“Minas são muitas”, escreveu Guimarães Rosa, sintetizando a pluralidade de um estado de muitas faces e tipos. Mas, embora haja diferenças que marcam cada região, do Triângulo à Zona da Mata, do Jequitinhonha ao Sul, são nas características comuns que a mineiridade se forma, seja no jeito das pessoas, ao mesmo tempo desconfiado e acolhedor, ou, ainda, nos sabores, imagens, símbolos e sensações que Minas oferece a quem a conhece.
É esse jeito mineiro, único de ser, que tem sido celebrado e reforçado por mãos anônimas e empreendedoras e se tornado um grande negócio que, cada vez mais, atrai brasileiros e estrangeiros em busca de vivenciar a mineiridade na sua forma mais original. Não à toa, o número de turistas aumentou 33% no estado nos últimos dez anos: foram 24 milhões em 2014 contra 33 milhões em 2024, de acordo com a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult-MG).
Em cada canto, por meio da gastronomia, do vestuário ou do lazer, pequenos e médios empresários aproveitam para investir em serviços e bens que oferecem uma verdadeira experiência sobre a mineiridade, apostando no sabor, no afeto e na identidade locais. Um patrimônio que cada vez mais gera renda e emprego. De acordo com o governo do estado, são mais de 436 mil pessoas trabalhando no setor do turismo atualmente, 5% a mais do que em 2014. O aumento é ainda maior quando se leva em conta a recuperação no pós-pandemia, com um crescimento de 30% entre 2020 e 2024.
Minas, quem te conhece…
Tradicionais em boa parte do país, as lojinhas de souvenir ou de itens típicos, como doces e produtos culinários, presentes em aeroportos, rodoviárias e estradas, são, muitas vezes, a primeira referência para os turistas vivenciarem as experiências tipicamente regionais – e também a última, como uma forma de levar para casa um pedacinho daquela experiência. “Em Minas, porém, esses objetos carregam um valor simbólico. Não são somente uma caneca, um pano de prato ou um chaveiro — eles têm significado. É uma Minas Gerais com alma”, afirma Milena Soares, turismóloga da Fecomércio-MG.
Já dentro da cidade, em pontos turísticos emblemáticos, esse tipo de negócio tem sido explorado com criatividade por empreendedores. É o caso de Felipe Martins e Guilherme Pertence, que fundaram a Made in Beagá em 2016, ao perceberem a ausência de uma loja desse gênero voltada exclusivamente para a venda de produtos que representam Belo Horizonte.

A marca começou com camisetas e, ao longo dos anos, diversificou sua linha para incluir souvenirs, jogos que fazem referência a BH e até mesmo pão de queijo e cafezinho, além das tradicionais balas azedinhas de maçã de uma outra marca centenária da capital mineira, a Lalka. Até as capivaras presentes na Lagoa da Pampulha se transformaram em pelúcia, uma espécie de Mickey Mouse que fala ‘uai’. Hoje, são três unidades físicas: além de uma no Aeroporto de Confins, há outras duas, no Mercado Novo e no bairro Funcionários, além de uma loja online.
“Os clientes identificam valor e afeto nos produtos da Made in Beagá”, diz Felipe. Para ele, a mineiridade, no entanto, está além de apenas oferecer peças e produtos que estampam símbolos que representam a capital e o estado. São gestos simples de acolhimento: “oferecer um cafezinho, um pão de queijo, receber a pessoa com uma gentileza, com um bom dia”, conta Felipe.
De acordo com Felipe, embora os turistas sejam maioria entre os compradores, a identificação com Minas também toca moradores da capital e mineiros que vivem fora: “A história do ‘mineirês’, assim como outros temas ligados ao afeto, trouxe muito essa vontade de as pessoas se presentearem com esse tema”, conta.
@portalbhaz MADE IN BEAGÁ APOSTA NA MINEIRIDADE COMO EXPERIÊNCIA PARA VALORIZAR IDENTIDADE LOCAL Souvenirs, jogos, roupas, acessórios e, até mesmo, pão de queijo e ‘cafezinho’ estão no catálogo da @Made in Beagá, criada em 2016. A marca oferece a experiência da mineiridade por meio da culinária e de produtos que carregam a identidade local. #bh #minasgerais #mineiridade #madeinbeaga
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Na mesma linha, a Bendizê aposta na valorização das raízes com uma abordagem moderna. Criada em 2017 pelos sócios Breno Peroni e Leonardo Goulart, a marca começou no digital com o slogan “vista sua mineiridade”, e ganhou força com roupas e acessórios estampados com frases que exploram o sotaque do mineiro, como “cê é fi de quem?” e “num tem base um trem desse”. A ideia surgiu quando Breno morava em São Paulo e notou como os mineiros eram bem recebidos além das divisas do Estado.

Inspirado por um amigo baiano que usava marcas com identidade regional, decidiu criar algo semelhante. “Minas Gerais não tem isso!”, lembrou. A virada veio em 2020, com a abertura da primeira loja física em plena pandemia, período em que o faturamento no e-commerce triplicou.
Hoje, a Bendizê está presente em seis pontos de Belo Horizonte, como Savassi, Mercado Novo, Shopping Boulevard e dois quiosques no Aeroporto de Confins, além de uma unidade em Tiradentes, destino turístico reconhecido internacionalmente. Na loja da Savassi, os clientes também compram produtos enquanto tomam um cafezinho — uma forma de vivenciar a mineiridade.
@portalbhaz MARCA DE ROUPA VESTE A MINEIRIDADE COM MODA QUE EXALTA O SOTAQUE MINEIRO Criada em 2017, a Bendizê ganhou força no mercado da moda com roupas e acessórios estampados com frases típicas do sotaque mineiro. A marca, que tem o slogan ‘vista sua mineiridade, reforça o orgulho de ser mineiro e aposta na valorização das raízes com uma abordagem moderna. #bh #minasgerais #mineiridade #bendize
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Para ele, o “jeitinho mineiro” é mais que um tema, é um estilo de vida. “Você se mostrar mineiro abre portas. Quanto mais a mineiridade vender, e mais empresas venderem, de certa forma, é a mineiridade sendo espalhada pelo Brasil e exaltando o nosso jeitinho”.
Essa valorização da mineiridade tem se tornado um diferencial estratégico para negócios em Minas Gerais. Juliana Magalhães Christino, especialista em marketing cultural e professora na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), acredita que a identidade mineira tem grande potencial para ser empregada em estratégias publicitárias.
“Minas Gerais está investindo cada vez mais na marca mineira, que vai se consolidando e agregando valor aos negócios, independentemente do segmento. Tem bar, tem vestuário, uma série de coisas”, diz.
Ela destaca que o fortalecimento dessa identidade é impulsionado por ações governamentais, premiações internacionais e maior visibilidade nas redes sociais. “Para o próprio mineiro faz super sentido, porque reforça esse pertencimento à cultura. Uma valorização daquilo que é nosso, que é rico, do qual fazemos parte”, complementa.
No esforço de oferecer produtos que buscam esse apreço pelas características presentes na mineiridade, a Art Panos, localizada no Mercado Central de BH, tem um trabalho que mistura bordado, estamparia e produtos artesanais para turistas e mineiros que têm todo um carinho pelo genuinamente feito à mão. As empresárias Gabriela da Conceição, de 41 anos, e sua filha, Letícia Pereira, de 21, são as próprias criadoras das estampas e frases que caracterizam a maioria dos produtos da marca.

A inspiração vem dos sotaques e expressões típicas de Minas Gerais, tão presentes no cotidiano mineiro — como “trusse um mimo pro cê”, “trem de enxugar os trem”, “bão, uai”, “mió que tá tênu”, “arreda”, entre muitas outras, quase um dicionário rosiano em Grandes Sertão: Veredas. Além das peças personalizadas, a loja reúne uma diversidade de itens que valorizam o artesanato local, como objetos em pedra-sabão, tapetes, mantas de tear, panos de tecer, abridores de garrafa e muito mais.
Os produtos – panos de prato, almofadas e aventais – trazem ditados mineiros e imagens de quitandas, que encantam especialmente os turistas estrangeiros: “Eles se apaixonam quando veem nosso ‘uai’, nosso ‘trem’, nossa simplicidade”, completa.
Letícia ainda destaca que, embora a Art Panos já contasse com um bom fluxo de clientes, o faturamento cresceu ainda mais após a pandemia — especialmente nos meses de janeiro, fevereiro e junho. Segundo a família, esse aumento está diretamente ligado à visibilidade que Belo Horizonte e Minas Gerais vêm ganhando no cenário nacional.
@portalbhaz NEGÓCIO ATRAVESSA GERAÇÕES E VIRA REFERÊNCIA PARA TURISTAS EM BH A loja Art Panos, localizada no Mercado Central de BH, representa a tradição familiar no comércio do artesanato. Com produtos inspirados na cultura mineira, o negócio atravessa quatro gerações e se tornou um ponto de referência para turistas. bh minasgerais mineiridade
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Minas com sabor
Mundialmente reconhecida, a culinária do estado é um setor tradicionalmente forte na busca pela experiência da mineiridade. Frango com quiabo, pão de queijo, doce de leite… a lista de produtos tipicamente regionais é grande e saborosa. Mas quem procura por eles, espera que não apenas o paladar seja agradado. Empreendedores entendem, cada vez mais, que é preciso aliar ao tempero uma boa dose daquilo que nos sobra: o afeto.
A Artesanal Sabores, no centro de Igarapé, na região metropolitana de BH, é um exemplo. O empreendimento surgiu por pura necessidade, reconhece o casal Quesia e Dilson Redespiel. “Fiz o primeiro doce de leite em casa, coloquei em potinhos e fui vender na rua. Ali começou um ponto de milagres na nossa vida”, conta a fundadora.

Com apoio do Sebrae-MG e do Senar Minas, o negócio cresceu e passou a atuar de forma estruturada, participando de feiras e expandindo sua atuação para além das prateleiras locais. O resgate de receitas tradicionais e o uso de ingredientes da região ajudam a contar histórias e manter vivas as raízes da cultura mineira.
Rodeado por árvores frutíferas, o espaço onde fabricam e vendem os produtos oferece mais do que o tradicional doce de leite mineiro: proporciona uma experiência afetiva, de pausa e contemplação. O negócio familiar representa um recomeço para o casal, que encontrou na iguaria mineira a força para alcançar independência financeira e realização pessoal.
A história começou de forma modesta, com apenas R$127, quando o casal vendia linguiças artesanais de porta em porta. Com o tempo, e enfrentando limitações no faturamento, Quesia decidiu tentar uma receita própria de doce de leite — leve e suave, voltada a pessoas intolerantes ao açúcar, como ela mesma. Sem nunca ter feito o produto antes, encontrou ali uma chance inesperada de transformação.
O reconhecimento veio com a entrada no Circuito Turístico Veredas do Paraopeba, ligando a marca ao fluxo de turistas que visitam o Instituto Inhotim, onde o produto é exposto e comercializado. A variedade de sabores também cresceu, incluindo versões com café, cachaça e até limão-siciliano, sempre mantendo a proposta de representar a essência de Minas em cada colherada. Para Quesia e Dilson, cada pote de doce é um elo entre tradição, afeto e identidade cultural.
@portalbhaz DOCE DE LEITE MINEIRO CONQUISTAS TURISTAS DO MUNDO INTEIRO A Artesanal Sabores, empresa localizada em Igarapé, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, apostou no afeto para produzir suas próprias receitas de doce de leite. Como diferencial, ingredientes como café, limão-siciliano, pé de moleque cremoso, cappuccino e cachaça são incorporados ao tradicional doce mineiro. #bh #mineiridade #minasgerais
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Longe de ser uma novidade, a exploração da mineiridade pelos empreendedores tem se tornado cada vez mais forte e é justamente essa escala de negócios que, nos últimos anos, tem chamado a atenção de especialistas. Seguindo a tendência de 2024, o ritmo de crescimento se manteve em 2025, mesmo diante de um cenário nacional mais instável. Enquanto o Brasil registrou queda de 6,1% no turismo em janeiro e esboçou leve recuperação em fevereiro, Minas Gerais avançou 1,7% no mesmo período, de acordo com a Fecomércio.
A busca pela experiência da mineiridade se reflete no movimento de pessoas que cruzam fronteiras em busca do sabor de um queijo canastra, de uma cachaça envelhecida ou de uma broa feita como antigamente. São turistas atraídos por experiências sensoriais e emocionais, por histórias de famílias que transformam a herança cultural em negócio.
Um dos exemplos da gastronomia afetiva de Minas é o Copa Cozinha, cafeteria fundada por Maíra Sette e pelas irmãs Isabela e Marcela Gontijo. O espaço une culinária, memória e estética mineira. “O Copa surgiu como um lugar para compartilhar afeto. A gente queria oferecer uma experiência que fosse além do paladar”, explica Maíra.
Inspiradas pelas receitas da avó, as fundadoras apostam na mistura entre o antigo e o moderno, servindo pratos com ingredientes típicos, em um ambiente aconchegante e repleto de detalhes que remetem à casa da família.


O nome do local também carrega a hospitalidade mineira: “As casas antigamente tinham a sala de jantar e tinham também a cozinha, que era integrada com uma copa. Mas quem frequentava a copa cozinha não era visita, era quem era de casa, da família. Então, quando a gente foi pensar num nome, a gente pensou ‘o que que a gente é?’ Uma copa cozinha, esse lugar que a gente faz a comida com simplicidade e serve também”.
Com três unidades em BH, o sucesso levou o grupo a lançar em São Paulo o projeto Mineirada, loja que comercializa produtos de marcas mineiras. “Temos seis anos de história e já atravessamos montanhas”, celebra.
Daniel Neto, o Nenel, é o criador do Baixa Gastronomia, projeto que nasceu como blog em 2009 e hoje soma mais de 825 mil seguidores no Instagram. Desde então, ele mapeia os sabores populares de BH, valorizando bares, restaurantes e lanchonetes que oferecem pratos simples, bem servidos e com bom custo-benefício. Assíduo “conhecedor da mineiridade” presente nos botecos da cidade, defende que a experiência precisa ser autêntica e cheia de história.
Formado em jornalismo, Nenel criou o projeto para escrever sobre a comida popular, em uma época em que a gastronomia era muito glamourizada – a era dos hambúrgueres gourmets. A ideia era encontrar lugares onde se comia bem e sem frescura, como mocotó, mexidão, comida de madrugada, criando um roteiro acessível. O projeto logo se transformou em referência na cena gastronômica popular da capital mineira.

Com o tempo, Nenel adaptou o conteúdo para as redes sociais, especialmente o Instagram, onde passou a produzir vídeos, fotos e reels. Em 2017, seu trabalho ganhou maior visibilidade, com postagens superando mil curtidas e centenas de comentários. Apesar da mudança de formato, ele destaca que o objetivo continua sendo o mesmo: humanizar as histórias por trás da comida e valorizar os pequenos estabelecimentos.
Na página, o público encontra uma variedade de opções de lugares, que vão desde comidas de estufa, como pernil assado, almôndegas, linguiça, carne cozida, joelho de porco e torresmo, até pizzas, massas, sanduíches, mocotó, tropeiro, feijoadas e pratos feitos.
Nenel furou a bolha de BH, e o ‘Baixa Gastronomia’ virou rótulo de cerveja. Hoje ele visita botequins de outras cidades e até países. Na capital mineira, para delírio de empreendedores (e resmungo de frequentadores mais antigos), onde ele pisa tem se transformado em point, como um Midas dos “copos sujos”. Foi assim com o bar do Nivaldo, no Santa Tereza, onde os vídeos gravados por ele e por outros influenciadores transformaram a mercearia em uma referência para quem é de Belo Horizonte e também para turistas de vários cantos.
Fluxo esse que os números têm mostrado em crescimento. De acordo com a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult-MG), por meio do Observatório do Turismo, o estado superou com folga os impactos da pandemia, quando o setor teve forte queda no número de pessoas viajando pelo estado. Minas passou de 18 milhões em 2020 para 32 milhões de visitantes em 2024, um aumento de 77%. A ocupação hoteleira, que era de 32%, agora chega a 62%. Belo Horizonte, considerada por muitos ‘porta de entrada’, está nessa rota.
Nenel, um bom conhecedor do estilo BH de vivenciar a mineiridade, vê com otimismo a adesão da nova geração aos símbolos e lugares tipicamente mineiros. “Isso é reflexo de uma nostalgia boa, não só aqui, mas no mundo todo. As pessoas estão em busca de lugares autênticos, especialmente em tempos tão cheios de maquiagem.”
@portalbhaz BAIXA GASTRONOMIA, CRIADO POR NENEL, VALORIZA A CULINÁRIA POPULAR MINEIRA O jornalista e músico Daniel Neto, mais conhecido como Nenel, criou o projeto @Baixa Gastronomia (Nenel Neto) para valorizar a culinária popular mineira. Em sua página no Instagram, ele destaca Belo Horizonte como um destino gastronômico, atraindo turistas interessados na autenticidade dos sabores locais. #bh #minasgerais #mineiridade
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Comida de estufa, prateleira de cachaça, caixa registradora e arquitetura antiga. Esses são alguns dos elementos que garantem a autenticidade dos bares e botecos de Belo Horizonte, segundo pesquisa da doutoranda Geórgia Caetano dos Santos, da UFMG. A pesquisadora investigou como aspectos estético-visuais desses espaços despertam memórias afetivas e fidelizam clientes.
Basta fechar os olhos para enxergar estes elementos em bares como Juramento 202, Lamparina, Pirex e tantos outros que mergulharam nessa onda nos últimos anos, mas também nos botecos do interior com pouco ou nenhum marketing que serviram de inspiração.
BH, declarada Cidade Criativa da Gastronomia pela Unesco em 2019, já chegou a ter 28 bares por quilômetro quadrado, antes da pandemia, segundo a prefeitura. “O bar é o verdadeiro ponto de encontro do belo-horizontino. É onde se recebe visitas, se reúne com a família e se reencontra os amigos”, resume Geórgia.
A nostalgia também aparece como fator decisivo: muitos frequentadores voltam aos mesmos bares por memórias da infância. Para a pesquisadora, até a “fabricação” de uma tradição mineira em alguns estabelecimentos fora de Minas, como é o caso da Copa Cozinha, pode ser positiva, ao valorizar a cultura local para além das montanhas e estimular o turismo em Minas.
“Se há desejo por espaços que lembram BH, isso pode atrair visitantes [a virem conhecer o estado]. Valoriza quem chegou primeiro e fortalece o senso de pertencimento à história e cultura da cidade”, conclui.
O caso do empreendimento Copa Cozinha não é único. Em outro cantinho de BH, o bar Juramento 202, criado em 2017 pelo designer e empresário Rafael Quick, se consolidou como um dos lugares que impulsionaram a valorização da mineiridade em Belo Horizonte. O bar foge da estética dos pubs ingleses e traz a cerveja artesanal para dentro de uma mercearia – tradicionais botecos que representam a boemia belo-horizontina – para um cantinho no encontro dos bairros Pompeia e Saudade, na região Leste de BH.
“É um produto que as pessoas estão buscando, com a nossa identidade, com um lugar que emociona as pessoas, que vai lembrar a gente de onde a gente é, de quem a gente é, da nossa cultura”, explica Rafael Quick.
O empresário destaca que a mineiridade está profundamente ligada à simplicidade e à capacidade de fazer muito com pouco, valorizando produtos regionais e técnicas tradicionais. Segundo ele, atualmente, o estado passa pelo “momento do renascer da mineiridade como orgulho”, em que as pessoas deixam de buscar referências externas e passam a reconhecer o valor da sua própria cultura. “Tem muito mais valor a gente ser algo único e simples, do que a gente tentar ser uma coisa sofisticada que não nos pertence, ser uma versão piorada do que já existe em outros lugares do mundo”, finaliza.
Rafael Quick é um dos responsáveis pelo processo de resgate e valorização do Mercado Novo, local onde passou a haver um encontro de gerações em comércios que vão desde hortifruti até bares com discotecagem. De acordo com ele, as marcas que passaram a ocupar o segundo e terceiro pisos do centro comercial “batem no peito para falar que são mineiras e que souberam traduzir uma mineiridade que não é caricata”.
A estratégia de explorar aspectos da mineiridade tem dado tão certo que atravessou fronteiras e, mesmo fora do estado, empresários nascidos aqui estão importando sabores e experiências, numa prova de que associar Minas aos produtos e estabelecimentos tem se mostrado um bom negócio.
Assim como o Copa Cozinha, o bar Ó Pro Cê Vê é outro exemplo. Inaugurado em abril no bairro Santa Cecília, região central de São Paulo, sua inauguração chegou a gerar polêmica nas redes sociais. Inspirado nos tradicionais botecos de Minas, o estabelecimento se apresenta como um “boteco cheio de mineirices”, mas recebeu críticas por produtos selecionados para o cardápio. Internautas se queixaram do rótulo da 51 nas prateleiras, dizendo que um boteco mineiro de verdade tem pinga da roça.
A repercussão começou após um vídeo da influenciadora digital Victória Duarte, a Viduca, de 27 anos, viralizar. No conteúdo, ela elogia a proposta da casa: “Com aquela decoração que a gente gosta, os azulejos que são abraços pros olhos. Podem esperar muita cerveja gelada, batidinha e acepipes”, descreveu, e as críticas vieram nos comentários.

Nos comentários, muitos internautas questionaram a autenticidade do espaço. “Tenho 35 anos, sou nascida e criada em Minas, rolezeira desde 2005 e nunca fui a um bar tomar 51. Nos respeitem”, escreveu uma usuária. Outro disparou: “O bar mineiro que só tem 51 porque não é gourmetizado é o conceito mais paulistano que eu já ouvi na vida”. “Sou mineira e afirmo com bom coração que isso não tá parecendo nada mineiro”, criticou uma terceira.
Natural de Vespasiano, Bruno Perial, chef e proprietário do bar, afirma que a inspiração vem dos bares que frequentava em BH desde os 17 anos. “Não era para eu estar no boteco, mas eu estava no boteco”, brinca. O cardápio é composto por pratos clássicos da comida de estufa, como bolinho recheado, carne de panela e rabada. “É o que eu gosto de fazer, é o que eu gosto de comer. Simplicidade é o que eu gosto. O pão de queijo é mineiro, receita da minha mãe, receita de família”, completa.
Mineiridade como estratégia
Para os gestores, empresários e especialistas ouvidos pelo BHAZ, um fator intangível tem impulsionado o turismo em Minas Gerais: a identidade cultural. Essa característica influencia diretamente a experiência do visitante e movimenta a economia local por meio de negócios que traduzem a essência da mineiridade, seja na gastronomia, no artesanato, na economia criativa ou nos produtos de presente.
Segundo Milena Soares, turismóloga da Fecomércio-MG, esse fenômeno está diretamente ligado às mudanças no comportamento do consumidor. “Nos estudos que realizamos em 2020 e 2021, observamos que as pessoas passaram a buscar experiências mais humanizadas e com maior contato com a natureza. E o nosso estado, sem dúvidas, está alinhado com essa tendência”, afirma.
Uma pesquisa realizada pela Secult em novembro de 2022 com 12 mil turistas em 56 municípios mineiros revelou as principais motivações para visitar o estado:
Interesses dos turistas em Minas Gerais
- Riqueza histórico-cultural: 36%
- Contato com a natureza: 33%
- Estâncias hidrominerais e SPAs: 11%
Segundo Milena Soares, o público que já demonstrava interesse em conhecer Minas tornou-se ainda mais atraído pela combinação desses fatores. A supervisora também destaca que as ações de promoção do estado — fruto de parcerias entre o Governo de Minas Gerais e instituições privadas de serviços sociais — e eventos como o Carnaval e a Semana Santa têm papel estratégico.
“Eventos como o Carnaval e a Semana Santa funcionam como porta de entrada: o turista vem, vive uma experiência incrível, e retorna em outra época, porque não consegue esgotar tudo de uma só vez”, explicou.
Se depender dessa estratégia, a expectativa é de que a mineiridade continue sendo ainda mais apreciada pelos eventos anuais, que cada vez mais tem atraído turistas. Durante o carnaval de 2025, Minas Gerais recebeu 13,2 milhões de foliões, 6 milhões somente em Belo Horizonte. Em 2024, foram 12 milhões de foliões no estado, sendo 5,5 milhões na capital. Já na Semana Santa, cerca de 550 mil fieis circularam nos municípios mineiros durante o período, garantindo uma ocupação nos hotéis de 90%, segundo dados do governo do estado.


Essa busca por uma relação de proximidade com a cultura mineira na experiência de viagem se confirma nas ruas e nos relatos de visitantes que chegam à capital. Entre petiscos, museus e caminhadas pelos mercados, turistas revelam o encanto por BH e pelo estilo de vida mineiro. É o caso do carioca Julio César de Sá, comerciante de Nova Friburgo, que com um grupo de amigos vem à cidade anualmente desde 2011 para participar do Festival de Comida de Boteco.
“Apesar de ter um boteco bom no Brasil inteiro, não existe um festival igual ao de Belo Horizonte. O acolhimento, a segurança e o clima da cidade fazem toda diferença”, afirma.
A culinária é um dos principais atrativos. “Sempre quis conhecer BH pela comida e pelo povo. Me impressiona como tudo gira em torno do alimento e da conexão com a comunidade”, comenta o estilista Guilherme Capelari, que veio de São Paulo para conhecer a capital mineira.
Outros fatores também ajudam a fortalecer o turismo mineiro: a hospitalidade, o clima tranquilo, a segurança e o ritmo de vida mais leve.
“O turismo cada vez mais é uma relação de experiência do aqui em Belo Horizonte. Você tem gastronomia, você tem natureza, você tem cultura. Esses três elementos são muito importantes para identificar um Brasil que não é só sol e praia, que é como a gente tem promovido o Brasil no mundo”, afirmou Marcelo Freixo, presidente da Embratur, em recente visita a Belo Horizonte.
Estratégia é a alma do negócio
Embora produtos afetivos e genuinamente mineiros tenham conquistado espaço no mercado, analistas alertam que nenhuma iniciativa sobrevive sem a adoção do que chamam de ‘bases sólidas’. “Não adianta criar um objeto bonito e carregado de mineiridade. É preciso estudar como precificar, divulgar e identificar o público-alvo. A parte ‘chata’ do negócio precisa ser feita. É o famoso ‘arroz com feijão’”, explica Milena Soares, supervisora de Turismo da Fecomércio-MG.
Ela reforça que a consolidação de uma marca depende de estratégia, marketing e capacitação. “Estamos, na prática, exportando um pedaço da nossa cultura. Por isso, é preciso ter responsabilidade”, aconselha.
@portalbhaz PROGRAMA DO SEBRAE FORTALECE O EMPREENDEDORISMO REGIONAL DAS AGROINDÚSTRIAS MINEIRAS Iniciativas como o Origem Minas, programa do Sebrae, fortalecem o empreendedorismo regional por meio do estímulo às agroindústrias. Mais de 450 micro e pequenas empresas participam do projeto que valoriza produtos regionais e apresenta Minas Gerais para o mundo. #bh #minasgerais #mineiridade #sebrae
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Nesse contexto, iniciativas como o Origem Minas ganham ainda mais relevância ao conectar tradição e mercado, fortalecendo o empreendedorismo regional e destacando a capacidade de Minas de transformar simplicidade em excelência. Criado com o objetivo de fomentar o empreendedorismo, aprimorar a gestão dos negócios, estimular a inovação e ampliar o acesso a novos mercados para agroindústrias e expressões artísticas da mineiridade, o projeto atualmente reúne mais de 450 micro e pequenas empresas. “É sobre valorizar a origem, o território e o que a gente tem de melhor”, diz Danielle Fantini, analista de Agronegócios do Sebrae.
Mais do que vender produtos, essas marcas vendem histórias. E essas histórias ajudam a construir uma nova imagem do estado: moderna, empreendedora, mas profundamente enraizada em sua cultura, de pessoas acolhedoras e gastronomia única. É essa combinação que faz de Minas um destino – e um sabor – inesquecível.
Reportagem: Ana Magalhães, Isabella Guasti, Vinícius Sampaio, Lavínia Fernandes | Edição: Rafaela Carvalho, Pablo Nogueira, Pedro Rocha Franco | Fotos: Asafe Alcântara, Ana Magalhães, Lavínia Fernandes e Vinícius Sampaio | Criação artística: Gabriel Drummond
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