuou.”Nos dias atuais, precisamos ir além da capacitação técnica. Existem mulheres que já executam suas atividades com excelência – seja produzindo um bolo ou um pudim – mas muitas vezes não enxergam o valor econômico daquilo que fazem. Esse é o grande dilema: mostrar que aquilo que parece simples pode, na verdade, ser uma fonte poderosa de renda”, explicou Dilzete Rosário, em entrevista ao A TARDE.Também da necessidade de conciliar maternidade e saúde financeira, a empreendedora Ruana Gomes resolveu aproveitar a experiência como vendedora em lojas do bairro da Boca do Rio para começar o seu próprio negócio, em 2015, ano em que teve o primeiro de seus três filhos.

Ruana Gomes

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Apesar dos primeiros passos em 2015, foi apenas em 2018 que a Ruanna Closet ganhou, de fato, contornos profissionais, com a adoção de identidade visual e uma loja virtual nas redes sociais.”Em 2018, oficializamos o perfil, criando um Instagram, uma identidade visual. A loja surgiu a partir da minha maternidade, foi quando tive meu primeiro filho e, por uma questão que acometeu ele no nascimento, ele precisou de cuidados, e eu tive que deixar o trabalho. Eu vi o empreendedorismo como uma saída para não ficar parada, não ficar desamparada, sem renda. A loja surgiu em 2015, mas a gente tem o ano de 2018 como oficial de quando a loja começou a crescer. Precisei parar muitas vezes, por muitas questões. Questões da maternidade, questões financeiras”, explica a empreendedora de 30 anos.

Eu vi o empreendedorismo como uma saída para não ficar parada

Ruana Gomes, microempreendedora

A confeiteira Eliene Nunes, dona da confeitaria artesanal Delícias da Lia, ressaltou os desafios do empreendedorismo e o início de sua jornada. Antes de partir para a produção de doces finos, cupcakes e bolos temáticas, a empreendedora vendeu trufas, pizzas e até mesmo lasanha congelada.”Eu comecei com trufas, depois fazendo pizza, lasanha congelada. Aí veio a ideia de fazer bolos e tortas para aniversários. As dificuldades para a gente que tenta empreender são várias. Tem que ter raça, força e vontade, coragem. Não é fácil”, explicou.EstatísticasSegundo o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em 2022, 46,4% dos Microempreendedores Individuais (MEIs) cadastrados, com limite anual de até R$ 81 mil, são do gênero feminino. Desse grupo, a média de idade das mulheres ‘MEIs’ é de 41,1 anos.De acordo com o DataSebrae, plataforma com recortes estatísticos do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), em números exatos, o Brasil tinha 10,4 milhões de mulheres donas do seu próprio negócio no primeiro trimestre de 2024. Os dados foram divulgados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD).

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O relatório DataSebrae de 2023, divulgado no começo de 2024, aponta ainda a predominância no perfil de escolaridade das empreendedoras, sendo 41,3% delas mulheres que possuem até o ensino médio completo.Ainda sobre o perfil médio, 23% das empreendedoras estão concentradas no Nordeste, sendo a segunda região com o maior número de mulheres nessa posição, ficando atrás apenas do Sudeste, que concentra 44,4%. Na Bahia, dos 1.922.505 empreendedores cadastrados, 633.364 são mulheres, o que representa 32.9% dos donos do próprio negócio no estado.

Nordeste é a segunda região com o maior número de mulheres empreendedoras

|  Foto: Divulgação | Sebrae

Assim como no mercado de trabalho, as mulheres que empreendem ainda estão atrás dos homens empreendedores no quesito renda. No último trimestre de 2024, por exemplo, o rendimento médio das donas do seu negócio foi de R$ 2.867, enquanto os homens chegaram a R$ 3.793,20.Legislação e acesso às linhas de créditoO acesso restrito aos recursos públicos para expandir suas empresas também é um desafio enfrentado pelas mulheres que possuem seu próprio negócio. Uma das barreiras é o caráter informal das empresas, que precisam ter CNPJ, comprovante anual de faturamento e, em alguns casos, certidão negativa de débitos.”Eu nunca tive acesso a uma linha de crédito. Sempre tive muita dificuldade, porque eles exigem um teto de faturamento anual, então nunca consegui me encaixar nos critérios para obter essas linhas de crédito. São muitas exigências, e como pequena empreendedora, não consigo me enquadrar. O empreendedorismo vai muito além, ele te desafia diariamente”, destacou Ruana Gomes, ao comentar sobre as dificuldades para conseguir uma linha de crédito para auxiliar nas finanças da sua loja de roupas.Na mesma linha, Eliene Nunes, do Delícias da Lia, afirma que, diante das exigências, ela acabou desistindo de tentar contratar qualquer linha de crédito.”Eu nunca tentei as linhas de crédito, porque as pessoas do meio circulo que tentam, nunca conseguem. Sempre alegam juros altos, a forma de pagamento não estava compatível, e eu nunca tentei”, explica.O que elas pensam?Empreender ainda é um grande desafio para as mulheres. Ao mesmo tempo, é uma arma importante para garantir autonomia, posição de destaque e segurança financeira. O sucesso de parte delas também pode se tornar uma vitrine de encorajamento.”O empreendedorismo é uma das maiores armas para a liberdade de uma mulher. Foi um divisor de águas, porque consegui alcançar coisas que eu não imaginava. Hoje, por exemplo, tenho uma loja de decoração. Creio que consigo inspirar outras mulheres a empreender através do meu negócio. É difícil, mas é muito gratificante. O empreendedorismo mudou a minha vida, me deu um novo norte do que eu vivia, fez com eu pudesse acreditar que posso chegar a voos mais altos”, afirma Adja.”O empreendedorismo ainda é visto como algo muito fácil. É um trabalho que exige constância, disciplina, tempo. Conciliar isso com a maternidade não é fácil, é uma jornada que pode ser dupla ou tripla. Acesso ao financiamento é um dos obstáculos enfrentados também”, pontua RuanaDilzete Rosário, secretária de Desenvolvimento Econômico de São Francisco do Conde, também aponta os desafios enfrentados pelas mulheres que empreendem.”Os desafios são imensos e envolvem diversas barreiras a serem superadas, como o preconceito ainda presente, além da necessidade de transformar mentalidades que por anos reforçaram a ideia de que mulheres não deveriam empreender”, explica.ReconhecimentoCriado em 2004, o Prêmio Sebrae Mulher de Negócios abriu suas inscrições para a edição de 2025. A iniciativa tem como principal objetivo incentivar o empreendedorismo feminino.O prêmio prestigia cinco diferentes categorias: Pequenos Negócios, Microempreendedora Individual (MEI), Ciência e Tecnologia, Negócios Internacionais e Produtora Rural.

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