Forró com respeito: campanhas contra assédio estão mudando o São João da Bahia

Os festejos juninos já começaram, trazendo consigo a animação das quadrilhas, o sabor das comidas típicas e o embalo contagiante do forró. Mas, em meio à celebração, a atenção à segurança das mulheres é crucial, exigindo um olhar atento para o combate ao assédio e à importunação sexual, reforçando a necessidade de respeito e proteção. Assim, campanhas de conscientização que empoderam mulheres e educam os homens têm se intensificado por todo estado.Uma delas é a Oxe, Me Respeite!, da Secretaria das Mulheres do Estado da Bahia (SPM), uma iniciativa que visa sensibilizar a população e garantir a segurança das mulheres nos espaços festivos em cerca de 30 municípios baianos. “E isso bem antes dos festejos de fato começarem. Temos capacitado e orientado desde os coordenadores de evento até os barraqueiros, os qualificando para que possam realizar uma intervenção caso necessário”, explica a superintendente de Prevenção e Enfrentamento a Violência Contra as Mulheres da SPM, Camilla Batista.Com postos avançados de atendimento espalhados pelo estado, que estão integrados a outros órgãos, a campanha está distribuindo as conhecidas tatuagens com o nome da iniciativa e espalhando cartazes com um QR Code – que são colocados, principalmente, nas barracas do entorno dos festejos – onde as mulheres encontram informações sobre como e onde pedir ajuda. Em parceria com as prefeituras, o Oxe, Me Respeite! também está utilizando mídias em led: durante as trocas de bandas, os telões dos palcos transmitem mensagens sobre respeito e Não é Não.“São iniciativas bem lúdicas e educativas, que fazem parte de um grupo maior de ações que realizamos não apenas para proteger e acolher as mulheres, mas que também levamos aos grupos de ressocialização durante todo o ano, por exemplo, para que os homens não perpetuem esses comportamentos nos futuros relacionamentos”, explica Camilla Batista. Souto Soares, Andaraí, Senhor do Bonfim, Mucugê, Cachoeira, Serrinha, Camaçari, Amargosa e Alagoinhas são alguns dos municípios onde a campanha irá distribuir materiais informativos e realizar ações em parceria com a rede local.Em Salvador, onde as capacitações prévias já acontecem, a parceria na realização das atividades é com a Secretaria de Turismo do Estado da Bahia (Setur). Para a professora e mestre em dança, especialista em história social e cultura afro-brasileira, Vânia Oliveira, essas campanhas são importantes por causa do histórico de machismo que faz parte da nossa sociedade, “e dentro dele a percepção de que o corpo feminino é um objeto”, explica. E, mesmo com os avanços significativos alcançados ao longo dos anos, isso se replica ainda hoje.“Essas iniciativas defendem o direito da mulher de escolher com quem e se ela quer ficar, e a liberdade de transitar nos espaços. São campanhas importantes nas nossas lutas, pois dizer ‘Não’, é dizer: nos respeitem, o nosso corpo é nosso, a gente faz dele o que quiser e ele não te pertence, mostrando que o corpo feminino não é um objeto”, afirma Vânia Oliveira, pontuando ainda que, muitas vezes, a bebida alcoólica é usada como desculpa por quem comete esses crimes.“Se você tem a mínima noção de que beijar uma mulher a força é errado, não vai ter álcool que mude seu comportamento”, salienta.Presença na capitalNa capital baiana, outra campanha que já está a todo vapor é a “Não é Não também no São João”, da Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres, Infância e Juventude (SPMJ), que já começou a espalhar cartazes pela cidade. A campanha, aponta a titular da SPMJ Fernanda Lordelo, sinaliza e reforça para as pessoas que a violência contra a mulher acontece todos os 365 dias do ano – e que a atenção deve ser redobrada no período dos festejos, onde há muita bebida e pessoas se aglomerando.“É importante se atentar que a liberdade do espaço é para todos e que as mulheres precisam estar em segurança. Então nós fazemos esse movimento de diálogo, orientando o público e indicando onde essas mulheres podem ser acolhidas e assistidas em caso de violência”, explica a secretária, pontuando que, caso algum tipo de violência contra uma mulher seja identificada, a orientação é buscar no evento a Polícia Civil e Militar, ou ir direto para a Casa da Mulher Brasileira (na Av. Tancredo Neves, próximo ao Hospital Sarah), “um espaço multidisciplinar onde todos os serviços estão agregados e essa mulher vai poder ter proteção e atendimento integral”, explica a titular.Artista plástica, professora, locutora e vendedora em uma loja de instrumentos musicais no Centro Histórico, Silvia Cristina Pires Bispo ressalta que esse desrespeito pelo corpo feminino, assim como o racismo e a intolerância, por exemplo, são problemas estruturais.“Crescemos em meio a esse desrespeito onde taxam a mulher como ‘à disposição’ e se sentem no direito de pegar, abraçar e beijar apenas por ela estar em um barzinho, onde um homem decide estuprar uma mulher apenas por ver ela com roupas curtas… Não! O corpo é nosso, temos o nosso espaço e nosso ‘pare’, ‘não quero’ e ‘não’ devem ser respeitados”, enfatiza Silvia Cristina.A artista aponta que essas campanhas são essenciais, assim como “toda mulher deve encontrar meios de se proteger e defender nessas situações” afirma, usando o silencioso sinal internacional de pedido de ajuda “onde dobramos o polegar para o centro da palma e fechamos o punho”.Para a trancista e dançarina Dalva Ângela de Souza, a importância dessas campanhas está justamente em ensinar respeito. “Hoje falamos muito sobre a mulher ter que tomar os seus cuidados e não se expor muito, né? Mas a realidade é que se a mulher está de roupa curta ou longa, sempre tem a possibilidade de receber esse olhar ruim do homem, né?”, reflete a trancista.Fundadora e CEO da Livre de Assédio – organização especializada em desenvolver protocolos contra violência de gênero –, Ana Addobbati explica que a primeira orientação para as mulheres em festas sempre é saber identificar que insistências para dançar em par, toques e beijos sem autorização, assim como passadas de mão no cabelo, configuram, sim, crimes de importunação sexual.Busca de ajuda“Se durante a dança você se sentir incomodada com um toque invasivo, peça para parar. E se pediu para parar, tem que parar. Jamais se culpe e não deixe que minimizem a responsabilidade do ato com o pretexto de excesso de bebida. Busque ajuda nos pontos de apoio do evento em que estiver. Nestes momentos, uma rede de acolhimento faz muita diferença para que você se sinta segura para encaminhar a situação para as autoridades competentes”, explica Ana Addobbati.Caso sofra ou veja alguma mulher passando por uma situação de assédio ou violência, ligue para o 180 (Central de Atendimento à Mulher), para o 181 (Disque Denúncia), se dirija à uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), a Casa da Mulher Brasileira ou entre em contato com as forças policiais, Civil ou Militar.
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