Professor é casado com três mulheres, mas eles não formam um “trisal”, nem uma “relação liberal”
Uma família por escolha e propósito“Por volta de 2000 eu percebi que não queria viver uma monogamia , mas também que não queria que as relações que eu construísse fossem uma fonte de sofrimento para mim ou para minhas esposas”, explica Gabriel.
A cada uma delas eu expliquei meu propósito antes mesmo de nos beijarmos a primeira vez… e elas toparam, então começamos a construir
O arranjo foi sendo estruturado ao longo dos anos. Com Laila Ifadamilare Swahili e Daniela Ifaperewa Swahili, como primeiras esposas, em uma conferência realizada há quase uma década, no continente africano. A terceira esposa, Viviane Ifasewa Swahili, chegou depois, e se reuniu conjuntamente da união recentemente no Brasil.Para além da questão conjugal, eles compartilham responsabilidades parentais, espirituais e cotidianas. Moram na mesma rua – em casas próximas, mas não juntas –, cuidam de filhos pequenos e cultivam uma rotina de colaboração. Gabriel passa um dia em cada casa. A meta é viver em um mesmo terreno, com residências isoladas, como fazem famílias tradicionais em vilas nigerianas.
Viviane, Laila, Gabriel e Daniela
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Equilíbrio, escuta e a negação do mito do “conto de fadas”Questionado sobre os desafios de manter um relacionamento estável com três mulheres, o professor é direto: “O maior desafio e aprendizado de viver uma família plural é buscar esse equilíbrio: saber reconhecer seu valor pessoal, saber ampliar as pessoas com quem você tem laços, mas sem entrar numa lógica de disputa, predatória, na qual você está atrás de seus interesses acima de qualquer coisa”, explica.A convivência, segundo Swahili, está longe de ser um ideal romântico. “Existe amizade, rivalidade, tudo isso… não é um conto de fadas. Somos pessoas reais, com vidas reais. Se um casal já enfrenta desafios, imagina quando são quatro pessoas?”, propõe.
Vivemos um período em que é mais fácil, mais barato, descartar aquilo que não está esmagado e adquirir um novo… e as pessoas têm repetido essa lógica com as relações
Cada relação é independente: ele se relaciona afetiva e sexualmente apenas com cada esposa e não há envolvimento sexual entre elas — mas a rotina é marcada por cooperação e convivência próxima. Um modelo que, segundo Gabriel, confronta o padrão de relações de oposição que se tornou comum na sociedade contemporânea.
Viviane, Laila, Gabriel, Daniela e os dois filhos
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Nem poliamor, nem monogamiaSwahili rejeita o rótulo de poliamorista e não se vê como “fora da curva”, mas dentro de um percurso ancestral. “Diferente do Poliamor ou das relações livres, que são modelos que em alguma medida antagonizam ou querem autonomia da monogamia, no entendimento dos sistemas de casamento africanos a poliginia é uma dinâmica complementar à monogamia”.
Segundo Gabriel, essa forma de união não se propõe a substituir a monogamia, mas a expandir a compreensão de afeto e justiça relacional, especialmente em contextos históricos de violência como o da população negra.”A poliginia existe para permitir que em caso de desequilíbrio entre os gêneros – a mortalidade masculina historicamente era maior e ainda hoje segue maior – nenhuma mulher fosse obrigada ao celibato ou a se submetida às relações clandestinas. Então, eu vejo a poliginia como uma ‘monogamia ampliada’, que me parece mais saudável do que a (pseudo) monogamia serial que se vive hoje no ocidente”, diz.
As mulheres Swahili e seus filhos
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O peso do preconceito e o tabu da verdadeGabriel não se ilude com a acessibilidade social. Ele pontua que o modelo conjugal escolhido é alvo de críticas veladas e abertas – especialmente com a cultura ocidental de infidelidade masculina.“Se eu tivesse treinado ou simplesmente mantido várias relações clandestinas, sem nenhum compromisso, não teríamos que lidar com tanta aversão”. Segundo Gabriel até mesmo seus filhos “recebem uma carga de preconceito”.A hipocrisia institucional também incomoda. “Legalmente eu não posso me casar com minhas esposas, com a anuência delas, dentro da legislação do Brasil, mas este mesmo sistema jurídico proíbe relações clandestinas, feitas às vezes à revelação das esposas e até das amantes”, destaca.Verdade, ancestralidade e origem da afetividade negraPara além da provocação social, Gabriel vê sua escolha como parte de um projeto maior: o de restaurar vínculos afetivos africanos que foram destruídos pela escravidão e pelo racismo. “As famílias negras, em um contexto racista, são massacradas para não existir… porque uma pessoa escravizada não deveria ter família… Muitas pessoas negras precisaram soterrar seus afetos para não se tornarem vulneráveis durante a escravização”, afirma.Para ele, restaurar vínculos afetivos é também restaurar linhagens e histórias apagadas. Essa passagem passou pela escuta dos mais velhos — tanto dos que ainda caminham na Terra quanto daqueles que já fizeram a passagem para o “mundo dos ancestrais”.
Viviane, Laila, Gabriel e Daniela
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Se tivesse indicado um único valor capaz de sustentar uma estrutura familiar plural, Gabriel não hesitou: “O valor fundamental é a verdade. A verdade não como uma pretensão superioridade sobre o outro, mas a verdade consigo mesmo”, afirma.Ele reforça que o casamento, dentro de uma perspectiva ancestral africana, não é apenas uma união de duas pessoas, mas o encontro entre duas linhagens, com suas histórias, espiritualidades e compromissos coletivos. Na sua visão, os afetos fazem parte de uma continuidade: honram os que vieram antes e preparam o caminho para os que ainda virão.Lei não reconhece relaçãoNo Brasil, a união deles não é reconhecida civilmente — a Constituição não permite a poligamia. Ainda assim juraram fidelidade uns aos outros em duas cerimônias religiosas: uma no Zimbábue, em 2015, e outra no Brasil, em 2024.