| Foto: Cred Jessica Miglio | Warner Bros. Entertainment
Nas telas, após a passagem de capa de Reeve para Brandon Routh no filme dirigido por Bryan Singer em 2006 e, em seguida, para Henry Cavill no longa de 2013, e nos dois subsequentes (Batman vs. Superman, de 2016, e Liga da Justiça, de 2021, estes três dirigidos por Zack Snyder), parecia que esse equilíbrio entre os dramas internos do personagem (quase uma crise de depressão diante de todo o peso do mundo em suas costas) pendia bem mais para o lado sombrio e atormentado.Os roteiristas passaram a esquecer qualquer premissa divertida de seu protagonista para focar somente em suas dores.Tais características também foram abordadas com parcimônia por Byrne. O consagrado autor, porém, lograva manter suas páginas com texturas narrativas mais leves, mesmo que, por vezes, trouxesse temas de maior aprofundamento psicológico.Seu texto fez escola e, a partir dali, as histórias do personagem com o S no peito se adaptaram a tal formato narrativo.Salienta-se que, Independente das informações acima serem familiares ou não ao espectador que pretende se aventurar pelos breves 129 minutos de Superman, filme dirigido por James Gunn (cineasta por trás do sucesso da trilogia Guardiões da Galáxia, da Marvel Studios), é perceptível como o diretor bebeu desta fonte do lendário quadrinista e trouxe para seu filme o mesmo equilíbrio entre peso narrativo que direciona seu protagonista em sua consciência humana, e a ideia de que, para além daquele alienígena, existe um rapaz de infância feliz e apaixonado tanto pelo trabalho de jornalista quanto pela repórter colega de trabalho Lois Lane (vivida pela bela Rachel Brosnahan).
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David Corenswet traz para seu Clark Kent não uma necessidade de se esconder atrás das lentes dos óculos ou disfarçar seu potente tom de voz (não adianta tentar, o único a conseguir esse intento foi Christopher Reeve), mas uma naturalidade em suas cenas com trajes civis.E essa característica e domínio físico do ator é explorado com consciência por James Gunn. Claro que ajuda o detalhe oriundo dos gibis (aqui, uma simples muleta narrativa) de que ele usa óculos que embaralham a concentração de quem pode enxergar o herói ali à sua frente.Mas, ainda assim, é perceptível como Corenswet traz uma presença semelhante em sua aparição tanto uniformizado quanto em roupas humanas. Suas explosões de raiva e impaciência, que surgem tanto na figura de Superman, como na de Clark Kent, o denotam como humano falho, suscetível a momentos de perda da calma e, por isso mesmo, natural. A cena na qual ele concede uma entrevista a Lois Lane é um primor nesse sentido de lhe trazer humanidade.E ao criar essa visão falível do seu protagonista, Gunn encontra, também, um modo de torná-lo não 100% invulnerável, mas, também, passível de dor (algo característico na marca trazida por John Byrne em sua histórias).
Assim, Superman coloca seu personagem-título como alguém a sangrar de verdade ao enfrentar um flagelo físico em uma trama envolvendo guerras armamentistas e midiáticas, além de bots agindo em redes sociais em uma clara referência à cultura do cancelamento, bem como um Lex Luthor que, na pele do versátil Nicholas Hoult, encontra um oponente distante do exagero caricato visto nos filmes de Zack Snyder.
Foco nos quadrinhos
| Foto: Cred Jessica Miglio | Warner Bros. Entertainment
Neste ponto, é válido citar um caminho louvável buscado por Gunn, que é o de tornar o filme o mais quadrinístico possível, mas sem deixar de lado as marcas de um mundo real e factível que Singer e Snyder registraram em suas incursões como metas narrativas que, como um todo, foram bem sucedidas no sentido de aproveitar algo consolidado com Christopher Nolan na proposta “E se os heróis existissem no mundo real”?Aqui, porém, a ideia é outra e vale a pena ser comprada pelo espectador que busca um escape divertido em uma proposta leve dos filmes de super-heróis.Dito isso, fica difícil não sorrir quando vemos a Sala da Justiça idêntica àquela do clássico desenho dos Super Amigos da infância, ou a presença do Lanterna Verde Guy Gardner a destacar sua marra, antipatia e carisma na rixa com aquele que ele chama de Azulão.É um filme que pode até ser frágil na construção de alguns de seus personagens, como a figura de Eve Teschmacher (a portuguesa Sara Sampaio) a passar todo o filme tirando selfies e sendo humilhada por Lex Luthor, cujo hábito de se livrar de suas ex-namoradas mantendo-as em cárcere privado não deve passar incólume pelos canceladores de plantão.Mas tendo a personagem, em seu sobrenome, uma referência direta ao clássico de Richard Donner, fica explicado seu comportamento e presença cênica.Curiosamente, porém, o roteiro de James Gunn opta por uma banalização da personalidade dos pais de Clark Kent sem qualquer propósito aparente. Assim, Jonathan e Martha se transformam em versões caricatas de caipiras texanos, com sotaques forçados e rasos em suas breves participações, diferente de outras abordagens dos mesmos personagens nos filmes anteriores.Deste modo, o momento em que o “Pa Kent”, como é ridiculamente creditado, tem uma aproximação dramática com seu filho, a cena não alcança nenhum apelo emocional perante seu público.Quando já tivemos cenas envolvendo os mesmos personagens com atores do calibre Glenn Ford, Phyllis Thaxter, Eva Marie Saint, Diane Lane e Kevin Costner, bom, ao menos esse legado de profundidade dramática em personagens tão importantes James Gunn poderia ter inserido melhor em seu texto.Ao menos, a equipe do Planeta Diário, que traz a presença de nomes já conhecidos como Perry White e Jimmy Olsen, apresenta com propriedade personagens até então inéditos fora das páginas dos quadrinhos, como Cat Grant, Ron Troupe e Steve Lombard (mesmo que apenas este terceiro tenha qualquer fala).Em outra prova de sua busca por fidelidade com os gibis, o roteiro de James Gunn investe em outras figuras inéditas no cinema, como o “vilão” Metamorfo, o Senhor Incrível e a Mulher Gavião, cujas aparições primam pela perfeição na construção física e de personalidade de suas versões cinematográficas.E, claro, o super cãozinho Krypto, um dos personagens mais queridos dos quadrinhos na fase anterior à mudanças de John Byrne, surge aqui como um ótimo alívio cômico para o longa.
É um filme para fãs leitores que se sobressai como uma aventura que pode se ousar chamar de despretensiosa em sua leveza narrativa. Além disso, é, também, uma obra voltada para um público que, mesmo não tão familiarizado com as páginas dos quadrinhos, encontrará diversão naquelas duas horas.
Mesmo sendo um admirador da sombria encarnação de Henry Cavill com Zack Snyder e da triste figura apaixonada de Brandon Routh e Bryan Singer, é inevitável afirmar que a ousadia de James Gunn ao seguir por um caminho totalmente diverso dos filmes anteriores merece aplausos.Superman / Dir.: James Gunn / David Corenswet, Rachel Brosnahan, Nicholas Hoult, Nathan Fillion, Isabela Merced, Milly Alcock, Bradley Cooper, María Gabriela de Faría, Sara Sampaio / Salas e horários: cinema.atarde.com.br