O conteúdo dos últimos seis artigos que apresentamos nesta coluna – cujo objetivo tem sido sintetizar a história da arquitetura de Belo Horizonte –, nos permite afirmar que a cidade foi um turbilhão construtivo desde a sua fundação, no final do século XIX, sempre sob a égide do progresso e da modernização. Nesse contexto, a paisagem urbana local nunca perdeu o bonde das vanguardas arquitetônicas internacionais de todas as épocas, que aqui sempre aportaram muito cedo ou foram pioneiras no Brasil – como no caso da arquitetura pós‑moderna, que abordamos neste texto.
A partir da década de 1960, arquitetos norte-americanos e europeus passaram, simultaneamente, a questionar a feição internacionalista do modernismo e a defender uma arquitetura em diálogo com os contextos locais e a diversidade expressiva. Em suas várias correntes, a arquitetura pós-moderna buscou valorizar as formas históricas, os elementos vernaculares, o simbolismo da ornamentação, a complexidade formal e, até mesmo, a alta tecnologia nos chamados edifícios high-tech.
Dessa multiplicidade de abordagens, destacam-se os trabalhos teóricos e as obras do norte-americano Robert Venturi e do italiano Aldo Rossi, que desempenharam papel fundamental na difusão da expressão pós-moderna no cenário internacional – inclusive no Brasil. A célebre frase Less is bore (Menos é chato), enunciada por Venturi, sintetiza seu pensamento e contrapõe-se ironicamente ao lema modernista Less is more (Menos é mais), cunhado pelo arquiteto alemão Mies van der Rohe.
Tanto nas edificações projetadas por Venturi quanto nas de Rossi – nas quais reinterpretações de elementos tradicionalistas revelam uma das correntes mais emblemáticas do pós-modernismo, a historicista – observamos o resgate de referências do passado. Essa corrente valorizou as colunas, os frontões, as cúpulas, os ornamentos e os arquetípicos telhados de duas águas, entre outros, estabelecendo um novo ecletismo na arquitetura.
O contextualismo, outra importante vertente do pensamento arquitetônico pós-moderno, sobretudo no ambiente europeu do segundo pós-guerra, tinha como objetivo integrar melhor os novos projetos aos centros históricos. Essa tendência, muito trabalhada em teorias e projetos italianos, propunha a inserção das novas construções em respeito às suas preexistências, em diálogo com suas vizinhanças por meio da escala, dos materiais e das formas – e, por vezes, com as paisagens dominantes.

Em Belo Horizonte, o ponto de partida foi a revista Pampulha (1979–1984) – editada por um grupo diversificado de arquitetos – que se tornou um canal pioneiro no Brasil para a difusão das renovadoras ideias e projetos pós‑modernistas. Desse coletivo, destacam-se Éolo Maia, Maria Josefina Vasconcelos (Jô) e Sylvio de Podestá, que projetaram diversos edifícios pós-modernos, sobretudo historicistas, na capital e seus arredores e desbravaram esse estilo em um cenário nacional então dominado pela escola modernista.

Coincidência ou não, observa-se, nesse período, um paralelismo entre a instauração da política de proteção municipal ao patrimônio edificado e a deferência ao passado arquitetônico entabulada pelos pós-modernos. Em julho de 1984 foi promulgada pela Câmara municipal a Lei n. 3.802, que “Organiza a proteção do patrimônio cultural do município de Belo Horizonte.”
Em sentido mais amplo, vale destacar que a multifacetada cena pós-moderna em BH também contou com a produção de arquitetos de distintos matizes expressivos – não restritos ao historicismo –, como João Diniz, Gustavo Penna, Júlio Araújo Teixeira, Flávio Carsalade, José Eduardo Ferolla, Ronei Filgueiras, Álvaro Hardy, Carlos Alexandre Dumont (Carico), Saul Vilela, Cid Horta e Joel Campolina, entre outros.

O período de maior prevalência dessa nova arquitetura em Belo Horizonte foi nas décadas de 1980 e 1990, tendo como pano de fundo político o processo de redemocratização do país. No âmbito urbano, esse momento na cidade foi marcado, sobretudo, pela verticalização de construções em bairros e corredores viários fora da Avenida do Contorno e por notáveis fluxos populacionais – com os mais ricos buscando condomínios de luxo, enquanto os mais pobres se deslocavam para bairros precários e distantes do centro. Por outro lado, a chamada sociedade de consumo – um dos atributos da pós-modernidade – começou a gerar frutos na cidade com a criação de inúmeras lojas de luxo, do polo da moda no Barro Preto e dos shopping centers.

Nos edifícios pós-modernistas da capital e arredores, esse grupo explorou a vibração das cores, resgatou ornamentos, explorou a pluralidade de materiais e reinterpretou formas históricas para se contrapor a um modernismo já saturado no Brasil. Além de resgatar materiais rústicos, incorporaram em suas construções as estruturas e os revestimentos em aço – material típico das siderúrgicas mineiras, que até então era pouco explorado na arquitetura brasileira.

As obras pós-modernistas mineiras incorporam os princípios compositivos dessa vibrante corrente arquitetônica internacional. Em primeiro lugar, destaca‑se o formalismo – a defesa da liberdade na configuração formal das fachadas e a valorização de seus elementos constituintes. Nesse sentido, essa corrente criticou veementemente a padronização e a abstração formal do modernismo, combatendo os chamados cubos “brancos e lisos”. Essa postura culminou na supervalorização das fachadas, visível na exuberância cromática da caixa arquitetural da célebre Rainha da Sucata (1985), projetada por Sylvio de Podestá e Éolo Maia – talvez a obra pós-moderna mais emblemática do Brasil –, na qual a função utilitária cede lugar à função simbólica, por meio da ornamentação e de elementos arquetípicos, como frontões e colunas.

Nessa arquitetura, valoriza‑se também o projeto arquitetônico em si, ou seja, há um fascínio pelo poder expressivo dos desenhos e das maquetes. Por isso, esses arquitetos valorizam o tratamento gráfico dos seus trabalhos projetuais – com traços marcantes e muita cor –, nos quais os produtos são tratados como verdadeiras obras de arte. Nesse sentido, como apontaram as pesquisadoras Ruth Verde Zein e Maria Alice Junqueira, com o pós-modernismo nos estertores da ditadura militar, a arquitetura deixou de ser uma questão exclusivamente sociológica e política para tornar‑se também uma questão de desenho.

Em síntese, a arquitetura pós‑moderna em Belo Horizonte – com sua articulação entre memória e vanguarda, materializada por cores e formas que evocam simultaneamente tradição e inovação – reafirmou o caráter progressista da cidade no panorâma nacional. Hoje, esses edifícios – muitos deles dignos de tombamento pelo patrimônio municipal – continuam a lembrar‑nos que a arquitetura é, antes de tudo, um terreno de liberdade criativa.
Conheça outras obras emblemáticas do pós-modernismo em BH
1. Edifício Officenter
Obra de feição high‑tech projetada em 1989 pelos arquitetos Éolo Maia e Jô Vasconcelos, cuja torre se destaca na paisagem por assumir uma forma cilíndrica – pouco usual em prédios comerciais – e pelo uso marcante de revestimentos metálicos e cores em sua volumetria verticalizada.
Localização: Av. do Contorno, n. 2500. Bairro Santa Efigênia,

2. Edifico Vilaggio
Obra em estilo, projetada em 1986 pelos arquitetos Alberto Dávila e Júlio Araújo Teixeira, destaca‑se pela supervalorização do frontão triangular – uma das marcas da arquitetura clássica – que, neste caso, ganha dimensão lúdica na fachada.
Localização: R. Gonçalves Dias, n. 880. Bairro Savassi.

3. Residencial Park Buritis
Obra projetada em 1986 pelo arquiteto Sylvio de Podestá para um edifício de apartamentos no Buritis, região de expansão da capital durante os anos 1980. O revestimento, que cria faixas decorativas horizontais, é um artifício em nítido contraste com o modernismo purista.
Localização: Rua José do Patrocínio Carneiro. n. 75. Bairro Buritis.

4. Praça de Serviços da UFMG.
Obra projetada pelas arquitetas Ana Marques Machado e Márcia Augusta, juntamente com o arquiteto Antônio Brasil. Nessa intervenção, a materialidade ancestral do tijolo cerâmico e a repetição em série do arco – evocando construções romanas – contrastam com a estrutura metálica destacada em vermelho. A planta e a volumetria também remetem ao mundo clássico, lembrando a configuração do circo romano. A obra representa, portanto, um encontro entre nostalgia e tecnologia.
Localização: Campus da UFMG. Bairo Pampulha.

5. Edifício Scala Workcenter
Esta edificação para uso comercial e de salas, localizada no polo da moda do bairro Barro Preto, foi projetada pelo arquiteto João Diniz em 1995. No edifício, prevalece a estrutura metálica aparente. A fachada chama a atenção por suas cores vibrantes – sobretudo o amarelo e o azul. A diferenciação entre base, corpo e coroamento, típica da arquitetura tradicional, também se reflete na composição das fachadas.
Localização: Av. do Contorno, n. 9636. Bairro Barro Preto.

6. Casa 28 metros
Obra projetada pelo arquiteto João Diniz em 1980, o mesmo profissional que – além de trabalhar com sofisticadas e arrojadas estruturas metálicas – também adotou uma linguagem que incorpora elementos da tradição construtiva e dialoga com as culturas popular e vernacular, como nesta casinha de campo próxima a BH, construída num condomínio de Nova Lima.

7. Edifício Portais
Esta obra projetada em 1989 pelo arquiteto Joel Campolina destaca‑se pelo uso de dois sistemas estruturais distintos: na parte posterior, que abriga as salas, emprega‑se concreto armado; na fachada principal, erguem‑se pórticos metálicos aparentes, pintados de verde e coroados por arcos que remetem simbolicamente às janelas coloniais mineiras. O elevador panorâmico – instalado em frente ao edifício em estrutura metálica aparente vermelha, fechada por painéis de vidro transparente – evidencia a expressão tecnológica da construção, tornando‑se elemento compositivo de destaque.
Localização: R. Rio Grande do Sul, n.1040. B. Santo Agostinho.

8. Edifício Khronos
Mais conhecido como o edifício do relógio de sol da Savassi, essa obra foi projetada pelo arquiteto Júlio Araújo Teixeira em 1982, para uso comercial e de escritórios. Nessa composição, estabelecem-se importantes contrastes estéticos: se, por um lado, a tradição é pontuada pelo relógio de sol e pelo revestimento de tijolo avermelhado, por outro, a contemporaneidade se expressa na complexidade formal da volumetria e no destaque dado aos seus elementos metálicos.
Localização: R. Tomé de Souza, n. 1065. Bairro Savassi.

9. Escola Guignard
Este edifício, projetado pelo arquiteto Gustavo Penna em 1989, apresenta estrutura aparente em aço corten e abriga os cursos de artes da Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG. Sua fachada curvilínea, além de adotar uma tonalidade terrosa, abraça a vista panorâmica da cidade e reverencia a paisagem. Inserida na produção pós-moderna mineira, essa composição exemplifica o chamado contextualismo, ao estabelecer relações significativas com o ambiente em que se insere.
Localização: R. Ascânio Burlamarque, n. 540. Bairro Comiteco.

10. Anexo da Academia Mineira de Letras
Essa obra, também projetada pelo arquiteto Gustavo Penna em 1990, tem sua imagem fortemente referenciada no edifício histórico localizado à sua direita, o que denota uma criação alinhada ao espírito do contextualismo. Nesse sentido, a curvatura do Anexo da Academia Mineira de Letras direciona o olhar para o belo casarão vizinho, sede inicial da instituição. Além disso, sua cor, altura, suas colunas, a moldura no topo da fachada e até mesmo a forma da abertura vertical remetem ao edifício antigo – um belo exemplar do ecletismo do início do século passado.
Localização: R. da Bahia, n. 1466. Bairro Centro.

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