
Sérgio Abranches foi o convidado de Natuza Nery no episódio de sexta-feira do podcast O Assunto. A derrota histórica sofrida pelo governo Lula na última quarta-feira (25) expõe como o sistema político brasileiro “está disfuncional”, segundo análise do cientista político Sérgio Abranches. A análise foi feita em conversa com Natuza Nery no episódio da sexta-feira (27) do podcast O Assunto. OUÇA NO PLAYER ACIMA A PARTIR DO MINUTO 26:11.
“O que temos hoje é uma disfunção. Não temos um modelo político em funcionamento. O sistema de governo não está funcionando direito. Ele está disfuncional”.
Escritor e PhD em Ciência Política e Sociologia Comparada pela Cornell University, nos Estados Unidos, Sérgio Abranches criou em 1988 o termo “presidencialismo de coalizão”, que caracteriza o regime de poder no Brasil. Por este sistema, o presidente precisa formar uma coalizão com outros partidos. Esta necessidade se dá por dois motivos:
O Brasil tem um sistema federativo muito extenso e diferenciado
O sistema partidário brasileiro é muito fragmentado, com mais muitos partidos disputando vagas na Câmara dos Deputados
Por essas características, historicamente o partido do presidente eleito não consegue eleger mais de 20% das 513 cadeiras na Câmara dos Deputados. Hoje, por exemplo, o PT do presidente Lula tem 67 deputados federais.
Para Abranches, mesmo que o Brasil tivesse um parlamentarismo, seria preciso um parlamentarismo de coalizão, também com acordos entre partidos para tornar a governabilidade viável.
“O Congresso tem poderes sobre áreas que são prerrogativas do Executivo. O Congresso está muito independente, de tal forma que não precisa formar coalizões com o Executivo e com o próprio eleitor”, diz Sérgio.
Ele explica que esta independência se dá porque o parlamento brasileiro tem um Orçamento turbinado por emendas parlamentares, além do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral.
“[O Congresso] consegue irrigar seus redutos. Cada parlamentar consegue irrigar bem o seu reduto eleitoral e garantir os votos necessários para sua reeleição. Então [o Congresso] não precisa sequer do eleitorado em si, precisa só de um grupo, um conjunto pequeno do eleitorado que o elege para se manter no poder”.
Sérgio avalia que, com este cenário, o Brasil tem “um Congresso que não representa e um Executivo que não consegue mais governar”.
A crise da governabilidade
Sérgio relembra que desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff o Brasil vive uma crise de governabilidade.
“A Dilma teve muita dificuldade para formar uma coalizão. Ela precisou de muitos partidos, e esses partidos não são partidos que se mantém fiéis ao governo, sobretudo quando o governo perde popularidade”, afirma.
Sérgio recorda ainda que o ex-presidente Michel Temer – vice de Dilma que assumiu após o processo de impeachment – também teve sua governabilidade ameaçada.
Eleito em 2018, Jair Bolsonaro assumiu a Presidência e tentou não formar uma coalizão com partidos, mas sim com bancadas no Congresso. Algo que, segundo Sérgio Abranches, não funcionou. O então presidente mudou de estratégia e fez acordo com outros partidos.
“Bolsonaro começou a fazer um acordo para a transferência de recursos do Executivo para o Legislativo”, relembra. Em 2019, foram criadas as chamadas emendas de relator, então identificadas no orçamento federal como rubrica RP9, que depois ficaram conhecidas como Orçamento Secreto. Na explicação de Sérgio, foi a partir daí que o Congresso teve seu orçamento fortalecido.
Em 2025, o Orçamento prevê mais de R$ 50 bilhões em emendas parlamentares. O valor representa 25% de todo o Orçamento para as chamadas despesas discricionárias, aquelas em que o governo tem liberdade para escolher como usar. São as chamadas despesas não-obrigatórias.
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O podcast O Assunto é produzido por: Mônica Mariotti, Amanda Polato, Sarah Resende, Luiz Felipe Silva, Thiago Kaczuroski e Carlos Catelan. Apresentação: Natuza Nery.
O tratoraço do Congresso sobre o governo
O Assunto é o podcast diário produzido pelo g1, disponível em todas as plataformas de áudio e no YouTube. Desde a estreia, em agosto de 2019, o podcast O Assunto soma mais de 161 milhões de downloads em todas as plataformas de áudio. No YouTube, o podcast diário do g1 soma mais de 12,4 milhões de visualizações.
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Jornal Nacional/ Reprodução