Relatórios climáticos dos Estados Unidos somem de sites oficiais


Avaliações nacionais são exigidas por lei e ajudam cidades a se preparar para impactos do clima, mas sumiram da internet sem aviso. Bombeiros combatem o fogo no parque de casas pré-fabricadas Palisades Bowl em Pacific Palisades, Los Angeles
Ringo Chiu/Reuters
As avaliações climáticas nacionais dos Estados Unidos, exigidas por lei, desapareceram dos sites federais criados para exibi-las. Especialistas alertam sobre ação do governo e dizem que isso dificulta o acesso de governos estaduais, municipais e do público às projeções sobre os impactos do aquecimento global e eventos extremos.
Os Estados Unidos vem enfrentando extremos. Os incêndios de proporção histórica em Los Angeles que devastou casas na região. A temporada violenta de furacões em 2024. Isso tudo é resultado das mudanças climáticas. Cientistas afirmam que os relatórios, revisados por pares, salvam vidas e evitam prejuízos.
Agora, os relatórios que podem ajudar a entender como essas mudanças afetam as várias regiões do país, desapareceram. Na segunda (30) e terça-feira (1°), os sites das avaliações nacionais e do Programa de Pesquisa sobre Mudanças Globais dos Estados Unidos ficaram fora do ar, sem links ou avisos explicativos.
A Casa Branca, responsável pelos relatórios, informou que os documentos serão armazenados pela NASA para cumprir a lei, mas não deu mais detalhes.
No entanto, em buscas pelas avaliações nos sites da NASA não retornaram resultados. A agência não respondeu aos pedidos de informação. A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), que coordenava os dados nos relatórios, também não respondeu às solicitações.
“É fundamental que os tomadores de decisão em todo o país conheçam os dados científicos contidos na Avaliação Climática Nacional. Essa é a fonte de informações mais confiável e bem avaliada sobre o clima que existe nos Estados Unidos”, disse a climatologista Kathy Jacobs, da Universidade do Arizona, que coordenou a versão de 2014 do relatório.
“É um dia triste para os Estados Unidos se for verdade que a Avaliação Climática Nacional não está mais disponível”, afirmou Jacobs. “Isso é evidência de grave adulteração dos fatos e do acesso das pessoas à informação, e pode, na verdade, aumentar o risco de pessoas serem prejudicadas por impactos relacionados ao clima.”
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John Holdren, climatologista de Harvard e conselheiro científico do ex-presidente Barack Obama, disse que após a edição de 2014, visitou governadores, prefeitos e autoridades locais que relataram como o documento os ajudou em decisões como elevar estradas, construir diques ou mover geradores de hospitais dos porões para os telhados.
“Este é um recurso governamental pago pelo contribuinte para fornecer informações que realmente são a principal fonte de informação para qualquer cidade, estado ou agência federal que esteja tentando se preparar para os impactos de uma mudança climática”, disse Katharine Hayhoe, cientista climática da Texas Tech, que colaborou com diversas edições do relatório.
Cópias antigas dos relatórios ainda estão armazenadas na biblioteca da NOAA. Já o repositório da NASA exibe links inativos para o site da avaliação.
A versão mais recente, de 2023, incluía um atlas interativo com dados em nível de condado. O relatório apontava que as mudanças climáticas afetam a segurança, saúde e subsistência das populações nos EUA de maneiras diversas — com comunidades indígenas e minoritárias entre as mais vulneráveis.
A Lei de Pesquisa sobre Mudanças Globais de 1990 exige uma avaliação a cada quatro anos e determina que o presidente mantenha um Programa Interinstitucional de Pesquisa. Na gestão Trump, autores voluntários da próxima edição foram dispensados e o contrato com a empresa que coordenava o site foi encerrado.
O site principal da NOAA, climate.gov, também foi redirecionado recentemente. Blogs e redes sociais da NOAA e da NASA sobre impactos climáticos foram encerrados.
“Faz parte de um quadro geral assustador”, afirmou Holdren. “É simplesmente uma demolição total e assustadora da infraestrutura científica.”
Para especialistas como Hayhoe e Jacobs, os relatórios dos EUA são ainda mais úteis que os publicados pela ONU, por serem mais locais e detalhados.
Além disso, os documentos são revisados por cientistas independentes, por agências federais e pela Academia Nacional de Ciências dos EUA.
Ocultar os relatórios, segundo Jacobs, seria uma forma de censura científica.
Hayhoe comparou o risco à direção de um carro em alta velocidade, sem visibilidade: “E agora, mais do que nunca, precisamos olhar para frente para fazer tudo o que for preciso para contornar aquela curva com segurança. É como se estivessem pintando nosso para-brisa.”
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