Turismo em massa: Louvre fecha após funcionários entrarem em greve contra superlotação


Lar da Mona Lisa e museu mais visitado do mundo foi fechado sem aviso; equipe alega esgotamento diante do excesso de visitantes. Turistas aguardam na fila do lado de fora do museu do Louvre, que não abriu no horário previsto na segunda-feira, 16 de junho de 2025, em Paris.
Foto AP/Christophe Ena
O Louvre, o museu mais visitado do mundo e lar da Mona Lisa, fechou as portas temporariamente nesta segunda-feira (16), após os funcionários entrarem em greve contra o turismo de massa.
Milhares de visitantes, confusos e com ingresso na mão, foram barrados em longas filas sob a pirâmide de vidro que fica na entrada do museu.
“É o lamento da Mona Lisa”, brincou Kevin Ward, 62, de Milwaukee. “Milhares de pessoas esperando, sem comunicação, sem explicação. Acho que até ela precisa de um dia de folga.”
O Louvre se tornou um símbolo do turismo levado ao limite. Enquanto destinos como Veneza e Atenas correm para conter multidões, o museu mais icônico do mundo — que recebe milhões de visitantes — está chegando ao seu limite.
No domingo (5), protestos coordenados contra o turismo varreram o sul da Europa.
Milhares marcharam em Palma de Maiorca e Barcelona (Espanha), Veneza (Itália) e Lisboa (Portugal), criticando um modelo econômico que, segundo eles, expulsa moradores e destrói o cotidiano urbano.
Em Barcelona, ativistas chegaram a borrifar turistas com pistolas d’água — um gesto simbólico para “esfriar” o turismo desenfreado.
A paralisação no Louvre começou de forma espontânea, durante uma reunião interna de rotina.
Atendentes, bilheteiros e seguranças se recusaram a assumir seus postos, protestando contra multidões incontroláveis, falta crônica de pessoal e o que um dos sindicatos classificou como “condições de trabalho insustentáveis”.
Fechar as portas do Louvre é algo raro. Isso aconteceu em tempos de guerra, na pandemia e durante poucas greves — incluindo paralisações espontâneas por superlotação em 2019 e por questões de segurança em 2013. Mas raramente o fechamento foi tão abrupto, sem aviso e diante de uma multidão.
A interrupção ocorre meses após o presidente francês Emmanuel Macron anunciar um plano de 10 anos para “salvar o Louvre” de problemas como: infiltrações, variações de temperatura, infraestrutura ultrapassada e um volume de visitantes muito além da capacidade.
Para os funcionários, esse futuro ainda parece distante.
“Não podemos esperar seis anos”, disse Sarah Sefian, atendente e responsável por serviços ao visitante. “Não se trata apenas das obras de arte — mas de quem as protege.”
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A multidão da Mona Lisa
No centro de tudo está ela: a Mona Lisa. O retrato do século 16 atrai, diariamente, cerca de 20 mil pessoas à Salle des États, a maior sala do museu — onde o clima mais parece um show de celebridade do que uma experiência artística.
A disputa por selfies e espaço é tanta que muitos sequer olham para os quadros ao redor — obras-primas de Ticiano e Veronese passam despercebidas.
“Você não vê um quadro”, disse Ji-Hyun Park, de 28 anos, que viajou de Seul a Paris. “Você vê celulares, vê cotovelos, sente calor. E depois é empurrado para fora.”
O plano de Macron, chamado “Nova Renascença do Louvre”, promete resolver parte do problema. A Mona Lisa terá uma sala exclusiva, com entrada controlada por horário, e será criado um novo acesso ao museu pela margem do rio Sena até 2031, para desafogar a pirâmide.
“As condições de exibição e de acolhimento vão estar à altura do que a Mona Lisa merece”, afirmou Macron, em janeiro.
Mas os trabalhadores acusam o presidente de hipocrisia. Enquanto ele promete novos espaços e acessos, os subsídios anuais do governo francês ao museu caíram mais de 20% na última década — mesmo com o aumento do número de visitantes.
“É revoltante que o presidente faça discursos aqui no nosso museu”, disse Sefian. “Mas, se você olhar de perto, verá que o investimento do Estado só piora ano após ano.”
Alguns funcionários cogitam reabrir parcialmente a “rota das obras-primas” por algumas horas, permitindo acesso à Mona Lisa e à Vênus de Milo. O museu completo pode voltar a funcionar na quarta-feira. Turistas com ingressos para segunda devem poder reutilizá-los. O Louvre não abre às terças.
Um museu no limite
O Louvre recebeu 8,7 milhões de visitantes em 2023 — mais do que o dobro da capacidade para a qual foi projetado.
Mesmo com um limite diário de 30 mil pessoas, funcionários relatam que a visita virou um teste de resistência: poucos banheiros, áreas de descanso insuficientes e calor excessivo, amplificado pelo efeito estufa da pirâmide de vidro.
Em um memorando vazado, a presidente do Louvre, Laurence des Cars, alertou que parte do prédio “não é mais à prova d’água”, que as variações de temperatura ameaçam obras inestimáveis, e que o museu falha até em oferecer o básico — como alimentação, sinalização e banheiros — nos padrões internacionais. Ela descreveu a experiência como “um desafio físico”.
A paralisação começou como uma reunião de rotina e virou um grito coletivo de frustração. As negociações entre funcionários e direção começaram às 10h30 e seguiram à tarde.
O plano de renovação será financiado por ingressos, doações privadas, verba estatal e royalties do Louvre Abu Dhabi. O preço do ingresso para turistas de fora da União Europeia deve aumentar ainda este ano.
Mas os trabalhadores dizem que não podem esperar tanto.
Ao contrário de outros ícones de Paris, como a Catedral de Notre-Dame ou o Centro Pompidou, que estão sendo restaurados com apoio do governo, o Louvre segue num limbo — nem restaurado, nem totalmente funcional.
Macron, que celebrou sua vitória presidencial de 2017 aos pés da pirâmide e exibiu o Louvre durante a Olimpíada de Paris em 2024, prometeu um museu mais seguro e moderno até o fim da década.
Até lá, o maior tesouro cultural da França — e os milhões que o visitam — seguem presos nas rachaduras.
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