
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) diz que ‘não há qualquer comprovação científica robusta, baseada em estudos clínicos de qualidade, que sustente o método denominado ‘modulação hormonal nano'” oferecido por Marco Botelho em cursos até hoje. Marco Botelho foi indiciado por três crimes em São Paulo
Reprodução/Redes sociais
A Polícia Civil de São Paulo indiciou por charlatanismo, falsidade ideológica e exercício ilegal da medicina o cirurgião-dentista Marco Antônio Botelho Soares. Ele continuava promovendo cursos e supostos tratamentos hormonais, apesar de ter tido o registro profissional cassado pelo Conselho Regional de Odontologia do Ceará em 2019, bem como a inscrição secundária por Alagoas.
O relatório final da Polícia Civil é de 26 de maio. O Ministério Público e a Justiça vão analisar o inquérito, que também solicita que perfis nas redes sociais sejam excluídos. Procurado, o advogado de Marco respondeu ao e-mail, mas não se manifestou sobre o cliente até a última atualização desta reportagem.
Segundo o inquérito da 1ª Delegacia da Divisão de Infrações contra a Saúde Pública, Marco também se apresentava como “doutorando em ginecologia pela Unifesp”. À polícia, a Universidade Federal de São Paulo afirmou que houve matrícula em curso de ginecologia, mas que constava como cancelada.
Em nota à TV Globo, a Unifesp informou que Marco foi aluno de doutorado do programa de pós-graduação em medicina/ginecologia entre 2015 e 2019, mas, “por ter sido descredenciado do programa em 2019, não obteve a titulação de doutor pela instituição”.
As investigações começaram após denúncia do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (Crosp) em fevereiro de 2024 e revelaram cursos oferecidos por ele com valores entre R$ 800 e R$ 850. Ainda segundo a polícia, prometiam curas para doenças por meio de “modulação hormonal nano”, um suposto método não reconhecido pela Anvisa nem pelo Conselho de Medicina, de acordo com as informações encaminhadas pelos órgãos à polícia de São Paulo.
De acordo com a polícia, Marco Botelho promovia eventos presenciais em hotéis e centros de convenções ao menos em São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Distrito Federal. Em fevereiro de 2024, ele chegou a ser preso em flagrante em Recife após descumprir uma decisão judicial que o proibia de ministrar cursos sobre o tema. Foi liberado sob fiança.
A delegacia representou ao Judiciário pela exclusão dos perfis nas redes sociais, por considerar que “atentam contra a saúde pública”.
Em uma das postagens investigadas, uma arte mostra uma mamografia com o texto “máquina de fabricar câncer”. Em outra, afirmava que mulheres diagnosticadas com câncer de mama tinham, na verdade, deficiência de testosterona.
A polícia ouviu pessoas que participaram dos cursos. Uma enfermeira relatou ter pago R$ 856 pelo treinamento, mas que considerou “as informações irrelevantes”. Outra participante, estudante, pediu reembolso e “também desconhecia os impedimentos legais do investigado”.
Botelho foi indiciado por charlatanismo por conta da promessa de cura sem respaldo científico. Por falsidade ideológica, devido a declarações mentirosas sobre formação e exercício ilegal da medicina e da odontologia “pela continuidade da atuação na área da saúde, realizando diagnósticos, indicando tratamentos hormonais e ministrando cursos sobre temas médicos e odontológicos, mesmo após a cassação de seu registro profissional e sem possuir habilitação médica”.
Ele também apareceu em foto ao lado da médica paraense Lana Almeida, que atualmente está impedida de exercer a profissão de medicina.
A decisão é do Conselho Regional de Medicina do Pará e foi referendada pelo Conselho Federal de Medicina depois que Lana viralizou em outubro de 2024 ao postar um vídeo no Instagram afirmando que o câncer de mama não existe e que o exame de mamografia causava uma séria inflamação nas mamas. Essas afirmações são falsas e não encontram respaldo científico.
Ao fim do vídeo, depois de negar o câncer, Lana indicava o “protocolo Marco Botelho para tratar as inflamações corporais”.
Marco Botelho e Lana Almeida
Reprodução
O que diz o Conselho Regional de Odontologia
Em nota, o Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (Crosp) diz que busca impedir a atuação de Botelho no estado de São Paulo, que “afronta violentamente a Saúde Pública com suas atividades”.
O conselho ainda detalhou sobre as técnicas de modulação hormonal e disse que a “Resolução 199/2019 do Conselho Federal de Odontologia especifica que ficam vedadas ao cirurgião-dentista a prescrição e a divulgação de terapias denominadas de modulação, reposição, suplementação e/ou fisiologia hormonal, bem como a utilização de quaisquer outros termos não reconhecidos cientificamente, fora da sua área de competência e atuação”.
“Importante destacar que o Sr. Botelho não possui mais inscrição ativa como cirurgião-dentista junto a qualquer Conselho Regional. Em 2019, a sua inscrição foi cassada junto ao Conselho Regional do Ceará, e tempos depois, a sua inscrição secundária, junto ao Regional de Alagoas, também foi cassada.”
Segundo o Crosp, a entidade tomou conhecimento de que haveria cursos em vários locais do estado, “requerendo liminar para impedir a realização e a divulgação dos cursos, bem como que o mesmo se apresente ilegalmente como cirurgião-dentista”.
“Vale ressaltar que, na esfera criminal, o Sr. Botelho já teve duas prisões (em Porto Alegre, em 2019, e em Pernambuco, 2024). O CROSP colabora com as investigações sobre o caso, junto da 1ª Delegacia de Polícia de Saúde Pública do Estado de São Paulo.”
Anvisa
A Anvisa informou que protocolos e procedimentos não são validados pela Anvisa. No entanto, esta tarefa é das sociedades médicas e conselhos profissionais.
“Porém, intervenções em saúde devem ser realizadas com produtos regularizados. Não há na Anvisa nenhum produto registrado com o nome ‘modulação hormonal nano'”, disse.
Sobre a empresa que oferece produtos anunciado por Botelho, a Anvisa aponta que ela possui autorização de funcionamento como farmácia, mas não tem autorização para fabricar medicamentos, somente para atuar como farmácia.
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), entidade médica responsável por ensino, pesquisa e atualização científica na área de Endocrinologia e Metabologia, encaminhou um posicionamento sobre “especialistas hormonais” e a chamada “modulação hormonal nano”. Veja abaixo na íntegra:
“1. Não existe no Brasil ou em qualquer outro país reconhecido pela comunidade médica internacional a especialidade médica denominada ‘especialista hormonal’.
• A atuação médica relacionada aos hormônios e às glândulas endócrinas é responsabilidade do endocrinologista, título conferido exclusivamente a médicos com Residência Médica reconhecida pelo MEC ou prova de título reconhecida pela AMB (Associação Médica Brasileira) e com Registro de Qualificação de Especialista (RQE) ativo no CRM.
2. A SBEM também reafirma que não há qualquer comprovação científica robusta, baseada em estudos clínicos de qualidade, que sustente o método denominado ‘modulação hormonal nano’.
• A expressão ‘modulação hormonal’, amplamente utilizada por clínicas sem respaldo acadêmico, não tem definição reconhecida na literatura científica médica e frequentemente é associada ao uso irregular de hormônios, em doses supraterapêuticas ou com justificativas não embasadas.
• O termo ‘nano’ é utilizado com apelo meramente comercial, sem que haja validação técnica quanto à eficácia, segurança ou superioridade de tais formulações em comparação com hormônios tradicionais aprovados pela Anvisa.
3. A SBEM alerta que o uso indiscriminado e sem indicação médica comprovada de hormônios mesmo em doses ditas ‘bioidênticas’, ‘moduladas’ ou ‘nano’ pode oferecer riscos à saúde, incluindo distúrbios metabólicos, cardiovasculares, hepáticos e até oncológicos.
A SBEM orienta que a população procure sempre médicos com formação reconhecida, com RQE em Endocrinologia e Metabologia, e que os tratamentos hormonais sigam as diretrizes científicas nacionais e internacionais, baseadas em evidências e segurança.”