Assassinatos arquitetônicos em BH – Parte I

Sem catástrofes naturais ou guerras, Belo Horizonte nasceu e cresceu sob a égide das demolições e reconstruções em série. A cidade, que surgiu no final do século XIX no contexto da nova ordem política republicana no Brasil, empregou – por meio da Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC) – o urbanismo positivista (ordem e progresso) e a arquitetura eclética para se opor ao seu passado colonial, varrendo do mapa de Minas o antigo Arraial do Curral del Rei. Contudo, esse pecado original não se desfez. Ao longo do tempo, a cidade fez da autofagia arquitetônica uma prática corrente, promovendo demolições ou mutilações de exuberantes edifícios considerados ultrapassados para dar lugar aos modernos de plantão – incorrendo em verdadeiros assassinatos arquitetônicos.

Embora o instrumento de tombamento tenha sido criado no Brasil em 1937, com a fundação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (atual Iphan), esse importante mecanismo de proteção do patrimônio edificado brasileiro praticamente só passou a vigorar para a arquitetura de Belo Horizonte a partir de 1975, quando o recém‑criado Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha‑MG) realizou a primeira série de tombamentos – e de modo mais efetivo a partir de 1984, com a criação do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte (CDPCM‑BH).

Nesse contexto, ao longo de quase cinquenta anos do século XX, o expressivo patrimônio arquitetônico da capital mineira ficou majoritariamente à mercê de interesses privados e políticos, resultando em incontáveis demolições e um vasto obituário arquitetônico.

Conheça cinco demolições hediondas em BH

1. Cine Pathé | Fachada demolida nos anos 1930.
O Cine Phaté, projetado em 1920 pelo arquiteto Octaviano Lapertosa, em estilo eclético, localizava-se na Av. Afonso Pena, n. 749. (Fonte: Arquivo Público Mineiro, colorizada).

Antes de ser transferido para a avenida Cristóvão Colombo, na Savassi, o Cine Pathé funcionou por pouco mais de uma década na avenida Afonso Pena. Em 7 de fevereiro de 1920, o jornal Minas Gerais anunciou o nascimento dessa belíssima sala de projeção na capital mineira:

Inaugura-se hoje esta nova e confortável casa de diversões, instalada em prédio especialmente construído para este fim, à avenida Afonso Pena, e de propriedade do Sr. Adriano dos Santos. O prédio, que é de propriedade do Sr. Alcides Lobo, foi construído pelo Srs. Silvério Silva e Cia., sob a direção técnica do Sr. Ângelo Marcelo de Paoli, e está dividido em dois andares, sendo o segundo ocupado pelo clube Matakins. O novo edifício foi projetado pelo Sr. Octaviano Lapertosa.

No entanto, em meados da década de 1930, o imóvel foi radicalmente reformado: toda a sua fachada com exuberante ornamentação eclética foi demolida para dar lugar a outra de traços cubistas, alinhada ao modernismo recém‑chegado ao Brasil.

2. Edifício dos Correios | Demolido em 1940
O edifício dos Correios e Telégrafos foi projetado pelo arquiteto Francisco Izidro Monteiro e inaugurado em 1906. O imóvel ficava na Av. Afonso Pena, entre as ruas Tamoios e Bahia. (Fonte: cartão-postal / reproduçaõ).

O jornal Folha de Minas, em sua edição de 24 de fevereiro de 1940, noticiou a demolição do suntuoso edifício dos Correios, em estilo eclético:

O nascimento, a glória e o fim de um palácio em Belo Horizonte.

As obras de demolição do velho edifício dos Correios estão sendo designadas por um homem que ajudou a construir o prédio ilustre – o Sr. Biagio Polizzi relembra o orgulho com que os mineiros de 1906 assistiram à inauguração do palácio que agora está sendo reduzido a escombros. […] Um edifício torna‑se ‘démodé’ em Belo Horizonte em tão curto espaço de tempo que cabe dentro da vida de um homem. Depoimento de Biagio Polizzi (um dos mais competentes mestres de obra) construtor do prédio: “Gastamos dois anos na construção deste edifício. Foi começado em abril de 1904 e terminado em setembro de 1906, por ocasião da posse do presidente João Pinheiro. E vamos gastar pouco mais de três meses na sua demolição […].

3. Feira Permanente de Amostras | Demolida em 1965
A antiga Feira de Amostras foi construída na Praça Rio Branco (Praça da Rodoviária) com projeto dos arquitetos Raffaello Berti e Luiz Signorelli. (Fonte: cartão-postal / reproduçaõ).

A exuberante Feira Permanente de Amostras – imóvel demolido em 1965 para dar lugar ao Terminal Rodoviário de Belo Horizonte – foi um dos maiores ícones da arquitetura Art Déco na cidade. Sua forma vertical impunha‑se na paisagem, arrematando a extremidade norte da Av. Afonso Pena. Projetado em 1931 pelos arquitetos Raffaello Berti e Luiz Signorelli, o edifício também abrigou, por vários anos, a Rádio Inconfidência, fundada em 1936.

A justificativa para a escolha do terreno da Feira de Amostras para a construção da rodoviária da capital mineira foi apurada pelo jornal Diário da Tarde e publicada em 24 de agosto de 1964:

A escolha do local foi estabelecida no relatório dos engenheiros João Silva Pedrosa, pelo DER, Renato Falci, pela Sociedade Mineira dos Engenheiros, professor Valter Machado, pela Escola de Arquitetura da UMG, arquiteto Paulo Campos Cristo, pelo DET e urbanista Cláudio Soares de Azevedo pela Prefeitura. A comissão após examinar 16 locais escolheu a área da Feira por apresentar: conforto do usuário, circulação tanto quanto possível independendo do tráfego urbano, localização que não seja e nem venha a tornar-se inadequada dentro da área urbana circunvizinha, ou impeça o desenvolvimento urbanístico daquela área. A informação é do engenheiro Eliseu Resende.

4. Cine Metrópole | Demolido em 1983
O Cine Metrópole, projeto do arquiteto Raffaello Berti e referência cultural na cidade, ficava na Rua Goiás, esquina com a Rua da Bahia. (Fonte: Iepha-MG).

Em julho de 1941, o jornal Folha de Minas informava que o edifício do antigo Teatro Municipal havia sido arrematado pela empresa Cinemas e Teatros Minas Gerais S/A, que planejava transformá‑lo num luxuoso cine‑teatro. O Cine‑Teatro Metrópole foi inaugurado em maio de 1942 com projeto do arquiteto Raffaello Berti, tornando‑se uma das principais casas de entretenimento da capital.

Em abril de 1983, a Cinemas e Teatros Minas Gerais S/A vendeu o Metrópole ao Banco Bradesco. Essa transação gerou uma intensa campanha pelo tombamento do imóvel. O Iepha-MG aprovou o tombamento provisório em maio de 1983, mas, antes que a questão fosse definitivamente solucionada, o banco iniciou a demolição interna do cinema.

Em agosto de 1983, o então governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, indeferiu o tombamento, ignorando os pareceres técnicos. Como resultado, o Cine‑Teatro Metrópole foi fechado e demolido, fazendo com que Belo Horizonte perdesse uma importante obra em estilo Art Déco.

5. Palacete Thibau | Demolido em 1957
Obra projetada pelo arquiteto Luiz Olivieri, o Palacete Thibau, também conhecido como Palacete Guanabara, tinha endereço na Av. Afonso Pena, esquina com Rua Espírito Santo. (Fonte: Fundação João Pinheiro).

O belíssimo Palacete Thibau, em estilo eclético, foi uma das edificações mais destacadas da Avenida Afonso Pena entre as décadas de 1910 e 1950. Projetado pelo arquiteto italiano Luiz Olivieri, o edifício foi erguido em 1911 como residência de Eugênio Thibau, recebendo seu nome. Em 1917, o prédio passou a abrigar a Faculdade de Medicina e, no final de 1918, com a instalação da filial da Alfaiataria Guanabara, ficando conhecido como “Palacete Guanabara”. Em 1957, o antigo palacete foi demolido e, em seu lugar, ergueu‑se o edifício que sediou a Casa Guanabara – principal loja de departamentos da cidade na época –, além de um prestigiado restaurante no último andar.

A destruição do belo palacete foi encarada como algo natural aos olhos de setores da imprensa, como revela esta publicação do jornal Correio da Manhã, de 1957:

Outro casarão cederá lugar a um arranha-céu – Na época das demolições de prédios velhos que Belo Horizonte está atravessando, vai cair agora o que servia de sede para a Casa Guanabara, antigo e antiquado. Cederá lugar a mais um arranha-céu como os que o cercam, os quais comprovam, estupendamente, o progresso arquitetônico da capital de Minas.

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