Mosquito se engaja no partido mais alto do samba e se confirma grande na rima altiva e marota do álbum ‘Quinhão’


Mosquito lança hoje, 17 de julho, o segundo álbum, ‘Quinhão’
Fernando Young / Divulgação
♫ OPINIÃO SOBRE DISCO
Título: Quinhão
Artista: Mosquito
Cotação: ★ ★ ★ ★ ★
♬ Não fosse o mercado da música tão cruel para bambas que professam o partido mais alto, sem provar do ralo sopão pop que alimenta a indústria do pagode (variante genérica do samba predominante nas playlists), talvez Mosquito não tivesse que ter esperado dez anos para lançar o segundo álbum, Quinhão, no mundo a partir de hoje, 17 de julho.
Com produção musical orquestrada por Pretinho da Serrinha, Quinhão confirma o que já distante álbum inicial Mosquito (2015) já tinha sinalizado. Carioca da Ilha do Governador, Pedro Assad Medeiros Torres – vulgo Mosquito nas rodas do Rio de Janeiro – se prova grande nome na dinastia do samba, partideiro de mão cheia, herdeiro direto da linhagem de Zeca Pagodinho e, sob prisma histórico mais amplo, integrante da dinastia carioca aberta na década de 1930 por Noel Rosa (1910 – 1937).
Basta ouvir a cadência marota que introduz Mainha tinha razão (Mosquito e Gilson Bernini), samba de alta estirpe que abre o álbum Quinhão. Rimas ricas conduzem o samba em que Mosquito versa sobre o chamado irresistível da paixão.
Partido alto de Arnaldo Antunes, Carminho, Cezar Mendes e Marisa Monte, apresentado por Arnaldo há sete anos entre os rocks e sambas do álbum RSTUVXZ (2018), Desistiu de mim ganha segunda chance com a verve de Mosquito.
Para cantar samba, tem que ter molejo. A música-título Quinhão, parceria de Mosquito com Elvis Marlon, mostra que o cantor e compositor carioca de 38 anos tem molejo e sabe filosofar nas rimas do samba, ora com descontração, ora com leve melancolia, como nos versos da composição que dá nome ao disco, cuja edição foi viabilizada pela empresária Paula Lavigne para a Uns e Outros Produções.
Capa do álbum ‘Quinhão’, de Mosquito
Pintura de Márcia Falcão
O partideiro cultua a malandragem no sentido mais nobre do termo, qualidade que salta aos ouvidos sobretudo em Vegetariando (Mosquito), cuja picardia da letra é sublinhada pelo sopro do clarinete de Dirceu Leite, mas também em Caranguejeiro. Mosquito assina com Leandro Fregonesi esse samba que flerta com o toque rural dos calangos e a agilidade rítmica das emboladas. Por já ser sucesso nas rodas do Beco do Rato, um dos redutos mais cultuados do samba do Rio de Janeiro (RJ), Caranguejeiro é a faixa eleita para promover o álbum Quinhão.
Parceria de Mosquito com Claudemir, compositor recorrente na discografia de Zeca Pagodinho, Pega-pega versa com poesia sobre as tramas do amor, como já sabem os seguidores de Mosquito, pois a faixa foi lançada previamente em dezembro de 2023 como já longínquo single do álbum Quinhão.
Exímio percussionista, o produtor musical e arranjador Pretinho da Serrinha conjuga os toques de vários instrumentos tradicionais no universo do samba – agogô, cavaco, pandeiro, tamborim, surdo, repique de mão e caixa – para armar a cama para Mosquito rolar em sambas como Rabo de arraia. Assinado somente por Mosquito, esse samba exala orgulho negro em letra na qual o partideiro manda recado altivo para os racistas.
“Estou atento aos seus movimentos / Pois já conheço bem a sua laia / Não é por frequentar a mesma praia / Que compartilho do seu pensamento / Eu fui forjado pelo sofrimento / Sou descendente do rabo de arraia / Estou atento a qualquer tocaia / Não sou cobaia do seu argumento / Vai ter que me ouvir falar / Vai me ver virar doutor / Vai chegar e eu já tô / Se peitar, demorô / Tem jeito não / Vai ouvir quem calou / Aplaudir o meu show / Preste atenção / Olha o tom da minha cor / Olha a minha posição / Tá nos olhos do senhor / Sua indignação / De ver gente como eu sou / Melhorar de condição / No seu sonho de feitor / Eu sou a decepção”, rima Mosquito, afiado e certeiro, alvejando o preconceito racial.
Na sequência do álbum, Mosquito desloca a roda para Salvador (BA) em 17 de janeiro, samba que se banha com manemolência nas águas da Bahia de todos os santos, encantos e orixás. Mart’nália e Teresa Cristina assinam com Mosquito esse samba situado no dia em que Salvador (BA) e a cidade de Senhor do Bonfim (BA) celebram o santo padroeiro.
Em Banho-maria, Mosquito convoca para cantar com ele o compositor Inácio Rios, parceiro de Galvão Filho neste samba que põe em cena um malandro apaixonado, com arranjo pontuado pelo toque da gaita de Rildo Hora.
No fecho do álbum Quinhão, o samba Vida de moleque (Thiago da Serrinha) desliza macio em salão de gafieira no embalo dos metais arranjados pelo trombonista Antonio Neves. A letra soa como crônica biográfica desse bamba carioca que cresceu, apareceu e venceu no mundo do samba, se juntando ao um time de maiorais no qual está Zeca Pagodinho, como atesta esse grande álbum Quinhão.
Partideiro respeitado nas rodas cariocas, Mosquito também se banha nas águas baianas em samba feito com Mart’nália e Teresa Cristina
Fernando Young / Divulgação
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