Vai parar Salvador: por que você precisa conhecer o Julho das Pretas

Se estiver pelo centro da cidade na última sexta-feira de julho, não se surpreenda ao encontrar vestígios de luta. Mas, calma, é luta das boas. Além da coincidência com o dia da semana em que se costuma vestir branco, a paz também é uma das principais bandeiras do Julho das Pretas, que celebra o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.Sob o tema Mulheres Negras em Marcha por Reparação e Bem Viver, a já tradicional caminhada parte da Piedade em direção ao Terreiro de Jesus a partir das 14h, tendo posicionamento político e expressão artística como principais combustíveis.A ação chega à 13ª edição na esteira das comemorações pelos 15 anos do Instituto Odara, fundado por Valdecir Nascimento, que desenvolve projetos na área de educação, formação política, comunicação, direitos humanos e saúde, hoje sob a coordenação executiva de Naiara Leite.A organização baiana criou o evento para marcar a data instituída pela Organização das Nações Unidas, mas apostou em uma identidade mais brasileira, já que o dia 25 de julho reverencia também Tereza de Benguela, líder quilombola reconhecida pelo legado de resistência à escravidão, no século XVIII.Ao longo dessa trajetória, o instituto ressignificou a estratégia de “dividir para conquistar”, geralmente utilizada para enfraquecer o oponente, e apostou na descentralização do protagonismo para fazer a iniciativa atravessar fronteiras. De uma ação pontual em Salvador, o Julho das Pretas se transformou em uma agenda nacional que ocupa todo o mês com atividades propostas por organizações, coletivos e movimentos de mulheres negras e ativistas. Só para termos ideia, na primeira edição a programação não chegava a 50 atividades na Bahia. Já em 2024 foram 539, em 29 estados.Beatriz Souza acompanhou de perto boa parte dessa expansão, que coincidiu com sua própria transformação. Prestes a completar 24 anos, ela já está há dez na equipe do Instituto Odara, onde atua como técnica no programa de comunicação e articuladora do núcleo de juventude. “Éramos oito pessoas, agora somos 30. O ativismo se expandiu e eu sempre fui estimulada a crescer também, a ser mais, a ir além”, conta a “jovem veterana”, que buscou enriquecer sua experiência com uma graduação em Política e Gestão Cultural.

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Com discurso afiado, ela convoca para a caminhada do dia 25 de julho e para uma reflexão que não tem data para acabar. “É um dia de celebração e festa, mas também de luta e de memória. Quando falamos de bem-viver e reparação histórica, estamos falando de algo profundo, de cobrar o que nos devem aqueles setores sociais que guardam uma herança escravocrata e machista. O que queremos é revolucionar mesmo, no sentido de reconstruir a forma como vemos o mundo e como o mundo nos vê”, declara Beatriz.Além da caminhada, que é o ponto alto do Julho das Pretas, uma série de eventos ao longo do mês movimenta a grade oficial, que será divulgada nesta terça-feira, nas redes sociais do movimento (@julho_das_pretas). E, embora haja uma expectativa de recorde de atividades este ano, a programação é apenas um aquecimento para algo ainda mais grandioso.Em novembro, acontece a segunda edição da Marcha Nacional das Mulheres Negras, após um hiato de 10 anos. Em 2015, calcula-se que 100 mil tenham se reunido em Brasília. Este ano, a organização espera mobilizar um milhão.Dicas plurais:Evento: De 7 a 12 de julho, o Center Lapa recebe o Preta, você me inspira, que serve de aquecimento para a programação de 25 de julho. O público confere exposições, rodas de conversa, palestras e performances artísticas. Sempre das 9h às 20h, na Praça de Eventos (Piso 1), com acesso gratuito.Filme: O perfil @somosterezaofilme acompanha a produção do filme Somos Tereza, que conta a história da líder quilombola Tereza de Benguela, interpretada por Zezé Motta. O longa foi gravado em Vila Bela da Santíssima Trindade, no Mato Grosso, berço da resistência comandada pela biografada nos anos 1700. Danielle Bertolini e Oz Ferreira assinam a direção.Curso: Lélia Gonzales: vida, obra e legado chega à terceira edição reverenciando uma das mais importantes referências da luta feminista e antirracista no Brasil. Com aulas ministradas pelas professoras Amanda Castro e Elina Oliveira, o curso acontece ao vivo, via Zoom, de 21 a 23 de julho. A matrícula custa R$ 30 e pode ser feita pelo Sympla.*Daniela Castro é jornalista, mestra em Cultura e Sociedade e criadora da Inclusive Comunicação. Ela assina a coluna Plural sempre no último domingo do mês.

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