Órgãos ambientais são acionados para investigar falta de repovoamento de peixes há mais de uma década no Rio Paraná


Estação de Piscicultura da Companhia Energética de São Paulo (Cesp) está desativada. Estação de Piscicultura da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), em Castilho (SP), está desativada há mais de uma década
Reprodução/Google
A Câmara Municipal de Paulicéia (SP) solicitou a intervenção de órgãos ambientais para verificar e fiscalizar a Estação de Piscicultura da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), que funcionava como laboratório de alevinos, mas se encontra desativada há mais de uma década, em Castilho (SP).
📱 Participe do Canal do g1 Presidente Prudente e Região no WhatsApp
Um ofício datado em 6 de junho foi enviado ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP), ao Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul (MPE-MS), ao Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul), à Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo (Semil-SP).
Conforme o Poder Legislativo, a estação não realiza a soltura de alevinos há pelo menos 12 anos e não existe nenhum tipo de informação a respeito do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) nem, tampouco, do Relatório de Impacto Ambiental (Rima) sobre a quantidade de peixes no Rio Paraná.
Municípios como Paulicéia, que estão à beira do rio, sofrem com os impactos diretamente, segundo a Câmara, pela não realização dos trabalhos da Cesp, considerando que a maior geração de renda e o que gira a economia local são as atividades relacionadas ao rio, oriundas do turismo, como a pesca tanto esportiva como profissional.
O trecho fica na área de influência do reservatório formado no Rio Paraná pela Usina Hidrelétrica de Porto Primavera, em Rosana (SP).
Local onde fica a Estação de Piscicultura da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), em Castilho (SP)
Reprodução/Google
O pescador profissional Alcebiades Souza Filho, de 58 anos, de Paulicéia, explicou ao g1 que espécies nativas da Bacia do Rio Paraná quase não existem mais, o que prejudica as pessoas que vivem da pesca na região .
“As espécies que mais pescávamos aqui antigamente, e que hoje não existem mais, eram mandi (Pimelodus pohli), armal (Pterodoras granulosus), curimba (Prochilodus lineatus) e pintado (Pseudoplatystoma corruscans)”, contou o pescador.
Souza Filho disse que ele e outros trabalhadores sobrevivem com o que restou das espécies naturais do rio e de outras exóticas que apareceram, causando uma deterioração do ecossistema nativo.
“Na verdade, as espécies nativas têm muito pouco, o que está tendo hoje, eu estou sobrevivendo mais do piau-banana (Hemiodus semitaeniatus), da corvina (Argyrosomus regius) e do porquinho (Geophagus proximus), mas é peixe nativo, piauçu (Leporinus macrocephalus), que agora começou a aparecer um pouco, mas não é aquela quantidade que tinha antigamente, está bem pouco ainda, bem escasso”, completou Souza Filho.
O pescador afirmou também que várias espécies de piranhas estão se reproduzindo de forma descontrolada na bacia do rio, o que atrapalha as atividades, pois o animal mata os peixes que seriam a fonte de renda da população.
Estação de Piscicultura da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), em Castilho (SP), está desativada há mais de uma década
Reprodução/Google
“Como se tornou um lago, não adianta nem tentar pegar peixes grandes, pois, se colocar uma isca viva no espinhel, a piranha come tudo, não chega no fundo, e muitas espécies estão escassas realmente, como a jurupoca (Hemisorubim platyrhynchos). Você nem vê falar mais em jurupoca na nossa região. Piau-três-pintas (Leporinus friderici) desapareceu boa parte, curimba tem muito pouco. A bicuda (Boulengerella maculata) também você não acha mais”, disse Souza Filho ao g1.
A piranha-amarela (Serrasalmus maculatus) é natural da Bacia do Rio Paraná, porém, a espécie invasora, a piranha-branca (Serrasalmus marginatus), vivia em pequenos cardumes nas profundezas dos rios, mas se tornou mais abundante após a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, que destruiu a barreira natural na parte superior do rio.
“A piranha tomou conta do nosso rio. E nós não temos mais [alevinos], você vê que é muito difícil aparecer juvenis de peixes aqui”, salientou Souza Filho.
Pescador Alcebiades Souza Filho, de Paulicéia (SP)
Arquivo pessoal
VEJA TAMBÉM:
Ataques de piranhas colocam em risco segurança de banhistas em balneário no Rio Paraná; biólogo aponta desequilíbrio ambiental
De acordo com o morador de Paulicéia, o barbado (Pinirampus pirinampu) é uma das principais fontes de renda dos pescadores, mas está praticamente extinto do rio.
“O barbado também já não tem mais. O barbado você não pega aqui nem para remédio, de maneira alguma. E é um peixe que dá uma renda razoavelmente boa para pescadores profissionais”, afirmou o trabalhador.
Pescador Alcebiades Souza Filho, de Paulicéia (SP)
Arquivo pessoal
‘O impacto foi grande, sumiram espécies’, diz pescador
Souza Filho afirmou que a única solução para resolver o problema é a reativação do laboratório, porque as espécies nativas não se reproduzem de forma natural e as espécies exóticas, como o tucunaré (Cichla ocellaris), originário da Bacia Amazônica, devoram os alevinos.
“Precisa mesmo, urgente, reativar o laboratório para fazer a reposição de peixes nativos. Precisamos de reposição, porque as espécies nativas não se reproduzem naturalmente mais no rio. As espécies que estão se reproduzindo em quantidade fora do normal são espécies exóticas, como o tucunaré, o piau-banana. A piranha, que é da bacia, está se reproduzindo fora do normal e acaba sendo prejudicial também […]. O que a gente precisa é disso aí, é do laboratório de reposição com urgência, que não deveria nem ter fechado, para fazer a soltura dos juvenis em nosso rio. É a única saída que nós temos aqui, não só o pescador profissional, como o comércio em geral, o turismo, as pousadas”, alertou.
Local onde fica a Estação de Piscicultura da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), em Castilho (SP)
Reprodução/Google
Segundo o pescador Élio da Silva, de 59 anos, de Rosana, a quantidade de peixes diminuiu nos últimos anos e o impacto foi grande para quem depende do setor para sobreviver.
“Os peixes que mais pescamos aqui na bacia são curimba, cascudo (Loricariidae) e armal. Mas hoje está escasseado. Hoje não tem tanto peixe. Eu sou morador de ilha há 25 anos. O impacto foi grande, sumiram bastante espécies […]. As altas e baixas da barragem também influem muito, os peixes não vêm pra cá, os peixes ficam lá para baixo mesmo, aqui para cima eles não ficam, eles vão pra parte de fundo, aqui só tem areia, o lugar que tem areia não dá peixe”, disse Silva ao g1.
Pescador Alcebiades Souza Filho, de Paulicéia (SP)
Arquivo pessoal
O presidente da Associação em Defesa do Rio Paraná, Afluentes e Mata Ciliar (Apoena), Djalma Weffort, explicou que a entidade é favorável à soltura dos alevinos, mas se preocupa com o desequilíbrio ecológico causado por peixes trazidos de outros locais ao Rio Paraná.
“A Apoena é favorável à soltura de peixes no reservatório, mas desde que feita com cuidado, critérios técnicos e medidas adicionais, como a restauração das margens. Sabemos que, onde existe margem com vegetação, as chances de os peixes sobreviverem é muito maior, além do que proporcionam alimentos à ictiofauna como um todo”, enfatizou o ambientalista.
“A respeito dos critérios de soltura, ou peixamento, como também denominam, é preciso selecionar as espécies nativas juvenis. Temos a preocupação de que alevinos possam ser devorados pelos peixes maiores, principalmente pelo ataque de tucunaré – que, todos sabemos, é uma espécie exótica trazida erradamente da Bacia Amazônica e que tem causado graves danos às nossas espécies nativas –, infelizmente”, posicionou Weffort ao g1.
Estação de Piscicultura da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), em Castilho (SP), está desativada há mais de uma década
Reprodução/Google
No dia 6 de fevereiro, a Câmara Municipal de Paulicéia já havia protocolado no Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) um ofício solicitando a intervenção do governo federal nos seguintes termos:
autorização para soltura de alevinos juvenis de peixes provenientes da Bacia do Rio Paraná;
intervenção imediata do MPA para que seja disponibilizada cópia do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pela Cesp no período em que a empresa alagou as áreas do município quando da formação do lago da Usina Hidrelétrica de Porto Primavera, em Rosana; e
que o ministério cobrasse da Cesp a divulgação do EIA e do Rima dos últimos 15 anos do Rio Paraná.
A resposta do MPA ao Poder Legislativo foi a seguinte:
“Cumprimento-o cordialmente, faço referência ao Ofício nº 007/25 de 06 de fevereiro de 2025 (40612975), oriundo da Câmara Municipal de Paulicéia , o qual versa sobre solicitação de intervenção do Ministério da Pesca e Aquicultura para que sejam verificadas e fiscalizadas questões que envolvem a Estação de Piscicultura da Cesp.
Agradecemos pelo contato e reconhecemos o significativo impacto gerado por empreendimentos hidrelétricos na atividade pesqueira da região oeste de São Paulo.
Com relação a fiscalização, esclarecemos que o Ministério da Pesca e Aquicultura não possui competência para fiscalizar empreendimentos localizados em áreas pertencentes aos estados, municípios ou privadas, fiscalizando apenas os contratos de cessão de uso de aquicultura em águas da União.
Caso haja o interesse para uso dos espaços físicos em corpos d’água de domínio da União para fins de aquicultura, o procedimento operacional para cessão das áreas estão estabelecidos por meio da Portaria SAP/MAPA nº 412, de 8 de outubro de 2021 e Portaria Conjunta SAP/MAPA – SPU/SEDDM/ME nº 396, de 16 de setembro de 2021, e podem ser encontrados no link.
Quanto ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e ao Relatório de Impacto Ambiental (Rima) da Companhia Energética de São Paulo (Cesp) devem ser solicitados à Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – Cetesb, à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística de São Paulo – Semil, ao Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul – Imasul, ao Ministério Público de São Paulo e ao Ministério Público de Mato Grosso do Sul, órgãos responsáveis pela supervisão ambiental.
De acordo com informações da Companhia Energética de São Paulo, a barragem de Porto Primavera conta com dispositivos de transposição de peixes (escada e elevador para peixes) e a produção de alevinos para ações de repovoamento está sendo realizada na Estação de Hidrobiologia e Aquicultura (EHA) localizada na cidade de Paraibuna (SP)”.
Estação de Piscicultura da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), em Castilho (SP), está desativada há mais de uma década
Reprodução/Google
Cesp
A reportagem do g1 recebeu da Cesp o seguinte posicionamento oficial sobre o assunto:
“A Cesp esclarece que, durante o processo de licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta, foram conduzidos diversos estudos técnicos e audiências com especialistas em ictiofauna. De forma unânime, esses profissionais recomendaram a suspensão do programa de peixamento, diante da ausência de evidências que comprovassem sua eficácia, bem como devido a possibilidade de impor riscos negativos à conservação dos peixes. A medida foi acatada pelo Ibama com base nessas conclusões técnicas e permanece válida até a finalização de estudos complementares que estão em andamento.
O Ibama, por meio de Parecer Técnico e Ofício, reconheceu que a suspensão se deu a partir de discussões com especialistas e resultados do Subprograma de Produção de Alevinos, realizados no âmbito do licenciamento. Conforme destacado pelo órgão, não havendo motivações técnicas para dar continuidade à atividade, o Ibama acatou a recomendação dos pesquisadores.
Importante reforçar que, mesmo com a suspensão do peixamento, a Cesp segue comprometida com a conservação da ictiofauna. Vale destacar a implementação do Subprograma de Conservação da Qualidade Ambiental dos Rios Tributários, com ações voltadas à preservação dos ambientes, em especial os hábitats reprodutivos naturais dos peixes e ao equilíbrio ecológico dos ecossistemas aquáticos da região.
É importante frisar que o peixamento, apesar de tradicionalmente associado como medida benéfica ao meio ambiente, pode gerar desequilíbrios ecológicos e prejudicar a biodiversidade quando não embasado em evidências científicas robustas. A decisão do Ibama de suspender o programa visa justamente preservar o equilíbrio da ictiofauna e implementar outras ações comprovadamente mais efetivas à manutenção da pesca e conservação dos peixes.
A Cesp segue à disposição para colaborar com as autoridades competentes e com a comunidade, prezando sempre por decisões técnicas, transparentes e sustentáveis”.
O pescador Alcebiades de Souza Filho (à direita), em foto de 1999, após pescar um jaú com 100kg e 1,70m de comprimento, no Rio Paraná; à esquerda, o então prefeito de Rosana (SP) na época, Newton Rodrigues da Silva
Arquivo pessoal
Ibama
O g1 pediu um posicionamento oficial ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o órgão federal alegou que “prefere não se pronunciar, no momento, sobre o assunto”.
Cetesb
O g1 não recebeu resposta da Cetesb.
MPE-SP
De acordo com o Ministério Público do Estado de São Paulo, “os ofícios enviados pela Câmara de Paulicéia estão sob análise da Promotoria de Justiça de Panorama (SP)”.
Semil-SP
A Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo (Semil-SP) se posicionou ao g1 com a seguinte nota oficial:
“A Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística informa que questões relacionadas ao Rio Paraná, incluindo licenciamento ambiental, estudos de impacto e atividades de piscicultura em suas margens, são de competência federal. O órgão responsável por avaliar e fiscalizar esses temas é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que detém a atribuição legal para atuar no Rio Paraná. Sendo assim, eventuais esclarecimentos sobre a situação da Estação de Piscicultura da Cesp em Castilho, bem como a ausência de soltura de alevinos e a existência de estudos ambientais, devem ser direcionados ao Ibama”.
Estação de Piscicultura da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), em Castilho (SP), está desativada há mais de uma década
Reprodução/Google
Imasul
O Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul foi questionado pelo g1 no dia 12 de junho, porém, não se posicionou até a publicação desta reportagem.
MPE-MS
O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul respondeu ao g1 através de uma nota oficial.
“Em atenção à solicitação enviada, informamos que, até o momento, não há atuação formal em trâmite no âmbito do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul (MPMS) relacionada às denúncias mencionadas pela Câmara Municipal de Paulicéia, referentes à Estação de Piscicultura da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), localizada no município de Castilho”, informou.
A nota segue dizendo que, segundo informações prestadas pelo promotor de Justiça consultado, a Cesp deixou de ser concessionária da unidade há mais de cinco anos, sendo que atualmente a responsabilidade pela área está sob a gestão de uma “empresa sucessora”.
“O processo de licenciamento, conforme esclarecido, é de competência do Ibama, e todas as obrigações ou condicionantes ambientais estão vinculadas àquele procedimento federal”, prosseguiu.
“Adicionalmente, foi informado que não há registro de denúncia formalizada, inquérito civil ou outro procedimento ativo relacionado ao caso na Promotoria de Justiça consultada”, concluiu o MPE-MS ao g1.
Estação de Piscicultura da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), em Castilho (SP), está desativada há mais de uma década
Reprodução/Google
Estação de Piscicultura da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), em Castilho (SP), está desativada há mais de uma década
Reprodução/Google
Estação de Piscicultura da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), em Castilho (SP), está desativada há mais de uma década
Reprodução/Google
Estação de Piscicultura da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), em Castilho (SP), está desativada há mais de uma década
Reprodução/Google
VÍDEOS: Tudo sobre a região de Presidente Prudente
Veja mais notícias em g1 Presidente Prudente e Região.
Adicionar aos favoritos o Link permanente.