
Condição atinge principalmente mulheres e pode causar complicações graves se não for diagnosticada e tratada a tempo. Fernanda Keulla é internada após diagnóstico de herpes-zóster
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A ex-BBB e apresentadora Fernanda Keulla revelou na terça-feira (8) ter sido diagnosticada com uma condição autoimune chamada doença de Sjögren — um problema crônico e ainda pouco conhecida do público em geral.
Segundo o reumatologista Jucier Junior, pós-doutor pela USP, a doença de Sjögren (antes chamada de síndrome de Sjögren) é autoimune, crônica, sem cura e multissistêmica — ou seja, pode atingir diversos órgãos e sistemas do corpo.
“A nossa imunidade, que deveria nos proteger contra infecções e até contra o câncer, passa a nos atacar. E dependendo do órgão atacado, diferentes doenças autoimunes surgem. No Sjögren, a predileção maior é pelas glândulas salivares e lacrimais”, explica.
Boca e olhos secos: os primeiros sinais
Os sintomas mais comuns da doença são boca seca (xerostomia) e olhos secos (xeroftalmia).
“O paciente sente dificuldade para engolir os alimentos, como se tudo entalasse na garganta. Precisa beber água constantemente, não por hábito, mas por necessidade”, afirma Jucier. Mesmo com boa higiene bucal, essas pessoas podem desenvolver múltiplas cáries, já que a saliva tem função antibacteriana e de proteção dos dentes.
Já nos olhos, a falta de lágrimas pode causar ardência, sensação de areia nos olhos e aumento de secreção, com risco de lesões graves na córnea — que, se não tratadas, podem levar até à cegueira.
Coordenadora científica da Comissão de Doença de Sjögren da Sociedade Brasileira de Reumatologia, Fabiola Reis Oliveira destaca que os sintomas de boca e olhos secos são comuns e podem ser confundidos com efeitos colaterais de medicamentos, envelhecimento, menopausa ou tabagismo.Por isso, é essencial que um médico investigue a causa real quando esses sinais se tornam persistentes.
Muito além das glândulas
Embora o ressecamento seja o sintoma mais característico, a doença de Sjögren pode afetar outros sistemas do corpo.
“Pode haver dores articulares, alterações na pele, pulmões, rins, sistema nervoso e até o coração, onde surgem arritmias”, explica Jucier.
Há também relatos de fadiga intensa, infecções urinárias de repetição em mulheres (devido à secura vaginal) e até problemas digestivos, como prisão de ventre.
Em casos mais graves e não tratados, o quadro pode evoluir para linfoma, um tipo de câncer do sistema linfático. “É uma complicação possível, embora rara. Em alguns pacientes, o linfoma é o primeiro sinal de que havia Sjögren”, alerta Fabiola.
Diagnóstico complexo
Identificar a doença nem sempre é fácil. De acordo com Fabiola, o tempo médio entre os primeiros sintomas e o diagnóstico correto no Brasil é de quatro a cinco anos. Isso acontece porque a doença pode se confundir com outras condições reumatológicas, como lúpus e artrite reumatoide.
Para o diagnóstico, o reumatologista avalia a história clínica e pode pedir exames como o teste de Schirmer (para avaliar a produção de lágrimas), ultrassom das glândulas salivares, exames laboratoriais (como o anticorpo anti-SSA/Ro) e até biópsia da glândula salivar labial.
Tratamento e cuidados contínuos
Não há cura, mas há controle. O tratamento depende dos sintomas de cada paciente. Nos casos mais leves, são usadas lágrimas e salivas artificiais. Nos quadros sistêmicos, são indicados imunossupressores, medicamentos que reduzem a atividade do sistema imunológico.
“Mas é preciso equilíbrio. Ao reduzir a imunidade, aumentamos o risco de infecções. Por isso, o cuidado é constante e multidisciplinar”, afirma Jucier. O médico destaca ainda que exercícios físicos regulares são altamente recomendados, especialmente para lidar com a fadiga — um dos sintomas mais debilitantes da doença.
Mulheres são as mais afetadas
A doença é dez a quatorze vezes mais comum em mulheres do que em homens, especialmente após os 40 anos. No entanto, pode aparecer também em homens, jovens e até crianças. “Toda pessoa que tem boca e olhos secos sem causa aparente, ou dores articulares persistentes, deve procurar um reumatologista”, orienta Fabiola.
Convivendo com o diagnóstico
Ainda segundo os médicos, apesar de ser uma doença rara — com incidência de 2 a 3 casos a cada mil habitantes —, o diagnóstico precoce e o tratamento adequado fazem toda a diferença na qualidade de vida dos pacientes.
“É uma doença silenciosa, mas que pode ter consequências graves se negligenciada. O olhar atento do paciente e do médico faz toda a diferença”, resume Jucier.
Especialista fala sobre a doença de sjögren